quarta-feira, 20 de março de 2024

Os frutos amargos quando uma educação não estimula a criticidade

 



Poeta, Contista & Cronista Social










          Integro uma parcela da população que não acredita em um país pleno e desenvolvido que não invista em uma educação forte e consistente.

          O histórico de colônia dilapidada a país “livre” transpassado por uma política monetária e científica atrelada a nações que ditavam e ainda ditam as regras do jogo internacional, o modelo ainda agroexportador, e o consumo persistente de inovações “não tão novas assim” que abastecem com “delay” as demandas tupiniquins da nossa classe média, ainda são forças atuantes e ditam uma série de nuances que nos atrelam a esse estado de desigualdade assustadora na nossa sociedade.

       A história da educação brasileira, sempre foi marcada pela luta de quem se faz resistência e tenta estimular uma educação plena, crítica, universal e atuante e que possa qualificar e acima de tudo estar à disposição de todos os cidadãos brasileiros.

        Uma educação que proponha a criticidade, sempre foi amplamente combatida por aqueles que tentam manter o establishment, afinal estar no poder necessita o conservadorismo de não mudarmos determinados paradigmas e respeitarmos a pluralidade da sociedade brasileira. Até agora esse conflito de ideias vem sendo vencido pelos setores conservadores, que já tiveram ferramentas como o golpe institucional contra a democracia que foi o regime militar que desmantelou e perseguiu grandes educadores fundamentais para uma educação libertadora e que agora se manifestam com muitos parlamentares espalhados pelo país levando adiante uma pauta que corrobora para uma educação tecnicista que só visa abastecer o mercado de trabalho.

     Mundo a fora essa massa formada distante dos elementos da criticidade, contribui diretamente para esse avanço global da extrema direita que está levando o planeta a banca rota, pois uma educação que não estimula o senso crítico, produz geralmente dois tipos de cidadãos extremamente convenientes para que as coisas não evoluam e se democratizem beneficiando a coletividade.

       Produz o indivíduo egoísta, imediatista, reprodutor da cantilena meritocrática neoliberal e conservador de costumes e um outro tipo que inocentemente contribui para mesmice que privilegia os poderosos. Esse outro cidadão é o “outsider do sistema”, aquele que se nega a dialogar, refletir, tem raiva de qualquer proposta reflexiva, acha que os caminhos da sociedade não lhe dizem respeito ignorando por total a força do coletivo, e que se entrega a falsas simetrias com uma ingenuidade assustadora.

       Obviamente dentro dos setores progressistas, devemos ter a autocrítica de que falhamos e não conseguimos conversar e atrair a reflexão desse grupo que não tem intenções ruins, mas que apenas pela falta de estímulo adotou uma postura mais inerte e defensiva, mas que na verdade prejudica a si mesmo.

     Se quisermos uma mudança de médio a longo prazo precisamos de estratégias para criarmos pontes com esse grupo que a falta de uma educação crítica colocou nesse papel de “isenção”, “apolítico” e que contribuem para que as coisas continuem como estão, ainda que não percebam.

         

         


quarta-feira, 13 de março de 2024

A dizimação programada e o lento extermínio de categorias da educação

 



Poeta, Contista & Cronista Social









               Não é desconhecido para quem procurar ler e pesquisar sobre educação nesse país, que diversas vezes as nuances tecnicistas com intuito de formação de uma mão de obra para o mercado, sem preocupar-se com a composição de uma massa com senso crítico nortearam nossos dias.

          Tivemos ao longo de nossa história enquanto nação períodos e iniciativas progressistas e de vanguarda vide as nossas Universidades Públicas e nossos Institutos Federais que geralmente reverberam qualidade e tudo isso pautados por princípios democráticos que resistem aos constantes ataques que nascem da obscuridade de alguns setores extremados e ultraconservadores. Se dependesse da vontade de alguns, o gigante Paulo Freire sequer seria lido em terras Brasilis.

