segunda-feira, 25 de maio de 2020

Pandemia e violência doméstica contra as mulheres surdas



Lahis Brandão
Estudante de Tradução e Interpretação em Libras nas instituições
UFRGS e IFRS; Feminista (não do tipo divertido); Bodypiercer; Gateira;
Quer saber: Quem mandou matar Marielle?







     A violência doméstica é uma realidade inegável no Brasil, uma vez que seus números são alarmantes. Um levantamento realizado em 2019 indica que o nosso país registre um caso de agressão a mulher a cada 4 minutos, isso sem mencionar todos os acontecimentos que não chegam a ser registrados. Não à toa, este mesmo ano finalizou com mais de um milhão de processos de violência doméstica, sendo 563,7 mil novos casos (CNJ, 2020). Somente em janeiro de 2020 houve um aumento de 233% nos casos de feminicídio consumado. É neste mesmo contexto que o Covid-19 chegou ao Brasil, forçando muitas mulheres a permanecerem trancadas em seus lares junto com seus parceiros, ou seja, de quarentena com o agressor.

    Na segunda semana de março de 2020 a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou pandemia do novo Coronavírus Covid-19. Desde então, muitos países começaram a tomar medidas para conter o vírus, sendo uma das medidas mais importantes para combater a proliferação deste, o ato de ficar em casa e evitar ao máximo o contato com outras pessoas.

     Embora o governo federal brasileiro esteja mostrando uma certa resistência para seguir as essas orientações, ainda assim muitos governos estaduais agiram de maneira mais ágil e em consenso com a OMS, decretando o fechamento de comércios não essenciais, e colocando muitas famílias dentro de suas casas por tempo integral. Por meio disso, muitas mulheres trabalhadoras e/ou donas de casa ficaram impossibilitadas de sair de seus lares, seja para trabalhar ou para levar seus filhos a escola, uma vez que as instituições de ensino também foram fechadas para evitar aglomerações. Ao mesmo tempo em que o governo brasileiro se nega a seguir as orientações da OMS, também não parece se preocupar em criar novas políticas públicas para as mulheres, levando em consideração o contexto da pandemia de Covid-19 e o quanto isso tem potencializado o sofrimento e a insegurança das mulheres vítimas de violência doméstica.

     Infelizmente essas têm sido as condições em que se encontram milhares de mulheres em todo o Brasil. O misto de insegurança, exposição à violência, vulnerabilidade econômica, sobrecarga de trabalho doméstico e incerteza sobre a possibilidade de melhorias, tem assombrado as mulheres brasileiras.
Se anteriormente a pandemia as estimativas de mulheres que sofrem violência doméstica e não denunciam (pelos mais variados motivos) já era bastante alta, atualmente acreditamos que esse número possa ter multiplicado, uma vez que a quantidade de mulheres que denunciam dobrou, não apenas no Brasil mas e vários outros países. Em relação às mulheres que não estão denunciando, os motivos podem ser diversos, uma nova razão seria o medo de sair de casa e contrair o coronavírus, o que acaba impedindo essas mulheres de procurar ajuda, assistência médica ou legal perante episódios de violência doméstica. É importante considerar que boa parte das mulheres recorrem primeiramente a um hospital quando sofrem violência, e neste momento de pandemia, podem vir a sentir que o ambiente seja mais perigoso do que seguro.

