domingo, 8 de abril de 2018

Brasil pandeiro: Nós queremos democracia



Paulinho dos Santos é Acadêmico de Ciências Sociais pela UFRGS e Militante de Causas Sociais.


Brasil pandeiro: Nós queremos democracia!






Em tempos idos, o compositor Assis Valente escrevera um hino que ficou eternizado nas vozes de Baby Consuelo, Moraes Moreira e Paulinho Boca de Cantor, juntamente com o restante dos músicos que formavam o grupo Novos Baianos.

Brasil, esquentai vossos pandeiros / iluminai os terreiros / que nós queremos sambar”, era o refrão cantado nessa canção, que tinha como objetivo falar bem da cultura do povo brasileiro miscigenado (ou como diz o próprio compositor, “gente bronzeada”).

A música fora escrita por volta de 1940, e é um convite a imergirmos na alegria de um povo que vivia sob o regime do Estado Novo de Getúlio Vargas e com o início da II Guerra Mundial. Além de ser também o período inicial da descriminalização do samba no Brasil1.

Embora tenha iniciado esse texto falando sobre o samba, a intenção aqui não é falar sobre esse assunto, mas sobre os constantes ataques das elites do Brasil aos setores populares de nossa sociedade e o eterno convite à insurreição: “nós queremos sambar”!

Não há porque retomar toda a historiografia da colonização do Brasil, em que índios foram mortos e escravizados para que a Coroa Portuguesa pudesse assaltar as riquezas da colônia. Em que as terras foram divididas em Capitanias e doadas pelo Rei aos seus amigos e que, após a morte dos Donatários, seriam herdadas somente por seus descendentes oficiais. Nem mesmo precisamos falar sobre todo o processo de escravização do povo negro e, depois, de sua controversa “libertação” sem o mínimo de condições de moradia, emprego, educação, saúde, etc., por parte do Estado Brasileiro.

No entanto, queremos retomar algumas questões importantes em relação a alguns pontos do período republicano do país.

Como sabido, as elites do Brasil sempre dominaram e foram contra qualquer tipo de mudança estrutural em nossa sociedade, tanto que fomos o último país no mundo a acabar com a escravidão, ainda no império, que era mola propulsora da economia da época.

Com o período republicano, o poder político passou às mãos dos comandantes do exército brasileiro num constante golpe e entregolpes. A política econômica privilegiava os imigrantes europeus aos negros. O Estado não alcançava os mais pobres.

Com a Revolução de 1930 que leva Getúlio Vargas à presidência da República algumas medidas populares foram implementadas, no entanto, a mais importante delas se deu a partir do período ditatorial do Estado Novo, ainda que para uma parcela menor da população. Vargas ao criar a CLT o fez para os trabalhadores urbanos, todavia, a maior parcela da população brasileira ainda era rural.

O direito de voto às mulheres só foi ser verdadeiramente implementado após 1945, com o fim da ditadura da Era Vargas.

Aliás, fim que se deu com muita dificuldade e tencionamento das elites, sobretudo paulistas. Getúlio foi responsável pela implementação de uma política desenvolvimentista e pela modernização do Estado Nacional. Foi duramente atacado como corrupto.

Deixou o Palácio do Catete em 1945 para retornar em 1950, “nos braços do povo”, como dizia. Nesse período, criou a Petrobras, que estabeleceu o monopólio estatal da extração de petróleo, criou o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico – BNDE, atual BNDES, etc.

Teve entre seus ferrenhos opositores o jornalista da UDN, o moralista, Carlos Lacerda que incitava o povo contra o presidente que fazia o governo “mais corrupto da história do Brasil”, segundo ele.

Getúlio Vargas fora ao extremo, em agosto de 1954 se suicidara com um tiro dentro dos seus aposentos, no Palácio. Há quem diga que esse ato atrasou o Golpe Militar em 10 anos.

Com a morte de Getúlio, Café Filho e Carlos Luz o sucederam. Café Filho ficou por cerca de 14 meses no governo até ser hospitalizado e Carlos Luz assumiu em seu lugar. Ambos enfrentaram o General Lott, pois não aceitavam a eleição de Juscelino Kubitscheck.

JK embalou outro governo nacional-desenvolvimentista e tinha como meta de governo levar o Brasil, em 5 anos, a um desenvolvimento esperado para 50. Construiu Brasília. E também foi constantemente acusado de corrupto por seus opositores, entre eles o jornalista e, agora, deputado federal Carlos Lacerda. Não teve sossego até o final do seu governo.

A eleição de Jânio Quadros, em 1960, com coligação composta pela UDN, deu certa tranquilidade àqueles que eram contrários às políticas que vinham sendo implementadas desde de Getúlio. No entanto, com a sua renúncia após 7 meses de mandato, levou o Brasil a um cenário quase que de caos.

Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul criou a famosa Campanha pela Legalidade, que tinha por objetivo garantir a posse do vice-presidente, João Goulart, do PTB de Vargas, agora como presidente do Brasil.