          Mas lembrando a constatação de que a bagunça na educação era um projeto, como dizia outro gigante que foi Darcy Ribeiro, vejo na condução da educação pública estadual justamente esse projeto nefasto de arrebentar com tudo de uma vez.

          Ausência de recursos humanos, precariedades de instalações, salas lotadas e a crueldade de se dividir o quadro de educadores da forma mais aviltante possível.

          Vejamos: Aumentos, que são raros e muito pequenos dados aos professores da ativa, não são repassados aos inativos e aos funcionários de escola, aliás os funcionários de escola formam a categoria mais pisoteada e invisibilizada na educação, começo a suspeitar que os que comandam a máquina pública estudaram por telepatia, pois mesmo que estudassem a distância de maneira não presencial, teriam que técnicos disponibilizassem as atividades em rede e ao menos uma secretaria para atender suas demandas e talvez isso os sensibilizasse (contém ironia).

          O sindicato tenta bravamente fazer sua parte, mas em um país onde os insetos veneram o inseticida, esta cada vez mais insalubre essa luta. Os funcionários de escola já despencaram do final da fila em relação a esse Governo estadual que segue o mantra de tantos outros que só lembram das pessoas nas proximidades eleitorais.

          Não é preciso fazer uma pesquisa quantitativa para chegar a uma amostragem substancial de que muitos dos servidores de escola, se tiverem uma chance de trocar de emprego fazem na hora, tamanho o desrespeito a que estão submetidos.

          O que sobra para os educadores aposentados então? Esses deram 30 ou mais anos de suas vidas, para verem suas míseras aposentadorias definharem na velocidade da luz, e hoje não conseguem unirem seus esforços para tentativa de pressão para mudar esse absurdo quadro.

          Enfim a uberização do trabalho já amplamente enraizada em nossa sociedade começa a rumar para uma exploração sem precedentes nesse segmento de trabalho e infelizmente não consigo vislumbrar um projeto de país altivo e desenvolvido que não tenha tido atenção e respeito redobrados com a educação.


quarta-feira, 6 de março de 2024

Os paradoxos de quem deveria educar

 


Poeta, Contista & Cronista Social







          Partindo de uma das premissas do significado do verbo “educar”, que é o ato de instruir e preparar o cidadão para vida, retomo uma discussão muito pertinente e salutar em relação a este ato, que é o fato de mantermos uma educação conectada com a realidade.

          Há em nosso país uma série de temáticas estruturais que precisam ser debatidas, mesmo que alguns educadores adeptos de uma escola “sem partido” façam vistas grossas e acreditem que determinados temas envermelham as suas bandeiras dando guarida ao famigerado “comunismo”.

          Na esfera de uma escola, que deveria ser um espaço democrático, de inclusão e de trabalhar a diversidade, repetir ainda que, simbolicamente a distopia de Ray Bradbury o famoso Fahrenheit 451 não me parece ser o mais salutar e aconselhável.

          O caso da Diretora que solicitou a retirada do premiado livro “O avesso da pele” de Jeferson Tenório me suscita alguns questionamentos em relação a sua atitude como gestora escolar.

          Primeiramente, como se não bastassem as premiações da obra literária, suas traduções para outros idiomas, um livro para ser adotado como objeto de trabalho em uma escola, passa por instâncias educacionais superiores ao ponto hierárquico que a Diretora ocupa, é discutido por profissionais de notório saber sobre a adequação da obra e a faixa etária que será destinada e mesmo assim para que a escola o adote, em um determinado momento a diretora terá que assinar (de preferência lendo o que assina) e caso o seu ponto de vista pessoal em relação a obra (se é que leu) discorde da qualidade do livro, em uma discussão democrática promovida em alguma atividade que se leia o livro, poderá sugerir a leitura de algo que também ache pertinente.

          Porém depois que assinou (me parece que sem ler) tomar uma iniciativa arbitrária e deselegante em relação ao livro, pode me ensejar a pensar em racismo estrutural, mas aí já é pedir demais.