     O isolamento social que no Brasil está sendo apelidado de “quarentena” faz com que as vítimas de violência doméstica tenham ainda menos contato com suas redes de apoio, ao mesmo tempo em que ficam ainda mais a deriva do agressor, vulneráveis aos mais diversos conflitos, agressões físicas, psicológicas e/ou verbais, crises de ciúmes, controle, etc. No entanto, a quarentena não pode ser vista como a causa da violência doméstica, ela apenas potencializa algo que já é uma realidade no Brasil e no mundo há muitos anos.
   O machismo está presente em todas as camadas da nossa sociedade. Se trata da ideia de que a mulher é inferior ao homem, e posse dele. De maneira consciente ou não, os homens objetificam as mulheres independente do nível da relação que tenham com elas. Por meio disso, muitos relacionamentos abusivos são construídos mantendo a mulher em posição subalterna, sempre desfavorecida em detrimento do homem. Infelizmente, essas atitudes e pensamentos machistas não podem “dar uma trégua” neste momento de crise, não é como se fosse algo facilmente controlável em nossa sociedade, uma vez que está enraizado nela.
     O machismo não fica de quarentena, não é um comportamento que se perde em tempos de Coronavírus, mas o machismo está presente na quarentena das mais variadas famílias porque ele antecede essa situação de pandemia.
    Quando falamos de mulheres que são atravessadas pela violência doméstica, acabamos por nos esquecer de que a classe Mulher também tem sua diversidade. Nossas políticas são pensadas para o atendimento de mulheres ouvintes, excluindo uma parcela bastante significativa da população. O telefone lilás (Disque 180), por exemplo, é um recurso para denunciar violência contra a mulher, mas que ao mesmo tempo não pode ser utilizado por mulheres surdas. Talvez neste período de quarentena em que pelo fato das mulheres estarem isoladas com seus agressores, causando uma maior dificuldade de realizar denúncias por telefone, pensemos em outras políticas para atender a todas as mulheres surdas e ouvintes.

     A decisão de ir até uma delegacia registrar uma ocorrência não costuma ser fácil, afinal alguns fatores costumam impedir, como por exemplo: Ameaça a sua vida e a vida de seus filhos ou parentes, vergonha, medo de serem desacreditadas e culpabilizadas, medo de enfrentar o processo e “não dar em nada” e atualmente, medo do vírus entre vários outros motivos. Agora, imaginemos que além destes há ainda um outro fator: Não há alguém que fale a sua língua para lhe atender. Esta é a realidade das mulheres surdas no nosso país.
    Quando uma mulher surda decide ir até uma delegacia, precisa se preocupar em levar alguém que possa a ajudar a realizar a comunicação, pois as delegacias brasileiras não oferecem profissionais tradutores e intérpretes de Libras. Cabe a mulher surda ter uma preocupação a mais que qualquer outra mulher ouvinte, ela precisa buscar, sozinha, uma maneira de garantir que será vista.
Geralmente, as mulheres em situação de violência perdem seus laços familiares e sociais.      Os homens violentos e ciumentos costumam controlar os movimentos da parceira. Por isso, em muitos casos as relações com família e amigos ficam restritas, ocultando a situação. Nessa lógica, uma mulher distante da sua rede de apoio é uma mulher ainda mais vulnerável. No caso da mulher surda, ela pode ficar impossibilitada de solicitar a alguém de confiança para possibilitar a comunicação na delegacia, sendo essa mais uma barreira que impeça a mulher surda de denunciar, já que ela “depende” de uma terceira pessoa. A situação fica mais crítica com a pandemia, uma vez que o isolamento social, tão necessário para conter o vírus, pode também acabar por conter essas mulheres silenciadas em seus lares.

     As mulheres com deficiência são mais vulneráveis à violência doméstica quando comparadas com as mulheres ouvintes que não tem deficiência. Em 2019, o tema foi debatido na CPI do Feminicídio do Rio de Janeiro. A estimativa apresentada foi de que as
mulheres com deficiência tenham 4 vezes mais chance de sofrer algum tipo de violência
quando comparado com as mulheres sem deficiência. Uma dificuldade analisada nesta
atividade também foi a da ausência de dados nos registros, o que dificulta o levantamento
de dados estatísticos. É importantíssimo que os registros policiais contenham a informação
de que a mulher possui deficiência ou não. E neste caso, é importante acrescentar a surdez como uma outra característica, já que há uma diferença bastante significativa entre uma mulher com deficiência e uma mulher surda. Quanto a isso, Perlin e Vilhalva fazem a
seguinte afirmação: A mulher surda é comparada à mulher deficiente. Muitas vezes a sociedade continua com a educação colonialista sobre a mulher surda sem noção de sua
diferença. No momento em que somos chamadas de deficientes, somos comparadas às mulheres ouvintes. Essa é uma representação que assume aspectos de discriminação, de nossa língua e cultura, pelo completo desconhecimento do valor linguístico que a língua de sinais possui e também pelo completo desconhecimento da significação do ser mulher surda, ou seja, ser uma pessoa que entende o mundo pelos olhos e necessita de informação em sua língua visual (Perlin e Vilhalva, 2016, p.6)

