sexta-feira, 16 de março de 2018

A escola e suas desigualdades




Letícia Roxo é Licenciada em História pela FAPA, professora da Rede Pública Estadual








A escola e suas desigualdades



Desde muito tempo a desigualdade se perpetua na nossa sociedade. Do Brasil colonialista até o Brasil contemporâneo neoliberal são evidentes as marcas desse fenômeno desigual, injusto e cruel. A pobreza da sociedade é fruto e consequência do mundo desigual em que vivemos, gerando um ciclo vicioso. O pobre é marginalizado por ser economicamente, culturalmente, politicamente pobre. E a educação que, na teoria, seria para amenizar esses efeitos e mudar essa condição vem ao longo dos anos acentuando-os, pois penaliza mais uma vez o pobre no momento que não proporciona as mesmas condições de ensino aprendizagem que para os homens brancos e ricos.

A escola na teoria diz que tem como princípio a cidadania, que trabalha temas transversais, que aborda as minorias e luta pelo fim do preconceito, da violência, discriminação, etc. No entanto nada mais faz do que reproduzir um discurso dominante que legitima e naturaliza a pobreza e a desigualdades sociais.  Naturalizar é legitimar o fato da maioria das pessoas serem desprovidas de terras, trabalho, moradia, comida, renda, escola. É concordar e propagar os interesses da classe dominante. Infelizmente, os negros são os mais afetados e discriminados pela pobreza nesse país. Obviamente são históricas as causas: escravidão e racismo. Mas no chão da escola vemos nitidamente essa diferenciação, através de falas de direção e professores, de atitudes dos próprios alunos e do sentimento de inferioridade dos alunos negros em relação a não se sentirem parte daquela escola.

A escola nada mais é do que extensão da sociedade e nossa sociedade é “copista”, copia e cola aquilo que lhe é transmitido, seja pela mídia, seja em sala de aula. E o que se propaga é um discurso excludente e dominante. Onde pobreza, a desigualdade econômica, social são culpas do pobre que não corre atrás do melhor para sua vida, que é preguiçoso, ou seja, um discurso meritocrata que atende as necessidades da elite. Mas que o próprio pobre propaga e acredita que seja verdade. Que através do seu esforço pessoal ele vai conseguir mudar a sua condição social e econômica.  Não pensem que dentro da escola esse discurso muda. Ele acontece, por exemplo, no momento que professores atribuem a indisciplina do aluno apenas à falta de respeito. Não levam em consideração se aquele aluno tem casa pra morar, comida pra comer, família para lhe dar toda a base necessária para a vida em sociedade, se o aluno vive em condições de vulnerabilidade social e afetiva, se usa drogas, se possui material escolar, como se sente ao ver o colega com o celular moderno e o tênis caro, enfim não discutem as condições que a desigualdade gera naquele ambiente. Mas prolifera um discurso meritocrata de esforço pessoal para a resolução do problema.

Infelizmente, a escola não atende ao seu papel de formar cidadãos críticos e autônomos para viver em sociedade. Ela está preocupada apenas, na maioria dos casos, em formar mão de obra para o mercado de trabalho, alunos capazes de passar no ENEM, assim sendo, são bem vistas aos olhos dessa própria sociedade. Estamos muito longe de ter uma escola inclusiva, atenta as questões sociais, atuantes no meio, com reais intenções de construir o conhecimento do aluno para sua real condição social, para compreensão do seu papel e da sua posição, de esclarecer as causas dessas desigualdades e sendo assim, este aluno não consegue compreender, analisar, tomar consciência dessa realidade cruel em que vivemos e, principalmente, mudá-la. Ele apenas reproduz discursos ora, midiáticos, ora políticos, ora escolares.

Enquanto, professora estadual trabalho em uma escola de periferia onde se percebe essas desigualdades diariamente no cotidiano escolar. A realidade é perversa. Podemos evidenciar a presença das mais variadas realidades sociais e econômicas na escola. No entanto, a maioria são alunos carentes financeiramente e podemos observar que alguns buscam na escola uma alimentação diária. Além da carência econômica são carentes emocionalmente, se mostrando revoltados, agressivos, mas extremamente receptivos a afetividade.  Muitos dos meus alunos nunca visitaram um museu, nunca entraram num teatro ou cinema, não conhecem o mar, mal andaram pelos pontos turísticos da própria cidade em que moram. Culturalmente são pobres. E quando é possível promover uma saída de campo eles preferem o shopping, ou seja, não enxergam a importância de conhecer e ocupar estes espaços culturais. Mas é a questão econômica a mais visível, pois competem, invejam a propriedade privada do colega que se resume no celular moderno, no tênis ou boné de marca. Estes sim demarcam o “status quo” dentro da escola. E gera sentimentos e práticas condenadas, ampliando o caos social e a desigualdades. Porque a escola faz a diferenciação dos “bons” e” maus” alunos pelo comportamento que apresentam, ou seja, identifica o problema, mas não age na causa dele.