          Afinal quem costuma assinar sem ler, ainda que a burocracia do cargo seja extensa, não me parece conhecer ou querer discutir esse conceito estrutural.

          Enfim! Não estou afirmando nada, mas elucubrando diante desse paradoxo de quem deveria educar.

         


sábado, 27 de maio de 2023

A despolitização de longo prazo e o alto custo do personalismo

 


Poeta, Contista & Cronista Social.





Se tivermos a oportunidade de estabelecermos um diálogo com um número mais amplo de brasileiros sobre questões políticas, não será surpresa que vejamos uma imensa concentração de expectativas em torno de uma “pessoa”. Grosso modo, o brasileiro médio, e só para ressaltar isso não é uma crítica demeritória, tende a achar que um poder ou a figura pessoal de um determinado político será suficiente para resolver todas as demandas e mazelas da administração pública.

O costume de intensificar suas aspirações em um único viés é provavelmente um dos efeitos nefastos do esvaziamento das questões conceituais do cotidiano brasileiro. Quem de nós cresceu sem ouvir o mantra de que Política, Futebol e Religião não se discute? Esse trio de questões emblemáticas foram incessantemente defenestrada do nosso dia a dia e a quem interessa?

Política faz parte do nosso viver diário, Religião quando adentra searas públicas de decisões e influências e futebol como uma manifestação esportiva e cultural que envolve não apenas um grande mercado profissional, mas como comunica a um gigantesco número de pessoas é sim importante que se discuta com sobriedade, princípios democráticos, interesse e um certo grau de conhecimento que foi esvaziado da nossa educação, tanto nas escolas como em nossas famílias.

Não discutir essas questões é arar o solo para o plantio de narrativas estapafúrdias e muitas vezes desonestas de grupos que querem se perpetuar no poder se locupletando com a desigualdade social, é continuar votando em candidatos comprometidos apenas com seus projetos pessoais e sem nenhum respeito pela liturgia do cargo que ocupam, é achar que no esporte possamos exalar preconceitos dos mais variados, é achar que a sua religião possa ignorar a laicidade do estado que está determinada em constituição federal e acima de tudo é flertar com ideias extremistas de direita ultraconservadora e reacionária que os ventos mundiais nos oferecem.

domingo, 29 de agosto de 2021

Eu vejo o futuro repetir o passado

   



Márcia Antunes
Artista visual, arte terapeuta, educadora e artesã, bordadeira, ex-punk, reikiana, atéia, motoqueira, viciada em livros, chá e filme francês



Nos últimos dias assistimos quase que completamente incrédulos os talibãs

consolidando sua volta ao poder no Afeganistão. Nesta versão “atualizada” de tomada de

poder opressivo, soubemos mais rapidamente o que estava acontecendo graças à

tecnologia e as redes sociais. E nossa atuação efetiva nesse absurdo todo, parou por aí

mesmo. Foram inúmeras pessoas que tentaram sair de Cabul a tempo de evitar o

sofrimento iminente. Especialmente as mulheres, que já sentiram na carne (literalmente) o

peso da crueldade deste regime fundamentalista.

Apavoradas, temem sair às ruas. Justamente esta geração mais nova, que devia ter

recebido assistência que poderia ter evitado a entrega do país aos talibãs.

País esse que parece ter parado no tempo. Um país tribal, quase um “quebra-cabeças”

com tantas etnias diferentes; com decisões sociais feitas por anciãos e clãs. Escambo,

gente morando em tendas ao invés de casas; 80% não tem energia elétrica. E com avanços

muito tímidos na valorização da mulher. Muitas delas ainda usam burcas.

Item da tradição pachtum (uma etnia afegã), a burca é algo já internalizado pela cultura

misógina daquele lugar. A religião, usada como pretexto de toda opressão feita às

mulheres, conseguiu cumprir bem seu papel: muitas se sentem envergonhadas se não

cobrem seu corpo, ou ao menos, seu rosto. É a “tradição”.