    As medidas de identificação em relação a ter ou não alguma deficiência, se presentes nos registros policiais, são vitais para que possamos avançar em relação a existência de dados estatísticos, para além disso é importante que as mulheres surdas tenham um registro a par, pois a partir disso poderemos mapear as regiões onde há mais necessidade da presença de tradutores e intérpretes de Libras. Afinal, essa é uma necessidade específica da comunidade surda e deve ser pensada e construída mesmo em tempos de Coronavírus, onde estratégias precisam ser tomadas para que essas mulheres tenham condições e a garantia de realizar uma denúncia com segurança.

    É urgente que um recorte seja feito em relação às mulheres surdas para que possamos avançar em políticas públicas para todas. Afinal, a barreira linguística é o principal fator que impede mulheres surdas de denunciar violência doméstica, e em tempos de pandemia isso precisa ser considerado antes que traumas e danos irreparáveis cheguem a acometer mais mulheres. Sabemos que temos um inimigo invisível nas ruas, famoso Covid-19, no entanto, dentro dos lares de milhares de mulheres em todo o país há um inimigo visível, embora esteja passando quase que imperceptível no meio dessa crise. É necessário que ambos sejam contidos.


Referências:
AGÊNCIA BRASIL. Mulheres com deficiência têm mais dificuldade para denunciar violência.
07 de ago. de 2019. Disponível em: <​ https://agenciabrasil.ebc.com.br/diitos-humanos/not
icia/2019-08/mulheres-com-deficiencia-tem-mais-dificuldade-para-denunciar​ > Acesso em:
16 de abr. de 2020.

BBC NEWS. 11 Motivos que levam as mulher a deixar de denunciar casos de assédio e
violência sexual. 13 de out. de 2017. Disponível em: <​ https://www.bbc.co m/portuguese/
brasil- 41617235​ > Aceso em: 16 de abr. de 2020.

CNJ. Processos de violência doméstica e feminicídio crescem em 2019. 09 de mar. de 2020.
Disponível em: ​ https://www.cnj.jus.br/processos-de-violencia-domestica-e- feminicidio-cr
escem-em-2019/​ Acesso em: 15 de abr. de 2020.

COSTA, Giulia. Mulheres surdas não conseguem denunciar violência doméstica por falta de
intérpretes. O Globo. 14 de abr. de 2019. Disponível em: <​ https://oglobo.glo
bo.com/sociedade/celina/mulheres-surdas-nao-conseguem-denunciar-violencia-domestica-por-falta-de-interpretes-23597017​ > Acesso em: 16 de abr. de 2020.

FOLHA DE S.PAULO. Assassinatos de mulheres em casa dobram em SP durante quarentena
por Coronavírus. São Paulo. 15 de abr. de 2020. Disponível em:<​ https://www1.folha.uol.com
.br/cotidiano/2020/04/assassinatos-de-mulheres-em-casa-dobram-em-sp-durante-quarente
na-por-coronavirus.shtml​ > Acesso em: 15 de abr. de 2020.

ISTOÉ. Justiça registrou 563 mil novos casos de violência doméstica em 2019. 11 de mar. de
2020. Disponível em: <​ https://istoe.com.br/​ justica-registrou-563-mil-novos-casos-de-violenc
ia-domestica-em-2019/> Acesso em: 15 de abr. de 2020.

