Paulinho dos Santos é Acadêmico de Ciências Sociais pela UFRGS e Militante de Causas Sociais.
Brasil
pandeiro: Nós queremos democracia!
Em
tempos idos, o compositor Assis Valente escrevera um hino que ficou
eternizado nas vozes de Baby Consuelo, Moraes Moreira e Paulinho Boca
de Cantor, juntamente com o restante dos músicos que formavam o
grupo Novos Baianos.
“Brasil,
esquentai vossos pandeiros / iluminai os terreiros / que nós
queremos sambar”, era o refrão cantado nessa canção, que tinha
como objetivo falar bem da cultura do povo brasileiro miscigenado (ou
como diz o próprio compositor, “gente bronzeada”).
A
música fora escrita por volta de 1940, e é um convite a imergirmos
na alegria de um povo que vivia sob o regime do Estado Novo de
Getúlio Vargas e com o início da II Guerra Mundial. Além de ser
também o período inicial da descriminalização do samba no
Brasil1.
Embora
tenha iniciado esse texto falando sobre o samba, a intenção aqui
não é falar sobre esse assunto, mas sobre os constantes ataques das
elites do Brasil aos setores populares de nossa sociedade e o eterno
convite à insurreição: “nós queremos sambar”!
Não
há porque retomar toda a historiografia da colonização do Brasil,
em que índios foram mortos e escravizados para que a Coroa
Portuguesa pudesse assaltar as riquezas da colônia. Em que as terras
foram divididas em Capitanias e doadas pelo Rei aos seus amigos e
que, após a morte dos Donatários, seriam herdadas somente por seus
descendentes oficiais. Nem mesmo precisamos falar sobre todo o
processo de escravização do povo negro e, depois, de sua
controversa “libertação” sem o mínimo de condições de
moradia, emprego, educação, saúde, etc., por parte do Estado
Brasileiro.
No
entanto, queremos retomar algumas questões importantes em relação
a alguns pontos do período republicano do país.
Como
sabido, as elites do Brasil sempre dominaram e foram contra qualquer
tipo de mudança estrutural em nossa sociedade, tanto que fomos o
último país no mundo a acabar com a escravidão, ainda no império,
que era mola propulsora da economia da época.
Com
o período republicano, o poder político passou às mãos dos
comandantes do exército brasileiro num constante golpe e
entregolpes. A política econômica privilegiava os imigrantes
europeus aos negros. O Estado não alcançava os mais pobres.
Com
a Revolução de 1930 que leva Getúlio Vargas à presidência da
República algumas medidas populares foram implementadas, no entanto,
a mais importante delas se deu a partir do período ditatorial do
Estado Novo, ainda que para uma parcela menor da população. Vargas
ao criar a CLT o fez para os trabalhadores urbanos, todavia, a maior
parcela da população brasileira ainda era rural.
O
direito de voto às mulheres só foi ser verdadeiramente implementado
após 1945, com o fim da ditadura da Era Vargas.
Aliás,
fim que se deu com muita dificuldade e tencionamento das elites,
sobretudo paulistas. Getúlio foi responsável pela implementação
de uma política desenvolvimentista e pela modernização do Estado
Nacional. Foi duramente atacado como corrupto.
Deixou
o Palácio do Catete em 1945 para retornar em 1950, “nos braços do
povo”, como dizia. Nesse período, criou a Petrobras, que
estabeleceu o monopólio estatal da extração de petróleo, criou o
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico – BNDE, atual BNDES,
etc.
Teve
entre seus ferrenhos opositores o jornalista da UDN, o moralista,
Carlos Lacerda que incitava o povo contra o presidente que fazia o
governo “mais corrupto da história do Brasil”, segundo ele.
Getúlio
Vargas fora ao extremo, em agosto de 1954 se suicidara com um tiro
dentro dos seus aposentos, no Palácio. Há quem diga que esse ato
atrasou o Golpe Militar em 10 anos.
Com
a morte de Getúlio, Café Filho e Carlos Luz o sucederam. Café
Filho ficou por cerca de 14 meses no governo até ser hospitalizado e
Carlos Luz assumiu em seu lugar. Ambos enfrentaram o General Lott,
pois não aceitavam a eleição de Juscelino Kubitscheck.
JK
embalou outro governo nacional-desenvolvimentista e tinha como meta
de governo levar o Brasil, em 5 anos, a um desenvolvimento esperado
para 50. Construiu Brasília. E também foi constantemente acusado de
corrupto por seus opositores, entre eles o jornalista e, agora,
deputado federal Carlos Lacerda. Não teve sossego até o final do
seu governo.
A
eleição de Jânio Quadros, em 1960, com coligação composta pela
UDN, deu certa tranquilidade àqueles que eram contrários às
políticas que vinham sendo implementadas desde de Getúlio. No
entanto, com a sua renúncia após 7 meses de mandato, levou o Brasil
a um cenário quase que de caos.
Leonel
Brizola, então governador do Rio Grande do Sul criou a famosa
Campanha pela Legalidade, que tinha por objetivo garantir a posse do
vice-presidente, João Goulart, do PTB de Vargas, agora como
presidente do Brasil.
