Vivemos
uma primavera estudantil brasileira?
Meri Machado - Licenciada em História pela Universidade Luterana do Brasil, bacharelanda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Apesar do conservadorismo crescente - inclusive
entre os jovens - apesar do momento político de lamentável fragilização da
democracia brasileira em vista do processo de destituição da presidente com
questionável base jurídica; há um foco de resistência advindo tanto das escolas
públicas quanto privadas a esse pensamento reacionário aparentemente
irrefreável.
Acredito que estamos presenciando uma
“primavera dos estudantes secundaristas” no Brasil. Saliento os secundaristas
porque são predominantes nas ocupações que vêm ocorrendo desde o final de 2015
quando a Escola Estadual Diadema, no Estado de São Paulo, foi ocupada pelos
estudantes em protesto ao projeto de reorganização escolar proposto pelo
governo de Geraldo Alckmin cujo objetivo real, segundo alunos, professores e
gestores escolares; era cortar verbas para a educação com o fechamento de
escolas ao remanejar mais de um milhão de alunos, demitir professores
temporários e trabalhadores terceirizados e lotar ainda mais as salas de aula.
Além disso, a proposta não foi debatida de maneira democrática, envolvendo
todas as comunidades escolares, e sim, imposta de forma autoritária.
Desde o final de março e no decorrer do mês
de abril deste ano presenciamos a ocupação de dezenas de escolas do Estado do
Rio de Janeiro por estudantes em protesto às precárias condições físicas dos
prédios e espaços pedagógicos, superlotação das salas de aula, falta de
infra-estrutura e demissão de funcionários responsáveis pela segurança. Os
alunos que ocuparam as escolas no Rio de Janeiro atuaram também em apoio aos
seus professores que estavam em greve desde o início de março por conta do
atraso dos salários dos servidores públicos.
As escolas estaduais e escolas técnicas de
São Paulo voltaram a ser ocupadas pelos estudantes em maio deste ano: o motivo
era, além das questões já há muito pauta das reivindicações (como aumento dos
salários dos professores, protesto pelos cortes na educação, precarização e
sucateamento), o desvio da verba destinada para a compra da merenda escolar (um
escândalo de corrupção no governo Alckmin curiosamente pouco explorado pela
mídia).
Em fevereiro tivemos o mesmo processo de
ocupação nas escolas secundaristas do Estado de Goiás. Os estudantes goianos
protestavam contra a adoção de OSs (Organizações Sociais) para administração
das escolas pois essa medida representava uma sinalização para um processo
silencioso de privatização do ensino público.
Ainda em fevereiro tivemos um interessante
protesto numa escola privada de Porto Alegre (que foi muito mal interpretado
pelas mídias e influenciou negativamente a opinião pública): um movimento
protagonizado pelas alunas que ficou conhecido como “a revolta do shortinho”.
Multiplicaram-se as críticas tentando desmerecer o protesto utilizando o
argumento de que uma escola privada como o Colégio Anchieta poderia normalizar
a vestimenta das meninas e já que elas não estavam satisfeitas que buscassem
outra instituição de ensino. Mas a discussão naquele caso era muito mais profunda.
As meninas protestavam por serem contrárias ao argumento utilizado pela
sociedade patriarcal de que as mulheres são culpáveis pelo assédio que recebem
ou qualquer tipo de desrespeito ou violência quando estão vestidas de uma forma
e não de outra. Cobravam também o diálogo no estabelecimento das regras. Elas
queriam ser ouvidas.
Ainda no Rio Grande do Sul, cuja
administração estadual utiliza o argumento da crise financeira para sufocar o
funcionalismo público com a perda de direitos e parcelamento dos salários, os
professores deflagraram a greve e os estudantes (de Ensino Fundamental e Médio)
em apoio - e tendo também suas próprias reivindicações – em fins de maio já
ocupavam mais de centena de estabelecimentos. Os movimentos, assim como os que
ocorreram e ocorrem em São Paulo, por exemplo, são bastante organizados e
alavancados pelos grêmios estudantis. Os alunos mobilizados, de modo geral,
organizam cronogramas de atividades culturais e educativas, dividem tarefas,
organizam e limpam o espaço escolar e contam com o apoio de movimentos sociais
e grupos ligados a universidades.
No dia 13 de junho, um grupo de estudantes
ocupou o saguão da Assembleia Legislativa em protesto contra o PL 44/2016 (que
é interpretado como uma tentativa de privatização do ensino público) e exigindo
o posicionamento do governador a respeito do PL 190/2015 conhecido como “Escola
sem Partido”. No dia seguinte, foi divulgada a notícia do fechamento de acordo
entre algumas representações estudantis e o governo do Estado: os estudantes se
comprometeram a desocupar a AL e as escolas com a proposta de votação do PL
44/2016 ficar para 2017 após intenso diálogo com todas as partes envolvidas
(base aliada, oposição, governo, estudantes, professores). No entanto, um grupo
de estudantes não aceitou o acordo e ocupou a Secretaria da Fazenda do Rio
Grande do Sul (SEFAZ) no dia 15.
A polícia militar, numa ação com uso de força
desmedida, deteve dezenas de estudantes e efetivamente os arrastou para fora do
prédio utilizando-se ao mesmo tempo de spray de pimenta e escudos para conter
os manifestantes. Os estudantes, a maioria de adolescentes, foram levados à
força para dentro de alguns micro-ônibus sob protestos e grande confusão.
Nesse cenário, há que se analisar o crescente
processo de politização dos estudantes. É cedo ainda para que possamos
argumentar com propriedade sobre causas e efeitos desses movimentos, porém, já
podemos observar que há mudanças ou que se necessitam mudanças na forma como a
escola e o poder público lidam com as demandas estudantis. É imperativa a
necessidade do diálogo.
A escola que, na teoria, seria o palco para o
embate das ideias atua como podadora de iniciativas e muitas vezes se esquiva
de tratar temas polêmicos porém caros para que se possa formar cidadãos
críticos e atuantes na sociedade. O poder público, por sua vez, abandona os
professores, abandona a educação, abandona os jovens com a falta de políticas
adequadas destinadas aos mesmos e na falta de investimento.
Por fim, considero que há uma consciência se
formando entre os estudantes: consciência da própria força e consciência dos
seus direitos e deveres. Há uma necessidade de serem ouvidos e algo que vejo
com bastante otimismo: um senso de coletividade e colaboração. Que os
movimentos estudantis sirvam de exemplo e que sejam uma constante daqui por
diante. Há um fio de esperança.
Acho que há um fiozão! Essa gurizada está passando por um baita processo de amadurecimento político. Pena que muitos de seus professores não passem pelo mesmo.
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