OMS. Preguntas y respuestas sobre la enfermedad por coronavirus (COVID-19). c2019.
Disponível em: < ​ https://www.who.int/es/emergencies/diseases/novel-coro navirus-2019
/advice-for-public/q-a-coronaviruses​ > Acesso em: 15 de abr. de 2020.

PERLIN, Gládis e VILHAVA, Schirley. Mulher surda: elementos ao empoderamento na política
afirmativa. INES - Revista Forum. Rio de Janeiro. n. 33. jan-jun 2016. Disponível em: ​ http://w
w​ w.porsinal.pt/index.php?ps=artigos&idt=artc&cat=27&idart= 453 Acesso em: 16 de abr.
de 2020.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Lavem o Convés!!!


Jefferson Meister Pires é Bacharel em Ciências Sociais pela UFRGS, funcionário público e pesquisador.




     Eu lembro que em praticamente todas as histórias que li as quais se passavam em navios no alto mar, havia uma ordem que era repetida interminavelmente pelos capitães e imediatos superiores; “Lavem o Convés”!!! Essa era uma tarefa diária e obrigatória, não havia um dia sequer em que o navio não tivesse a limpeza do convés checada pelo capitão.
     Uma das explicações mais plausíveis para essa compulsão à limpeza estava assentada no fato que nos porões de qualquer navio sempre existiam ratos, esses pequenos roedores se propagavam em lugares escuros, úmidos e com acúmulo de sujeiras ou restos da atividade humana. Por saberem da dificuldade de controlar infestações e principalmente as epidemias que poderiam dizimar sua tripulação, os capitães sabiam que era necessário manter muitas partes de seus navios sempre limpas e protegidas das visitas indesejadas dos pequenos roedores e seus parasitas, a velha Eurásia descobriu isso de forma decisiva durante o período da chamada “Peste Negra” que dizimou cerca de um terço da população europeia ao longo do século XIV.
     Assim como nos grandes navios do passado, nosso espaço de convivência, nossas vidas e até mesmo nossa própria psique possuem cantos obscuros e pouco visitados, lugares onde costumamos depositar dejetos e coisas as quais queremos esquecer que existiram. Exercemos um esforço diário para dar ordem naquilo que nos cerca, para manter a vista apenas o que é aceitável pela maioria, ou por aqueles que prezamos e que nos prezam. A limpeza que nós, enquanto capitães de nossos navios, fazemos é, na maioria das vezes, apenas atirar para os cantos obscuros aquilo que não temos coragem de lidar agora, ou que de alguma forma queremos que exista lá escondido para que possamos acessar caso seja muito necessário.
     Quando deixamos de limpar adequadamente, ou quando acumulamos sujeira demais nos porões, os ratos começam a aparecer. Primeiro em pequenas quantidades com poucas necessidades, depois com maiores exigências e muito maior audácia, a ponto de chegarem a andar entre nós sem se preocuparem em serem vistos, alguns inclusive querem ser vistos para tentar ganhar uma migalha. Muitos de nós, pouco avisados, chegam a tomar esses ratos como amigos, mascotes, engraçados ou inusitados. Mal sabem que em breve pode ser tarde para impedir o que eles trazem junto.
     Mas mesmo quando toleramos a presença dos ratos, um rato só chega a ser capitão de um navio quando a sujeira tomou conta a ponto de assustar demasiadamente todos aqueles que vivem ali, inclusive aqueles que deveriam limpar. É somente quando passamos a acreditar que a sujeira se impregnou em nossa cabine que costumamos soltar as criaturas obscuras que guardamos lá no cantinho profundo de nossas vergonhas. Há cerca de 100 anos atrás a Europa experimentou a ascensão de algumas dessas criaturas produzidas em nossos porões morais, nascidos no seio da sujeira remanescente de guerras anteriores, amamentados em ódio e frustrações, educados como crianças bagunceiras as quais faziam vistas grossas os cidadãos apavorados com as condições em que viviam, tratando pequenos monstrinhos como exóticos e aceitáveis.
     As consequências de um rato no comando nunca foram saudáveis, segundo contam nossos historiadores. O que costuma a ocorrer é uma grande transformação do navio, não para que convivamos melhor e mais confortáveis, mas para que eles nunca mais precisem voltar aos porões, para que eles passem a nos ensinar a comer dejetos e viver em ódio, para que nós jamais consigamos ser mais do que simples ratos na forma de seres humanos. Quando ratos chegam ao poder ele tentar ensinar aos humanos que o certo é ser rato, embora pra eles guardem sempre o melhor queijo e o melhor leite.
     Se hoje temos um rato capitão ou um capitão rato na capitania foi porque alguém deixou tudo sujo demais, alguém fez acordos com ratos, alguém tolerou que ratos fossem cada vez mais se tornando salientes e comuns, deixaram que o exercício do poder se tornasse um fator de distinção entre seres humanos, sentiram-se intocáveis, e isto fez com que esquecessem dos ratos à sua volta, ratos não perdoam.