Desconstruir toda esta visão que objetifica o corpo da mulher tem sido a luta árdua e

exaustiva de muitas de nós. Em nossas rotinas, temos buscado acolher para poder

modificar uma leitura rasa de tudo o que possa significar “ser mulher”.

O talibã é um extremo. Mas são vários os tons desta cartela de cores dolorosa que é o

patriarcado. Existem formas não tão óbvias de se “coisificar” a mulher. Frases

romantizadas, atitudes assistencialistas e paternais; protecionismo disfarçado de docilidade,

etc. Um número gigante de ações tão banalizadas, que quase não percebemos.

O ano é 2021; estamos em uma quarentena mortal; disputa de orçamentos de vacina

enquanto milhares morrem; a economia castiga sem pena (e mata). E ainda vemos pelas

telas dos celulares: chás de revelação de sexo, romatização de relações amorosas,

banalização da violência, descaso com políticas de atendimento básico às mulheres e uma

volta “medieval” de valores sociais.

Cabul está em sítio. Físico, psicológico e social. Seguimos nos informando para que

possamos fazer algo legítimo e concreto contra o absurdo deste regime autoritário.

Mas que tenhamos os olhos atentos ao nosso entorno mais local, para que nossa

percepção não fique dormente. E que “Gilead” esteja apenas onde sempre esteve: no

repertório ficcional.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA: desabafo de uma professora

 

Priscila Klein da Silva

Professora 

Pedagoga – Orientadora Educacional / ULBRA

Especialista em Educação de Jovens e Adultos e Educação de Privados de Liberdade / UFRGS

Mestra em Educação / PUCRS



Eu sempre soube que o sistema educacional - uma das engrenagens do modo de produção capitalista - de maneira geral não era feito para professores que apreciam escovar a história a contrapelo, como bem referiu Walter Benjamin. Organizar as aulas de modo a torná-las vivências significativas, com sentido, trazendo conhecimentos prévios e possibilitando que os educandos tenham participação ativa em todo esse processo, já não é uma proposta simples por si só, pois exige que o professor conheça o grupo de educandos com quem está atuando e escute-os. Ao mesmo tempo que requer pesquisa e/ou elaboração de propostas e atividades que de fato sejam interessantes, divertidas e que levem o educando a reflexão sobre situações cotidianas. Apesar de estar ciente das dificuldades para concretizar uma proposta de “aula” com o perfil referido, e de que, as vezes, muitos recursos para que estas vivências sejam efetivadas, e até mesmo o tempo despendido para elaborar o planejamento, ficam por minha conta, assumi os riscos e segui em frente. Porém, a pandemia de COVID-19, agravou ainda mais esse boicote. A necessidade de isolamento social escancarou uma desigualdade de acesso e permanência na educação que sempre existiram. Todavia, cada um enxerga com as lentes que possui. Ou as que se acostumou a utilizar. E o sistema educacional, neste caso, utiliza a lente do romantismo, ao destacar cases de estudantes que subiam em árvores para terem acesso à internet, ou de quem “trabalhou” para comprar seu celular e poder estudar. Frizou também as histórias de professores que passavam quase que 24 horas de seu dia trabalhando, com recursos próprios, para alcançar o máximo de alunos. A vigilância constante ao trabalho do professor, através de dinâmicas de “acompanhamento” dos planejamentos e do desenvolvimento dos alunos, se intensificaram muito. Criam-se instrumentos para pseudo mensuração de informações, burocratizando ainda mais o trabalho docente. Acrescentam-se também a demanda de atendimento aos alunos que estão presentes na escola, somadas aqueles que estão vinculados de forma remota. Não é de hoje que professor leva trabalho para casa, mas a sobrecarga atual é desumana e nos torna meros tarefeiros, cumpridores de prazos de entregas de documentos que comprovam as interações do estudante conosco, que fazemos “mal e porcamente” - e não porque achemos que manter os vínculos com os alunos não seja a prioridade, pelo contrário. Mais uma vez se percebe que o sistema educacional possui outros critérios para elencar suas prioridades, como, por exemplo, “prestar contas”, através de planilhas intermináveis, do que tem sido realizado (mesmo que no papel) nas escolas Brasil afora. É então que entra a minha inquietude. Não aquela inquietude que desacomoda, que questiona e busca alternativas; mas sim, o incômodo, o desassossego, a quase paralisia de quem já não tem encontrado brechas para tornar a escola, mais precisamente a sala de aula, um mundo de descobertas e possibilidades. Porque levar o mundo para dentro da sala de aula exige muito tempo da gente. Um tempo precioso, prazeroso, de buscas coletivas e aprendizados. Mas há mais de um ano e meio, esse tempo, que me era tão caro e que por isso adentrava meus outros tempos - de lazer, com a família, de descanso - foram ocupados por planilhas, planilhas e planilhas. E o tempo doado, que já era debitado do tempo de vida, mas que tinha sentido, afeto e amor, ou seja, que pulsava dentro de mim, para que não se perca, tomou mais um pedaço do meu tempo de vida, de sobrevida. Os professores que escovam a história a contrapelo estão respirando por aparelhos...estão sobrevivendo.