Os opositores de Jango resolveram travar uma insana luta contra o “comunismo”. Jango tornaria o Brasil uma nova Cuba. Tancredo Neves atuou nos bastidores tentando convencer Brizola e Jango a aceitarem o parlamentarismo e, com isso, o problema da posse seria resolvido.

Entretanto, mesmo com todos os movimentos feitos por Brizola, Jango e Tancredo, em 1964, os militares, em conjunto com uma considerável parcela da população brasileira, católicos defensores da tradição, família e propriedade contra o comunismo e os opositores do PTB, entre eles Carlos Lacerda, declararam vaga a presidência da República e passaram o governo aos militares.

Isso se deu poucos dias após o discurso de Jango na Central do Brasil em que ele defendia reformas de base para o país (reforma agrária, urbana, educacional, fiscal, eleitoral e bancária).

Fortes disputas morais aconteceram durante os governos da era populista. A oposição buscou construir um cenário de corrupção desenfreada e forte aproximação com os governos comunistas. Fora o fim dos governos com políticas populares, de economia nacional-desenvolvimentista.

Depois, o Brasil só voltaria a ter um governo nessa linha a partir da eleição de 2002. O governo Sarney fora um governo de transição para o estabelecimento da ordem democrática; Fernando Collor, buscou abrir as portas para o neoliberalismo a partir da implementação de políticas formuladas a partir do Consenso de Washington; Itamar Franco preferiu realizar um governo de conciliação; Fernando Henrique Cardoso tinha o interesse de “acabar definitivamente com a Era Vargas”, ou seja, continuar o período de neoliberalização do Brasil a partir de políticas que diminuíssem o tamanho do Estado.

Somente Lula é que irá recuperar a economia nacional, a partir do desenvolvimento com pleno emprego e distribuição de renda. Lula e Dilma serão responsáveis pela retirada de milhares de famílias da miséria, pelo abertura das portas das universidades para os mais pobres, para a garantia de um futuro próspero, sobretudo aos mais pobres.

Seus governos, com amplo diálogo com a comunidade internacional, o que levou o Brasil a construir importantes acordos econômicos internacionais, e, principalmente, com a aproximação aos países do Mercosul, o que enterrou de vez a ALCA, levaram as elites brasileiras a ter posições receosas em relação aos governos petistas.

Já o monopólio da extração do pré-sal e a construção de um Banco Mundial alternativo – BRICS – foram a gota d’água para essa elite que nunca aceitou que os mais pobres deixassem de ser pobres.

A velha tática passou a ser utilizada. Os governos do PT passaram a ser os governos mais corruptos da história do Brasil; sua aproximação com os governos de esquerda nos faria ser uma nova Venezuela (não mais Cuba); a direita católica reeditaria marchas, agora online, inclusive, contra o comunismo em defesa da tradição, família e propriedade, etc.

O enredo é o mesmo. Ataca-se um governo do qual se faz oposição, utiliza-se de determinadas instituições para fazerem a disputa moral, não se permite que os eleitos governem, prejudica-se a economia do país, e o cenário do golpe institucional está preparado.

Golpe dado!

Políticas neoliberais adotadas: reforma trabalhista, reforma da previdência, fim do monopólio da extração do pré-sal, etc.

No entanto, a liberdade de Lula a estragar todo o plano. Era preciso prendê-lo e fazer dele chacota.

Sem provas concretas do crime de Lula, foi necessário atribuir ao processo a “teoria da prova abstrata” e, com isso, condenar um réu a partir da opinião pública, contaminada por todo o processo de deturpação da imagem política dos governos petistas.

Foi a isso que o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso se referiu ao falar sobre a necessidade de utilizar o “sentimento social” para condenar Lula. Ou seja, não há provas, mas o povo grita: “crucifique-o”.

Lula preso!

O cenário e o enredo utilizados pelas elites do Brasil foram os mesmos em todos os casos, contudo, dessa vez, Lula não agiu nem como Getúlio (suicidando-se), nem como Jango (indo para o exílio). Lula encarou a elite brasileira de peito aberto e, com certeza, saiu maior do que qualquer um deles.

Só não enxerga quem não quer ver!

Por fim, retomo o que fora dito no início desse artigo, as elites nunca aceitaram que os mais pobres tivessem lugar na sociedade brasileira. Mesmo assim, Assis Valente conclamava o povo a “sambar”, fazendo do Brasil um grande “terreiro” aos olhos das elites.

Sambar, naquele período, seria quase que uma desobediência civil, um ataque direto às elites. Agora, chegou a nossa vez de sambar. Brasil pandeiro: nós queremos democracia!

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Vale lembrar que ainda na década de 1940, o samba, oriundo da cultura negra, dos ritmos africanos, era perseguido no Brasil e aqueles que fossem pegos dançando ou cantando essas músicas poderiam ser presos. Somente por volta de meados da década de 1940 o samba passa a ser descriminalizado e, até mesmo, reconhecido como símbolo nacional.