Os
opositores de Jango resolveram travar uma insana luta contra o
“comunismo”. Jango tornaria o Brasil uma nova Cuba. Tancredo
Neves atuou nos bastidores tentando convencer Brizola e Jango a
aceitarem o parlamentarismo e, com isso, o problema da posse seria
resolvido.
Entretanto,
mesmo com todos os movimentos feitos por Brizola, Jango e Tancredo,
em 1964, os militares, em conjunto com uma considerável parcela da
população brasileira, católicos defensores da tradição, família
e propriedade contra o comunismo e os opositores do PTB, entre eles
Carlos Lacerda, declararam vaga a presidência da República e
passaram o governo aos militares.
Isso
se deu poucos dias após o discurso de Jango na Central do Brasil em
que ele defendia reformas de base para o país (reforma agrária,
urbana, educacional, fiscal, eleitoral e bancária).
Fortes
disputas morais aconteceram durante os governos da era populista. A
oposição buscou construir um cenário de corrupção desenfreada e
forte aproximação com os governos comunistas. Fora o fim dos
governos com políticas populares, de economia
nacional-desenvolvimentista.
Depois,
o Brasil só voltaria a ter um governo nessa linha a partir da
eleição de 2002. O governo Sarney fora um governo de transição
para o estabelecimento da ordem democrática; Fernando Collor, buscou
abrir as portas para o neoliberalismo a partir da implementação de
políticas formuladas a partir do Consenso de Washington; Itamar
Franco preferiu realizar um governo de conciliação; Fernando
Henrique Cardoso tinha o interesse de “acabar definitivamente com a
Era Vargas”, ou seja, continuar o período de neoliberalização do
Brasil a partir de políticas que diminuíssem o tamanho do Estado.
Somente
Lula é que irá recuperar a economia nacional, a partir do
desenvolvimento com pleno emprego e distribuição de renda. Lula e
Dilma serão responsáveis pela retirada de milhares de famílias da
miséria, pelo abertura das portas das universidades para os mais
pobres, para a garantia de um futuro próspero, sobretudo aos mais
pobres.
Seus
governos, com amplo diálogo com a comunidade internacional, o que
levou o Brasil a construir importantes acordos econômicos
internacionais, e, principalmente, com a aproximação aos países do
Mercosul, o que enterrou de vez a ALCA, levaram as elites brasileiras
a ter posições receosas em relação aos governos petistas.
Já
o monopólio da extração do pré-sal e a construção de um Banco
Mundial alternativo – BRICS – foram a gota d’água para essa
elite que nunca aceitou que os mais pobres deixassem de ser pobres.
A
velha tática passou a ser utilizada. Os governos do PT passaram a
ser os governos mais corruptos da história do Brasil; sua
aproximação com os governos de esquerda nos faria ser uma nova
Venezuela (não mais Cuba); a direita católica reeditaria marchas,
agora online, inclusive, contra o comunismo em defesa da tradição,
família e propriedade, etc.
O
enredo é o mesmo. Ataca-se um governo do qual se faz oposição,
utiliza-se de determinadas instituições para fazerem a disputa
moral, não se permite que os eleitos governem, prejudica-se a
economia do país, e o cenário do golpe institucional está
preparado.
Golpe
dado!
Políticas
neoliberais adotadas: reforma trabalhista, reforma da previdência,
fim do monopólio da extração do pré-sal, etc.
No
entanto, a liberdade de Lula a estragar todo o plano. Era preciso
prendê-lo e fazer dele chacota.
Sem
provas concretas do crime de Lula, foi necessário atribuir ao
processo a “teoria da prova abstrata” e, com isso, condenar um
réu a partir da opinião pública, contaminada por todo o processo
de deturpação da imagem política dos governos petistas.
Foi
a isso que o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto
Barroso se referiu ao falar sobre a necessidade de utilizar o
“sentimento social” para condenar Lula. Ou seja, não há provas,
mas o povo grita: “crucifique-o”.
Lula
preso!
O
cenário e o enredo utilizados pelas elites do Brasil foram os mesmos
em todos os casos, contudo, dessa vez, Lula não agiu nem como
Getúlio (suicidando-se), nem como Jango (indo para o exílio). Lula
encarou a elite brasileira de peito aberto e, com certeza, saiu maior
do que qualquer um deles.
Só
não enxerga quem não quer ver!
Por
fim, retomo o que fora dito no início desse artigo, as elites nunca
aceitaram que os mais pobres tivessem lugar na sociedade brasileira.
Mesmo assim, Assis Valente conclamava o povo a “sambar”, fazendo
do Brasil um grande “terreiro” aos olhos das elites.
Sambar,
naquele período, seria quase que uma desobediência civil, um ataque
direto às elites. Agora, chegou a nossa vez de sambar. Brasil
pandeiro: nós queremos democracia!
Vale lembrar
que ainda na década de 1940, o samba, oriundo da cultura negra, dos
ritmos africanos, era perseguido no Brasil e aqueles que fossem
pegos dançando ou cantando essas músicas poderiam ser presos.
Somente por volta de meados da década de 1940 o samba passa a ser
descriminalizado e, até mesmo, reconhecido como símbolo nacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário