Rodrigo S. Nunes
Doutor em Serviço Social pela PUCRS
Pesquisador do NEPES
Núcleo de Estudos em Políticas e Economia
Social.
Apresento
aqui para aos meus conterrâneos e para todos os demais interessados
alguns indicadores referentes ao município de Alvorada/RS.
Abarcam-se também dados mais globais e atuais destes tempos de
pandemia, mas principalmente trata-se de um estudo investigativo
sobre a Situação de Rua, realizado entre os anos de 2012 e 2013.
A
rua pode ter pelo menos dois sentidos: o de se constituir num abrigo
para os que, sem recursos, dormem circunstancialmente sob marquises
[...] ou pode constituir-se em um modo de vida, para os que já tem
na rua o seu habitat e que estabelecem com ela uma complexa rede de
relações. O que unifica esses processo é o fato de que, tendo
condições de vida extremamente precárias, circunstancialmente ou
permanentemente, utilizam a rua como abrigo ou moradia. O que
diferencia esses processos é o grau maior ou menor de inserção no
mundo da rua (Vieira; Bezerra; Rosa, 2004, p. 93-94)
Assim
a situação de rua é percebida como um processo. Este Processo de
Rualização pode ser iniciado na esfera doméstica, esfera das
relações primárias, ou seja pode iniciar dentro de casa e, por
isso, pode ser prevenido. Situações e conflitos familiares podem
ser verificados em 32,5% das motivações dos sujeitos em situação
de rua entrevistados na pesquisa censitária de Porto Alegre (2016).
São
processos que geralmente são agravados pelo problema do desemprego
que representa uma forte pressão sobre as políticas de seguro
social e de renda mínima que, diante de uma crise fiscal e da
hegemonia neoliberal, servem para justificar a redução da
universalidade e da magnitude das políticas de proteção social.
Diante disso, aumentam as desigualdades sociais e com elas o
contingente de destituídos de direitos.
Por
outro lado, nossos estudos também desvendam a fragilidade dos
municípios trabalharem com os dados. As Políticas Públicas têm a
gestão da informação como uma de suas funções. A ausência de
sistemas de informações, para o cruzamento e tratamento de todos os
dados, desencadeia no que podemos chamar de desmonte da Proteção
Social, o que hoje se acelera com a pandemia da Covid19. Agora,
independente da cientificidade dada aos dados, a realidade se mostra
mais perversa, principalmente em alguns territórios. Sem dados, num
território vivido, se nega direitos e silenciam-se violências.
Das
pessoas com mais de 15 anos em extrema pobreza, em Alvorada, 467 não
sabiam ler ou escrever, o que representava 15,7% dos extremamente
pobres nessa faixa etária (MDS, 2013, p.2). Outro exemplo de
vulnerabilidade social no município é a ocorrência de 132
homicídios no ano de 2011, sendo 85 jovens de 15 a 29 anos (MS,
2013). Na última década, os homicídios no município aumentaram
representando uma variação de 3,3% no total de homicídios por ano.
A
construção do conhecimento da realidade social brasileira para
subsidiar a política social pública precisa entender a população
e a demanda como agentes vivos, com capacidades e forças que
interagem e vivem coletivamente em um dado território como expressão
dinâmica de um espaço social (SPOSATI, 2007, p. 445).
Dando
prosseguimento aos dados do Ministério da Saúde, como mais um
exemplo de vulnerabilidade social e reiterando a necessidade de
integralidade nas ações realizadas pelo poder local, destaca-se a
infeliz marca de segundo lugar em casos de HIV/Aids, entre os
municípios brasileiros com mais de 50 mil habitantes. Alvorada tem
uma incidência de 81,8 casos por 100 mil habitantes (MS, 2013).
Importante
destacar que nossa realidade municipal é formada pela presença de
trabalhadores temporários, por tarefa e pela precarização das
relações de trabalho. O que já apontavam para a racionalização
de contratação e o aumento dos excluídos, isto é, fora do mercado
de trabalho. São dados que já apontavam como consequência a
redução da proteção sanitária e a insuficiente nutrição,
inabilitando muitas vezes a capacidade de se sair do ciclo de pobreza
para certo número de famílias, mesmo após a saída da crise
financeira pelos estados nacionais.
Outro
alarmante dado aparece na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD contínua, 2019), quando no Brasil a renda de 1% da parcela
mais rica da sociedade correspondeu a 33,7 vezes a renda da metade da
população mais pobre.
Como
num jogo, na macro realidade social, percebe-se o Mercado e o Estado
utilizando-se de mecanismos da necropolítica, ou política de
morte, quando nesta conjuntura além do descaso com o meio ambiente
das violências policiais, se aplicam políticas de teto dos gastos,
todo o tipo de precarização do trabalho, reforma da previdência,
dentre outras.
As
políticas de proteção social que surgiram com muita improvisação
hoje se apresentam com o agravante de uma pandemia que impactou a
produção e a circulação de mais da metade da população mundial.
As garantias de proteção e acolhimento deslocaram-se para a
solidariedade e voluntariado. A solidariedade, a caridade e as ações
filantrópicas muitas vezes são aproveitadas como barganha por
políticos e empresários, o que na verdade é de direito do cidadão.
