sábado, 5 de junho de 2021

DEPOIS DO FETICHE, NEM TUDO É OURO: UM OLHAR CRÍTICO (NADA USUAL) SOBRE O MCDONALD 'S EM ALVORADA.

                                                                                                                                                                        

     Rafael Cerva Melo Enfermeiro, secretário político do PCB Alvorada-RS

Fiquei pensando se realmente seria importante escrever um texto como esse. Não sei até agora se faz muito sentido dar mais importância que o necessário para a inauguração de uma lancheria em nossa cidade. Mas realmente a cidade parou, não só pelo congestionamento, mas também, na pobreza usual da pequenez política. Ganhou pano para a manga o ocorrido, e a falta de um olhar mais apurado me colocou em frente ao computador. Não é possível que nossa leitura seja apenas de mais uma lancheria, quando até o prefeito foi à inauguração, tão pouco que falemos somente de geração de empregos, quando inauguramos uma filial da maior rede de fast-food do mundo em Alvorada. Decepciono, portanto, quem espera uma anti-tese contra a lancheria, ou um informe sobre futuros benefícios e a geração de emprego. Acho esse bate-bola fútil. Não tem como “torcer” contra o concreto, nem são as intenções que fazem a análise prática. Até o fogo na lancheria já foi associado à torcida contrária, incrivelmente. Poderia começar o texto lembrando os efeitos deletérios que a comida ultra-processada pode causar em nossos organismos, ante as altíssimas taxas de gordura, sódio e açúcar encontradas nos alimentos vendidos no “mequi”. Ou talvez pudesse falar do impacto ambiental colossal que a produção de carne em escala industrial causa no ambiente, onde inclusive há denúncias diversas de envolvimento de redes como o McDonald ́s, na destruição da floresta amazônica para a produção de gado bovino. Ou ainda, poderia lembrar o quanto a rede Mc Donald´s é associada mundialmente com a ultra-exploração do trabalho, sendo uma das líderes mundiais em causas trabalhistas no ocidente. Mas não é isso que o “mequi” vende e nada disso, apesar de ser fácil de encontrar na internet, nos impede de comer nosso hambúrguer. Se não fosse aqui, iríamos na zona norte de Porto Alegre, no mesmo ritual. Afinal, o que o McDonald ́s vende é felicidade e é sobre isso quero tratar. Aquela sensação de sentar e comer seu lanche. Mas não é qualquer lanche, é aquele que aparece na TV. Que o rico e o pobre podem comer. Que é coisa de americano, de gente bonita, de gente elegante. Que nos dá um sentimento de bons pais, quando apesar de estar arruinando o fígado de nossos filhos, conseguimos comprar um lanche maneiro para eles. Comer no “mequi” é estar na moda, estar socialmente antenado, atualizado. Mesmo sendo muitas vezes, desvantajoso, na relação custo-benefício, queremos estar no “mequi”. Tudo isso não é lanche, é felicidade, a felicidade que o Mc Donald´s nos traz. Quando compramos um lanche no McDonald ́s, compramos mais que uma mercadoria em seu valor de produção, compramos uma passaporte de pertencimento para o mundo do consumo. Essa relação não é nova nem exclusiva do McDonald ́s. Ela na verdade está em quase todas as grandes marcas, todos produtos amplamente almejados na sociedade moderna. Mas ela nos ajuda a entender por que a inauguração de uma filial de uma lanchonete 84 anos após a sua criação, faz toda a casta política de uma cidade como a nossa parar. Por isso o debate tem tomado nossos encontros familiares e rodas de amizades. Por isso, há tanta disputa política pela autoria indireta da criatura, como em nenhuma outra inauguração de lancheria em Alvorada (talvez se inaugure uma lancheria por mês aqui). Comprar um lanche no McDonald ́s, não é como comprar um hambúrguer ou um Xis em qualquer outro lugar, pois não compramos meramente uma mercadoria, um alimento. Marx, tratou de descobrir e nomear essa relação como fetiche da mercadoria. Compramos uma mercadoria “fetichiosa”, cheia de significados que vão para além de um hambúrguer pequeno, sem muito sabor e sem cerveja. Essa relação fetichista é uma armadilha, pois é uma relação desprendida de realidade, portanto, falsa. A armadilha está posta quando definimos a inauguração de um McDonald ́s como progresso. Quantos vereadores, políticos e aspirantes vimos reproduzindo essa lógica? Qual progresso, uma lancheria a mais na cidade? São os “cerca de 60 empregos”? Até porque o fetiche tem disso, em uma crise do Capitalismo, há quem ache que os trabalhadores de Alvorada, devam ficar super agradecidos com a geração de 60 empregos de pouco mais de salário mínimo. O desemprego e a informalidade por aqui batem quase 50% da população. Mas fiquem tranquilos, nenhum filho de vereador alvoradense vai largar currículo lá. Ou quem sabe não devamos reclamar, afinal não temos asfalto, mas temos McDonald ́s. Será que é esse o progresso que nossa cidade precisa? Uma lanchonete a mais, que bom, menos uma condução para comer “mequi”. Mas chegamos em 2021 usando como parâmetro de desenvolvimento a inauguração de um Mc Donald´s. É quase como se Alvorada estivesse tão atrasada, que precisasse chegar a um primeiro degrau de desenvolvimento, subalterno, para então poder sonhar com desenvolvimento de verdade, e não pode recalamar. É esse o projeto que nossos vereadores e representantes do executivo aspiram, quando exaltam uma lancheria como progresso. Não somos a cidade da cultura, do desenvolvimento fabril ou tecnológico. Somos a cidade que parou para inaugurar o Mc Donald´s, mais uma entre tantas lancherias. Será que devemos ser aquilo que esperam de nós, um povo que se contenta com comida de baixa qualidade? O mais trágico é que tudo isso ocorre quando a fome assola e se amplia em épocas de pandemia e crise sistêmica do Capitalismo. Sei que comer um lanche não acaba com a fome no mundo, mas acreditar que o progresso vem de uma filial de uma lanchonete, nos coloca na armadilha do fetichismo, na armadilha da pequena política. Não quero deixar culpado quem come no “mequi”, tão pouco comprar uma briga com a multinacional em 3 páginas. Mas quero botar para pensar, além de ser contra ou a favor, debate que nem faz sentido. Mas para adiante de um fetiche, nosso horizonte pode ser outro? Eu quero acreditar que sim.