quinta-feira, 29 de julho de 2021

EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA: desabafo de uma professora

 

Priscila Klein da Silva

Professora 

Pedagoga – Orientadora Educacional / ULBRA

Especialista em Educação de Jovens e Adultos e Educação de Privados de Liberdade / UFRGS

Mestra em Educação / PUCRS



Eu sempre soube que o sistema educacional - uma das engrenagens do modo de produção capitalista - de maneira geral não era feito para professores que apreciam escovar a história a contrapelo, como bem referiu Walter Benjamin. Organizar as aulas de modo a torná-las vivências significativas, com sentido, trazendo conhecimentos prévios e possibilitando que os educandos tenham participação ativa em todo esse processo, já não é uma proposta simples por si só, pois exige que o professor conheça o grupo de educandos com quem está atuando e escute-os. Ao mesmo tempo que requer pesquisa e/ou elaboração de propostas e atividades que de fato sejam interessantes, divertidas e que levem o educando a reflexão sobre situações cotidianas. Apesar de estar ciente das dificuldades para concretizar uma proposta de “aula” com o perfil referido, e de que, as vezes, muitos recursos para que estas vivências sejam efetivadas, e até mesmo o tempo despendido para elaborar o planejamento, ficam por minha conta, assumi os riscos e segui em frente. Porém, a pandemia de COVID-19, agravou ainda mais esse boicote. A necessidade de isolamento social escancarou uma desigualdade de acesso e permanência na educação que sempre existiram. Todavia, cada um enxerga com as lentes que possui. Ou as que se acostumou a utilizar. E o sistema educacional, neste caso, utiliza a lente do romantismo, ao destacar cases de estudantes que subiam em árvores para terem acesso à internet, ou de quem “trabalhou” para comprar seu celular e poder estudar. Frizou também as histórias de professores que passavam quase que 24 horas de seu dia trabalhando, com recursos próprios, para alcançar o máximo de alunos. A vigilância constante ao trabalho do professor, através de dinâmicas de “acompanhamento” dos planejamentos e do desenvolvimento dos alunos, se intensificaram muito. Criam-se instrumentos para pseudo mensuração de informações, burocratizando ainda mais o trabalho docente. Acrescentam-se também a demanda de atendimento aos alunos que estão presentes na escola, somadas aqueles que estão vinculados de forma remota. Não é de hoje que professor leva trabalho para casa, mas a sobrecarga atual é desumana e nos torna meros tarefeiros, cumpridores de prazos de entregas de documentos que comprovam as interações do estudante conosco, que fazemos “mal e porcamente” - e não porque achemos que manter os vínculos com os alunos não seja a prioridade, pelo contrário. Mais uma vez se percebe que o sistema educacional possui outros critérios para elencar suas prioridades, como, por exemplo, “prestar contas”, através de planilhas intermináveis, do que tem sido realizado (mesmo que no papel) nas escolas Brasil afora. É então que entra a minha inquietude. Não aquela inquietude que desacomoda, que questiona e busca alternativas; mas sim, o incômodo, o desassossego, a quase paralisia de quem já não tem encontrado brechas para tornar a escola, mais precisamente a sala de aula, um mundo de descobertas e possibilidades. Porque levar o mundo para dentro da sala de aula exige muito tempo da gente. Um tempo precioso, prazeroso, de buscas coletivas e aprendizados. Mas há mais de um ano e meio, esse tempo, que me era tão caro e que por isso adentrava meus outros tempos - de lazer, com a família, de descanso - foram ocupados por planilhas, planilhas e planilhas. E o tempo doado, que já era debitado do tempo de vida, mas que tinha sentido, afeto e amor, ou seja, que pulsava dentro de mim, para que não se perca, tomou mais um pedaço do meu tempo de vida, de sobrevida. Os professores que escovam a história a contrapelo estão respirando por aparelhos...estão sobrevivendo.