terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

A Glamourização do subemprego e o conceito de Empreendedorismo às avessas: a nova realidade do Mercado de Trabalho Brasileiro.

Sérgio Pires é Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bacharelando em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pós-graduando em Gestão Escolar pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul.










A Glamourização do subemprego e o conceito de Empreendedorismo às avessas: a nova realidade do Mercado de Trabalho Brasileiro.

Sempre que utilizo serviços de transporte por aplicativo, tenho o hábito de conversar com os motoristas, conhecer um pouco de suas histórias durante os curtos períodos das viagens. Muito por uma característica pessoal (que é gostar de conhecer e conversar com pessoas das mais diversas origens) a qual me aproxima muito da disciplina que me conquistou durante os anos de minha primeira graduação, a Antropologia, mas principalmente, e não consigo entender quem pensa diferente disso, por percebê-los como trabalhadores iguais a mim, com longas jornadas de trabalho, atendendo uma grande variedade de pessoas e humores. Muito mais do que eu poderia imaginar.


Pois bem, em uma dessas corridas, enquanto conversava com o motorista, ele me falou sobre as vantagens e dificuldades do seu trabalho, e fiquei muito espantado quando me revelou que trabalhava todos os dias, incluindo sábados, domingos e feriados, uma média de 12 a 14 horas, para que pudesse sustentar sua família e as demais despesas da casa.
Fiquei por muito tempo lembrando aquela conversa, até que poucos dias atrás li um relato, em uma rede social, que chamou muito minha atenção, tratava-se de uma postagem de uma mulher jovem, reclamando que o carro do motorista do aplicativo estava com o ar condicionado desligado, o que era um absurdo, uma vez que o serviço estava sendo pago, e que, portanto, deveria atender as necessidades da cliente. Fiz algo que me policio para não fazer, ou seja, ler os comentários, e dentre esses muitos defendendo o motorista, cobrando uma maior empatia, pois não se sabia ao certo qual era o problema que o carro apresentava, porém muitos comentários eram extremamente marcados por uma hierarquização destas novas relações de trabalho, onde cobravam fortemente que os carros de aplicativo deveriam além de manterem o ar condicionado ligados na temperatura de acordo com o gosto do passageiro, oferecer água e doces, e claro, com um atendimento muito atencioso, conversando com o passageiro apenas se esse o consentisse.

Ora, quem utiliza muitas vezes este serviço, sabe que, fora em situações extraordinárias, os valores das corridas são razoavelmente baixos, além disso, todos esses regalos e os custos com combustível, manutenção e o aumento do consumo devido ao ar condicionado, saem do bolso do motorista, e não da empresa A ou B. Ou seja, além de estas pessoas não perceberem os motoristas como trabalhadores iguais a elas próprias, uma vez que sim, quem vende sua força de trabalho pertence à classe trabalhadora, também tentam impor uma hierarquia, onde o motorista é seu vassalo, e eles seus suseranos.

Se antes do surgimento dessas novas ocupações, trabalhadores como porteiros, faxineiros, recepcionistas, garis, entre outras categorias de profissionais, eram totalmente invisíveis para a maioria da população, salvo se estes se desviassem das funções sociais as quais lhe estavam destinadas, o estranhamento e o desconforto ficavam muito evidentes, pois feriam o status quo dominante, agora estas novas funções, que estão descobertas por leis trabalhistas e tem vínculos inexistentes ou muito frágeis, passam a pertencer a essas categorias que não podem ter voz, ficando restritos apenas a cumprir suas funções, ainda que nos dias atuais, essas funções são chamadas de “empreendedorismo” por estas novas correntes de “pensamento” que agora ocupam as altas esferas do poder em nosso país.

Não muito tempo atrás, uma emissora de televisão exibiu uma novela que contava a estória de uma vendedora ambulante de bolos que conseguiu, com o passar dos anos, montar uma grande confeitaria. A partir do sucesso desta novela, a emissora passou a produzir uma série de matérias, em seus programas jornalísticos e de entretenimento, mostrando casos de pessoas que trabalhavam de maneira autônoma, com a produção e venda de artigos alimentícios dos mais variados, com uma narrativa muito vibrante ao mostrar o quanto as pessoas gostavam e eram felizes com seu trabalho.

Um desses casos me pareceu bem curioso, e inclusive foi com uma família aqui do Rio Grande do Sul, onde pai e mãe trabalhavam no negócio da família, mas seus filhos, já maiores, estavam cursando nível superior e não pretendiam dar sequência ao trabalho dos seus pais.

Outro caso curioso, aconteceu há poucos dias, em meio a todos os estragos e transtornos causados pelas fortes chuvas no sudeste, uma foto ficou muito popular nas redes sociais, onde mostrava um entregador destes serviços de tele entrega, com sua bolsa térmica com o nome da empresa nas costas, caminhava em meio à enchente, não sei ao certo qual seu destino, se estava indo para uma entrega ou para sua casa. A foto ficou tão popular que este mesmo cidadão, segundo informações colhidas, recebeu ofertas de emprego.

Como bem sabemos, todo o trabalho é digno, e todos somos trabalhadores, das mais diversas áreas, não pense o leitor mais desavisado, que estou tentando escalonar em níveis de importância o trabalho em si e quem os executa, muito longe disso. Na verdade o que tem me feito pensar muito nesses dias, é a classificação que estão dando para esses trabalhadores: empreendedores.