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Quando a descida do palanque é inviável: (Des)governos e (Des)caminhos da democracia



Daniel da Luz Machado - Bacharel em Administração de Empresas pela Faculdade São Judas Tadeu e Bacharelando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.






             Percepções ideológicas, de como cada cidadão, gostaria de ver a condução pública de sua sociedade, muitas vezes apresentarão antíteses que os candidatos a cargos eletivos durante suas campanhas utilizarão no intuito da captação de votos. Tudo bem! Isso é parte do jogo na esfera da democracia representativa.

                Candidatos a cargos públicos dos poderes legislativos e executivos procurarão adentrar e militar em espaços partidários, cujo os princípios dogmáticos contemplem sua visão de vida e pautados nesses princípios tentarão levar suas propostas e mensagens aos eleitores que se identifiquem com suas propostas. Isso tudo deveria acontecer no período pré eleitoral e após o encerramento dessa etapa, aqueles que lograram êxito em seus intentos deveriam organizar suas agendas não apenas para cumprirem o maior número de itens da suas plataformas, mas para legislarem e governarem igualmente aos demais que por outra opção não lhes conferiram o voto.

              O mandato de um cargo no legislativo ou executivo, deveria oportunizar ao cidadão eleito uma visão contemplativa do todo. Após a eleição, revanchismos e contemplação de apenas um grupo de apoiadores deveria ser inadmissível. O bom candidato eleito deve buscar o equilíbrio e coerência de suas atitudes e de forma imediata descer do palanque.

                 O Presidente Bolsonaro é provavelmente um dos estadistas (Se é que possamos qualificá-lo assim) que mais ignorou esse preceito no Brasil Republicano. Não bastasse toda sua inépcia para exercer qualquer cargo público e seu comportamento pessoal abjeto, o mesmo não desce do palanque em momento algum.

              Sua retórica inconsistente, agressiva e sem o mínimo de educação que a liturgia do cargo exige, explicita que o seu governo não é para a nação brasileira como um todo, mas apenas para seus apoiadores que nem por uma fração de segundos ousem a discordar de sua plataforma. Bolsonaro é mal educado, machista, racista, intolerante, obscurantista , violento, prevalecido das prerrogativas do seu cargo e só consegue governar para aqueles que se identificam com seu baixo nível humanístico e sua profunda inconsistência intelectual e por tudo isso cerca-se no seu ministério e demais apoiadores de pessoas semelhantemente desqualificadas que estarão em estado eterno de campanha política endossando sua estupida trajetória.