A escola precisa se reformular se adaptar a essa realidade. Temos ainda muitas dificuldades pedagógicas e culturais para tanto. Temos uma escola, ainda conteudista, rígida no que se refere a currículo, antiquada tecnologicamente e com algumas resistências a modernização de pensamento.  Mas a escola é muito mais do que apenas um espaço de ensinar. É um espaço de ensino-aprendizagem de todos os envolvidos, ou seja, alunos, professores, equipe diretiva, comunidade escolar. Mas cabe ao corpo docente a metodologia de como este ensino-aprendizagem vai acontecer. O que percebemos, ainda hoje é uma escola baseada num currículo fechado, obsoleto, que não atende as demandas dos alunos. E não aborda a realidade.  Métodos tradicionais de ensino, onde o professor ainda é o detentor do conhecimento e seus recursos pedagógicos fixados no livro didático, na aula expositiva, quadro negro e questionários. Esta realidade não cabe mais a escola dos tempos modernos.  Pois o aluno não se identifica, não se vê representado naquele espaço.

            Feita esta desconstrução outras mudanças passam a ocorrer. Logo vem a construção de um novo modelo de educação, metodologia, e professor, logo do aluno. O olhar em relação à educação passa a ser mais global, inclusivo e libertador. A metodologia que deveria ser adotada busca favorecer a realização de atividades que propõem desenvolver a autoria, a criação, protagonismo e a autonomia do aluno. Onde ele possa se ver, se sentir parte, representado e tomar consciência do seu papel em qualquer espaço.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Ele não está a caminho, ele já está aqui




Jefferson Meister Pires é Bacharel em Ciências Sociais pela UFRGS e licenciando em Ciências Sociais pela UFRGS





Ele não está a caminho, ele já está aqui


                Lembro do período de junho de 2013, quando eclodiram aquelas manifestações de rua por todo o Brasil, que no início seriam pelo aumento do valor em passagens de ônibus, mas depois se mostraram como um repúdio ao nosso sistema político e à própria politização. Trago este episódio para ilustrar este pequeno texto com uma frase dita dentro de sala de aula durante aquele momento: “Gente, estou assustada, porque eu sei o que vêm depois disso”. A pessoa que profetizou não poderia estar mais certa, nós sabíamos o que ou quem estava a caminho, os sinais estavam todos ali:

           Quando a grande mídia mudou seu foco e tratou de não mais atacar apenas determinados personagens políticos e passou a bombardear diariamente quase a totalidade da classe política e a própria atividade política. Quando ações penais foram nomeadas pela mesma grande mídia e seus julgadores receberam status de estrelas da música pop, não mais sendo tratados como funcionários públicos em serviço. Quando operações de investigação do Ministério Público e da Polícia Federal receberam nomes pomposos, alguns jocosos, parecendo estarem mais voltadas para a mídia do que para a justiça. 

           Quando essas mesmas operações de investigação abusaram de práticas ilegais referendadas por juízes que deveriam guardar as leis e não quebrá-las. Quando o direito de ir e vir, de se manifestar livremente é reiteradamente ignorado por autoridades policiais e judiciárias. Quando repórteres a trabalho são impedidos de filmar e fotografar funcionários públicos em sua atuação, alguns sendo detidos por registrar a atuação de policiais. Quando pessoas são perseguidas por postarem críticas à atuação de policiais em redes sociais. Quando uma intervenção das forças armadas é inventada como solução para o sucateamento do Estado e utilizada para manter povão no lugar de povão. Por estes e outros motivos não tenho dúvidas em afirmar que ele não está a caminho, ele já está aqui, e seu nome é “Estado de Exceção”.

             O esforço que muitos fazem para manter um ar de normalidade no estado de direito democrático é gritante, buscam conceitos e explicações baseadas nas mais ridículas distorções e divagações, ignorando os fatos elencados acima ou simplesmente desqualificando e minimizando as situações que atestam a chegada do estado de exceção. Preferem esconder que em 1964 o golpe foi apoiado por grande parte da população, mas mesmo assim continuou golpe. Preferem omitir que em 1964 e após, continuaram havendo eleições, mas mesmo assim foi golpe. Os defensores da quebra das regras constitucionais sempre o fazem querendo parecer constitucional, e logo após tornam constitucional, assim foi no terceiro Reich, assim foi em 1964 e em tantos outros momentos, a quebra da legalidade só é válida quando imposta pela força, senão é crime.

              Em 64 ele veio montado em tanques e canhões, em 2016 ele chegou carregado nos ombros por homens vestidos em ternos e togas, foi exaltado em um espetáculo dominical digno das mais concorridas tardes no coliseu romano e vestido em uma suntuosa toga. Aqueles que fazem as leis e aqueles que guardam as leis foram os primeiros a rasgá-las, transformam as leis no andar dos acontecimentos, aplicam as normas conforme a situação e a vontade de quem os orienta, esqueceram-se pobres coitados de que qualquer lei, qualquer código, qualquer forma de se organizar em comunidade só existe pela comunidade, só existe porque os homens e mulheres que vivem no mesmo tempo e espaço decidem soberanamente sobre suas vidas, ou assim deveria ser. Todo o artigo primeiro da nossa Constituição foi queimado, porém o parágrafo único foi apagado da história: Art. 1º Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

                Em nosso país no ano de 2018, já não se consulta mais a população nem sobre a venda de seu patrimônio, imagine se seria consultada sobre a invasão de suas casas, sobre o direito de ir, vir e se manifestar?