sábado, 5 de junho de 2021

DEPOIS DO FETICHE, NEM TUDO É OURO: UM OLHAR CRÍTICO (NADA USUAL) SOBRE O MCDONALD 'S EM ALVORADA.

                                                                                                                                                                        

     Rafael Cerva Melo Enfermeiro, secretário político do PCB Alvorada-RS

Fiquei pensando se realmente seria importante escrever um texto como esse. Não sei até agora se faz muito sentido dar mais importância que o necessário para a inauguração de uma lancheria em nossa cidade. Mas realmente a cidade parou, não só pelo congestionamento, mas também, na pobreza usual da pequenez política. Ganhou pano para a manga o ocorrido, e a falta de um olhar mais apurado me colocou em frente ao computador. Não é possível que nossa leitura seja apenas de mais uma lancheria, quando até o prefeito foi à inauguração, tão pouco que falemos somente de geração de empregos, quando inauguramos uma filial da maior rede de fast-food do mundo em Alvorada. Decepciono, portanto, quem espera uma anti-tese contra a lancheria, ou um informe sobre futuros benefícios e a geração de emprego. Acho esse bate-bola fútil. Não tem como “torcer” contra o concreto, nem são as intenções que fazem a análise prática. Até o fogo na lancheria já foi associado à torcida contrária, incrivelmente. Poderia começar o texto lembrando os efeitos deletérios que a comida ultra-processada pode causar em nossos organismos, ante as altíssimas taxas de gordura, sódio e açúcar encontradas nos alimentos vendidos no “mequi”. Ou talvez pudesse falar do impacto ambiental colossal que a produção de carne em escala industrial causa no ambiente, onde inclusive há denúncias diversas de envolvimento de redes como o McDonald ́s, na destruição da floresta amazônica para a produção de gado bovino. Ou ainda, poderia lembrar o quanto a rede Mc Donald´s é associada mundialmente com a ultra-exploração do trabalho, sendo uma das líderes mundiais em causas trabalhistas no ocidente. Mas não é isso que o “mequi” vende e nada disso, apesar de ser fácil de encontrar na internet, nos impede de comer nosso hambúrguer. Se não fosse aqui, iríamos na zona norte de Porto Alegre, no mesmo ritual. Afinal, o que o McDonald ́s vende é felicidade e é sobre isso quero tratar. Aquela sensação de sentar e comer seu lanche. Mas não é qualquer lanche, é aquele que aparece na TV. Que o rico e o pobre podem comer. Que é coisa de americano, de gente bonita, de gente elegante. Que nos dá um sentimento de bons pais, quando apesar de estar arruinando o fígado de nossos filhos, conseguimos comprar um lanche maneiro para eles. Comer no “mequi” é estar na moda, estar socialmente antenado, atualizado. Mesmo sendo muitas vezes, desvantajoso, na relação custo-benefício, queremos estar no “mequi”. Tudo isso não é lanche, é felicidade, a felicidade que o Mc Donald´s nos traz. Quando compramos um lanche no McDonald ́s, compramos mais que uma mercadoria em seu valor de produção, compramos uma passaporte de pertencimento para o mundo do consumo. Essa relação não é nova nem exclusiva do