Segundo o Dicionário Michaelis, empreendedor significa: “Indivíduo que possui capacidade para idealizar projetos, negócios ou atividades; pessoa que empreende, que decide fazer algo difícil ou trabalhoso.”, e eis aqui questões importantes que abordaremos na sequência do texto.

Anos atrás, quando o termo “empreendedor” passou a ser mais utilizado, especialmente na grande mídia, se referia a um estrato social bem definido, uma vez que, aqueles que se enquadravam nessa categoria, realizavam seus empreendimentos, não como sua principal fonte de renda, mas sim a partir do seu excedente de capital, que por sua vez era reinvestido em seus empreendimentos, dando assim rendimento ao empreendedor. Ou seja, podemos tentar representar o que foi dito acima através da fórmula: Capital + Meio de Produção (empreendimento) = Capital. Possuir capital excedente e os meios de produção são peças chaves nesse processo de empreendedorismo, pois se dispõe dos recursos para compra de matéria-prima e mão de obra, não alijando a receita principal, pois o capital investido é capital excedente, ou usando termos populares: “dinheiro fazendo dinheiro”.

Outra questão referente ao significado do termo se encontra no verbo “decidir”, presente em sua definição. Esses trabalhadores e trabalhadoras de fato decidiram começar essas atividades ou foi uma escolha, uma saída perante a falta de oportunidades no mercado formal de trabalho? Abriram mão de vínculo empregatício, plano de saúde empresarial e demais benefícios que os trabalhadores segurados têm de livre e espontânea vontade? Acredito que em pouquíssimos casos sim, mas em sua esmagadora maioria não, pois sem a possibilidade de trabalhar formalmente, muitos são obrigados a trabalharem de modo informal para poder garantir o sustento de suas famílias, mesmo sem ter o mínimo de cobertura por parte do Estado. Dentre estes existem casos de “sucesso”? Poucos, representam a exceção que justifica a regra.

Logo, atribuir a estes trabalhadores, que compulsoriamente foram atraídos para o mercado informal por não conseguirem empregos formais, o termo “empreendedor”, além de muito equivocado por seu significado, é romantizar o subemprego, como uma forma de amenizar o imenso índice de trabalhadores desempregados, uma vez que no cálculo do percentual de desempregados, não se incluem estes trabalhadores, o que produz dados incorretos a respeito da real situação da geração de empregos no país.

Reafirmo que a intenção deste texto não é menosprezar todo e qualquer tipo de trabalho informal realizado por estes trabalhadores, que são verdadeiros sobreviventes em meio ao caos do desemprego, mas sim tentar esclarecer que existem imensas diferenças entre um cenário como este e o empreendedorismo, que em sua essência se manifesta em determinados recortes sociais, que dispõe de muitos recursos, suficientes para investir e não se preocupar se o lucro de seu empreendimento colocará comida na sua mesa ou não, diferentemente dos trabalhadores e trabalhadoras que retiram o sustento de suas famílias do fruto do seu trabalho diariamente, com o risco de ter que escolher entre comer ou repor matéria-prima para trabalhar no dia seguinte.  

sábado, 1 de fevereiro de 2020

O triste e mau avanço dos “homens de bem”

Daniel da Luz Machado - Bacharel em Administração de Empresas pela Faculdade São Judas Tadeu e Bacharelando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.











O triste e mau avanço dos “homens de bem”




                   Na última sexta feira de janeiro pela manhã enquanto abastecia o carro para me deslocar ao trabalho, conversava com o atendente do posto de combustíveis que fica na esquina da minha rua. O rapaz me narrava que constantemente veículos que descem a minha rua, simplesmente para não aguardarem na sinaleira, adentram as dependências do posto, às vezes em velocidades inadequadas, colocando em risco vidas, e o que é pior ofendem com gestos os funcionários que sinalizam contra esse absurdo.

              O triplo homicídio protagonizado por um sujeito, que segundo alguns relatos jornalísticos, em suas redes sociais enfatizava esse comportamento típico do “homem de bem”, os constantes relatos de profissionais que acham normal desconfiar de determinadas pessoas em razão a sua etnia, o velho discurso de “Bandido bom é Bandido morto, se está com pena leva para casa”, “Quem mandou sair com essa roupa estava pedindo...” (Pedindo o quê cara pálida?) Enfim uma série de chavões formatadas por mentes que transcendem a limitação intelectual e se autodefinem como guardiãs de uma moral que na maioria das vezes se solidifica na hipocrisia.

                  A velha dicotomia da pergunta: Quem veio primeiro o ovo ou a galinha? Parece se transpor para análise cotidiana de grande parte da sociedade brasileira. Somos uma sociedade em grande parte doente e revestida desse pseudo título “Homens de bem” e por isso elegemos a presidência da república um sujeito sem o menor preparo humano e intelectual? Ou a eleição desse indivíduo e todas anomalias que o cercam, legitimaram e ampliaram a explicitação dos “Homens de bem” a ponto de ampliarmos nossos temores em função de nossa etnia, nosso gênero , nossa condição social, nossas escolhas religiosas, políticas, ou de quem damos a mão no espaço urbano?

               O avanço dos “Homens de bem” na prática se tornam inversamente proporcionais a “Bondade”, a qual esperávamos que com o desenvolvimento da humanidade pudesse se sobressair. O que infelizmente vemos é um aumento das intolerâncias, uma explicitação das monstruosidades, outrora ocultas, e agora referendadas por alguns políticos descompromissados com a vida e que impulsionam com suas bizarras manifestações essa sensação de tudo é permitido: BASTA SER UM HOMEM DE BEM.