          Em tempos Bolsonaro não tem projeto de governo e por isso não descerá do palanque e nem suavizará seu discurso. Bolsonaro precisa do seu púlpito e de seus lunáticos fiéis lhe dando sustentabilidade. Caso tente descer, irá se deparar com a necessidade de governar e sobre isso ele não tem a menor ideia de como agir. Bolsonaro é como o cão que avança nas rodas do carro em movimento. Se o carro parar ele não sabe o que fazer com a roda, talvez apenas mije nela, sacuda o rabo e volte para a beira estrada esperando o próximo carro passar.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Do iate ao veleiro, do bote a remo a boia de borracha: definitivamente não estamos todos no mesmo barco...

Sérgio Pires é Licenciado em Ciências Sociais pela UFRGS, atualmente bacharelando em Ciências Sociais pela UFRGS, com ênfase em Antropologia.












Do iate ao veleiro, do bote a remo a boia de borracha: definitivamente não estamos todos no mesmo barco...

O ano de 2020 ficará marcado na história da humanidade, pois estamos vivendo uma pandemia sem precedentes na contemporaneidade, mostrando nossa imensa fragilidade enquanto seres humanos, ao passo que contamos todas as vítimas do covid-19, dos mais diversos países e etnias. Contudo, não pretendemos abordar neste texto a pandemia sob o viés biológico, mas sim sob outro aspecto, que pode ser ainda mais cruel e doloroso: o social.


Ainda que a natureza nos iguale enquanto espécie, a humanidade está sim divida, e esta pandemia, se por um lado nos mostra como somos iguais, fisiologicamente falando, por outro lado - o social - existem verdadeiros abismos entre as pessoas, alguns menores, transponíveis, outros simplesmente gigantescos, ou seja, sempre existiu o distanciamento social, só que agora ele se mostra físico, geográfico.

Nesse sentido quero abordar esse tema sob duas perspectivas: a do trabalho e a educacional, pois acredito ser nestes que se mostram de modo muito claro as imensas diferenças sociais em nosso país.

Assistindo um telejornal, logo no início do distanciamento social, duas matérias me chamaram muito a atenção: uma delas retratava um casal, classe média alta, realizando o chamado “home office”, cada um em seus laptops, em seu apartamento confortável em um bairro nobre. Suas crianças, dois meninos,  dividiam seu tempo entre vídeo games e provedores de streaming com as vídeo-aulas, bem como com a realização das tarefas enviadas por suas escolas.

O casal relatava sua experiência com essa nova realidade, de conviver diariamente com seus filhos, ajudar nas tarefas escolares, e dar conta da alimentação e das tarefas domésticas, uma vez que haviam dispensados os serviços da sua diarista em decorrência da pandemia, ainda que dispusessem de todos os serviços de delivery, o que facilitava e muito as novas rotinas familiares...

A outra matéria abordava a situação de uma diarista, que teve todas as suas faxinas canceladas em virtude da pandemia, e que estava em uma situação bem difícil, uma vez que era sozinha e precisava do trabalho para sustentar seus cinco filhos, todos alunos da rede pública de educação.

Aqui vemos duas realidades bem distintas, duas famílias tendo que lidar com os desafios provenientes da pandemia, porém, existem diferenças muito grandes entre um caso e outro, diferenças sociais gigantescas, que não foram criadas nesse período, mas sim foram escancaradas, de maneira que nunca se viu antes, mostrando os efeitos de tantos anos de injustiça social e má distribuição de renda que assola esse país desde os tempos coloniais.

Uma vez que são detectadas essas disparidades entre os estratos sociais, qual a maneira diminuir, ainda que pouco, a distância entre os estamentos? Através da criação de políticas públicas que atendam essas camadas da população...ao menos é o que se espera de todos os governos...especialmente nas políticas de distribuição de renda e acesso a educação de qualidade, pública e gratuita.