Na
medida em que, por exemplo, a população em situação de rua não
tem acesso na área da saúde, as dificuldades de inclusão nas
demais áreas se tornam frustrantes e pontuais, considerando no
espaço da rua uma diversidade de situações que envolvem saúde
mental, uso abusivo de álcool e outras drogas, sofrimento psíquico,
etc.
Em
relação as perdas do período de pandemia, o Banco Mundial (2020)
convoca os governos a assumirem. É urgente a necessidade de dispor
de mais recursos para os cuidados em saúde (no Brasil 70% da pop.
depende exclusivamente do SUS), também tipos de seguros-desemprego,
transferências de renda para trabalhadores por conta própria e
assistência aos mais vulneráveis. E acesso às linhas de credito e
garantias estatais às empresas, principalmente as pequenas e médias.
O Brasil parece que vai na contramão e “joga essa conta no colo”
de empregadores, empregados e desempregados.
Em
2017, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública,
Alvorada/RS disparou no indesejado posto de cidade mais violenta do
estado do Rio Grande do Sul. Alvorada também tem o pior PIB per
capita do estado. E apenas 10,8% da população tinha ocupação
(2015). Está na 12ª posição como a cidade mais violenta do
Brasil, com 90 homicídios para cada 100 mil habitantes.
Um
desafio está no desocultamento das desproteções sociais nos
bairros e guetos da cidade, onde como única alternativa, até os
sujeitos que vivenciam a situação de rua estão sendo cooptados
para trabalhar para o tráfico de drogas, na função conhecida como
“biqueira” ou de “aviãozinho”. A necessidade de lançar na
agenda municipal prioridades em relação aos processos de rualização
e sua prevenção é inquestionável.
Na
ausência de políticas públicas, onde nem o planejamento de
lavatórios em locais estratégicos para que as pessoas que circulam
na rua pudessem lavar as mãos, e sobre as ações de solidariedade,
temos como um belo exemplo o Movimento Nacional da População em
Situação/RS, que em Porto Alegre está garantindo distribuição de
algumas cestas com alimentos e materiais de higiene. Também tem um
trabalho realizado na Amada Massa (pães especiais com farinha
orgânica que são vendidos por assinatura e colabora para a
autonomia e geração de renda das pessoas em vulnerabilidade
social), que neste período de distanciamento social está fechada
para a produção e entrega aos assinantes, mas produz e entrega
lanches para os sujeitos que estão na rua e ainda garante a renda de
seus colaboradores. Isso somado ao Jornal Boca de Rua, confeccionado
pelos próprios sujeitos que vivenciam a situação derua, que neste
período em que não se pode vendê-lo no semáforo, está on-line
(pela 1ª vez) e garantindo a renda dos colaboradores, para que não
voltem a sobreviver ou morar nas ruas.
Destaca-se
a relevância de promover mecanismos para a participação e de
protagonismo dos munícipes. Neste sentido, já temos expressos esses
avanços na nova Norma Operacional Básica do Sistema Único de
Assistência Social - NOB/SUAS, aprovada em dezembro de 2012, que
aponta estratégias para a materialidade da democracia e da
participação da população usuária. O estímulo à participação
e ao protagonismo é condição fundamental para viabilizar e
garantir direitos. Há a necessidade de intervenções fora da região
central dos municípios onde os sujeitos nem sequer tem acesso à
informação sobre seus direitos.
Considerando
que até nos EUA o desemprego em abril chegou em 14,7%, com 33
milhões de pedidos de seguro-desemprego, e no Brasil pode ser a
maior recessão da história, como proteger os cidadãos de forma
distributiva para aqueles que não tem a capacidade de consumo ou com
baixa renda per capta?
Na
medida em que não se trabalha com indicadores de efetividade
conectados com indicadores de alcance social, tão relevantes,
pode-se afirmar que não há ou está muito frágil o planejamento
das Políticas de Proteção Social. Neste sentido, os professores
Wasmália Bivar e Paulo Jannuzzi (2018), temerosos em relação aos
riscos, questionam: “Afinal, quem se lança no oceano sem uma
bússola?”
Referências
Bibliográficas
AGÊNCIA
IBGE – NOTÍCIAS. PNAD Contínua 2019: rendimento do 1% que
ganha mais equivale a 33,7 vezes o da metade da população que ganha
menos. 06/05/2020. 20 Disponível em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-
agencia-de-noticias/releases/27594-pnad-continua-2019-rendimento-do-1-que-ganhamais-equivale-a-33-7-vezes-o-da-metade-da-populacao-que-ganha-menos
Acesso
em: 02/06/2020.
BANCO
MUNDIAL. La Economía en Los Tiempos del Covid-19. Informe
Semestral de la Región de América Latina y el Caribe, Abril de
2020.
NUNES,
Rodrigo dos Santos. A relação entre sujeitos em situação de
rua e o poder local: protagonismo ou passividade? Dissertação
de mestrado. Porto Alegre. PPGSS/PUCRS, 2013.
NUNES,
Rodrigo dos Santos Nunes. O enfrentamento aos processos de
rualização: os sujeitos em situação de rua e as
possibilidades de protagonismo. 15º Congresso Brasileiro de
Assistentes Sociais. Olinda/PE. CBAS, 2016.
NUNES,
Rodrigo dos Santos Nunes. Como a População em Situação de Rua
está contemplada no processo de Vigilância Socioassistencial?
Tese de doutorado. PPGSS/PUCRS, 2019