McDonald ́s. Ela na verdade está em quase todas as grandes marcas, todos produtos amplamente almejados na sociedade moderna. Mas ela nos ajuda a entender por que a inauguração de uma filial de uma lanchonete 84 anos após a sua criação, faz toda a casta política de uma cidade como a nossa parar. Por isso o debate tem tomado nossos encontros familiares e rodas de amizades. Por isso, há tanta disputa política pela autoria indireta da criatura, como em nenhuma outra inauguração de lancheria em Alvorada (talvez se inaugure uma lancheria por mês aqui). Comprar um lanche no McDonald ́s, não é como comprar um hambúrguer ou um Xis em qualquer outro lugar, pois não compramos meramente uma mercadoria, um alimento. Marx, tratou de descobrir e nomear essa relação como fetiche da mercadoria. Compramos uma mercadoria “fetichiosa”, cheia de significados que vão para além de um hambúrguer pequeno, sem muito sabor e sem cerveja. Essa relação fetichista é uma armadilha, pois é uma relação desprendida de realidade, portanto, falsa. A armadilha está posta quando definimos a inauguração de um McDonald ́s como progresso. Quantos vereadores, políticos e aspirantes vimos reproduzindo essa lógica? Qual progresso, uma lancheria a mais na cidade? São os “cerca de 60 empregos”? Até porque o fetiche tem disso, em uma crise do Capitalismo, há quem ache que os trabalhadores de Alvorada, devam ficar super agradecidos com a geração de 60 empregos de pouco mais de salário mínimo. O desemprego e a informalidade por aqui batem quase 50% da população. Mas fiquem tranquilos, nenhum filho de vereador alvoradense vai largar currículo lá. Ou quem sabe não devamos reclamar, afinal não temos asfalto, mas temos McDonald ́s. Será que é esse o progresso que nossa cidade precisa? Uma lanchonete a mais, que bom, menos uma condução para comer “mequi”. Mas chegamos em 2021 usando como parâmetro de desenvolvimento a inauguração de um Mc Donald´s. É quase como se Alvorada estivesse tão atrasada, que precisasse chegar a um primeiro degrau de desenvolvimento, subalterno, para então poder sonhar com desenvolvimento de verdade, e não pode recalamar. É esse o projeto que nossos vereadores e representantes do executivo aspiram, quando exaltam uma lancheria como progresso. Não somos a cidade da cultura, do desenvolvimento fabril ou tecnológico. Somos a cidade que parou para inaugurar o Mc Donald´s, mais uma entre tantas lancherias. Será que devemos ser aquilo que esperam de nós, um povo que se contenta com comida de baixa qualidade? O mais trágico é que tudo isso ocorre quando a fome assola e se amplia em épocas de pandemia e crise sistêmica do Capitalismo. Sei que comer um lanche não acaba com a fome no mundo, mas acreditar que o progresso vem de uma filial de uma lanchonete, nos coloca na armadilha do fetichismo, na armadilha da pequena política. Não quero deixar culpado quem come no “mequi”, tão pouco comprar uma briga com a multinacional em 3 páginas. Mas quero botar para pensar, além de ser contra ou a favor, debate que nem faz sentido. Mas para adiante de um fetiche, nosso horizonte pode ser outro? Eu quero acreditar que sim.