O que se tem visto durante esta pandemia no Brasil, é o retrato dessa desigualdade, que se faz visível cada vez mais, especialmente quando, ao fazermos um recorte desses dois itens, trabalho e educação, percebemos que, entre as classes mais abastadas, se mantem certo grau de “normalidade”, tanto no que se diz respeito à garantia de educação de seus filhos, uma vez que existe todo um aparato que assegura aos alunos da rede particular aulas e vídeo aulas, que por sinal são produzidas através de muito suor dos professores, que mesmo em casa perfazem jornadas de 12 horas de trabalho ou mais, para poderem dar conta de todas as atividades que a escola exige, como também da realização das atividades profissionais, através do “home office”, em atividades que comportam essa modalidade de trabalho.

Mas e quanto às camadas mais necessitadas da população? O que lhes resta? Como conseguir o dinheiro necessário para o sustento das suas famílias? E nesse caso vale lembrar o tanto de esforço que foi feito para se “flexibilizar” a CLT, praticamente acabando com o pouco de segurança que o trabalhador brasileiro ainda dispunha.

E quanto as suas crianças? As escolas da rede pública estadual têm disponibilizado atividades via internet para os alunos...ora, o leitor pode pensar: “Que ótimo! Boa iniciativa.”, e de fato é, mas e quanto aos alunos que não tem internet em suas casas? E novamente o leitor pode perguntar: “Mas e quem não tem internet em casa nos dias de hoje?”, ao que respondo: muitas pessoas não tem...inclusive não tem nem rede elétrica e água encanada...e muitas dessas crianças tem na merenda escolar sua principal refeição do dia...ou seja, o número de crianças que de fato apresentarão um bom rendimento com essas atividades via internet será bem baixo, uma vez que, além de todas as questões referentes ao acesso, precisamos levar em conta algo bem importante e que faz toda a diferença, tanto em um cenário ideal, quanto em tempos extraordinários : o capital cultural dos pais, que terão a missão de ajudar seus filhos com as tarefas, aqueles que puderem ter acesso, claro.

Para essas famílias, o espaço de convivência é bem restrito, normalmente são casas pequenas, de um ou dois cômodos, o que não possibilita um isolamento eficiente em caso de contágio de um membro da família...normalmente o espaço da rua se confunde com o espaço doméstico, o que é muito comum em comunidades carentes, o que pode colaborar para a disseminação do vírus, sem contar na disposição de água e sabão, álcool gel e máscaras, outro desafio para essa parte da população.

Diante desse quadro, muito aumenta a importância da elaboração de políticas públicas voltadas para essa camada da população. Ainda que muitas ongs estão se esforçando para ajudar, o Estado não pode de maneira alguma se abster de seu papel, e de fato trabalhar em prol daqueles que mais necessitam.

Porém, o que se tem observado no cenário político nacional, nos mostra um quadro desalentador, quase que como em uma mistura de um conto de Swift e o um roteiro B do filme “O Ditador”, retratando um monarca presunçoso e egocêntrico, que manda “cortar a cabeça” de quem se opõe a ele, mesmo que isso coloque em risco, tanto a população quanto a Segurança Nacional.

Além das ações de âmbito mais restrito aos estados feitos pelos governadores, o Congresso, ainda que com intenções duvidosas, conseguiu aumentar o auxílio para os autônomos e informais, que são muito numerosos, especialmente depois da onda de “empreendedorismo” que o país adotou. Mas ainda assim, o que observamos são filas imensas, longas esperas para a resposta nos aplicativos...interessante que o mesmo não aconteceu quando a “ajuda” destinada aos bancos foi aprovada, mesmo sendo um vultuoso valor foi concedido rapidamente...repentinamente lembrei de um ditado muito popular: quem pode mais, chora menos...

De todas as lições que poderemos aprender - ou não - com a pandemia causada pelo covid-19, acredito que a maior de todas é que não, definitivamente não estamos no mesmo barco...alguns estão em grandes transatlânticos bebendo champanhe...outros estão em luxuosos iates abrindo um vinho...mas a grande maioria de nosso povo está a deriva, quase como Rose e Jack em Titanic, segurando em um pedaço de madeira, torcendo para que algum bote de resgate chegue logo...e os que nem isso tem? Nada, nada, nada...