Jefferson Meister Pires - Bacharel em Ciências Sociais pela UFRGS e Acadêmico de Licenciatura em Ciências Sociais pela UFRGS
O TRIUNFO INEGÁVEL DE MAQUIAVEL
Maquiavel nos trouxe a ideia de que
os fins justificam os meios, desde então a humanidade vêm se
debatendo com as discussões sobre ética e moral, sobre o que é
aceitável para atingirmos um objetivo.
Embora Maquiavel tenha escrito um
manual político, é provável que em praticamente todos os ramos da
vida humana esta máxima seja adotada como mantra, o capital e seus
capitalistas são exímios com esta fórmula, “corta-se na carne
para obter maiores lucros”, mas na carne de quem? Segundo
Maquiavel, na carne de quem não pode se opor, de quem não vai
oferecer resistência ou perigo, pois cabe lembrar que desde o tempo
de Maquiavel até os dias de hoje a política é, em última
instância, violência.
A violência assume diversas formas,
uma das mais comuns, segundo Pierre Bourdieu, é aquela naturalizada,
a simbólica, a que nos é ensinada desde os primeiros dias de vida e
só é intensificada a partir daí: escola, faculdade, trabalho... No
Brasil do século XXI, a violência assume todas as formas, porém
apenas algumas são realmente identificadas como violência, apenas
aquelas que podem destruir a vida de imediato, de cidadãos brancos
que não moram em periferias e zonas de pobreza, para o resto é
normal.
Para os brasileiros que utilizam
ônibus e trens lotados todas as manhãs isto é normal, para as mães
que precisam percorrer quilômetros para deixarem seus filhos em
creches isto é normal, para os jovens que querem beber e se divertir
tocando música em alguma praça ou esquina à noite e não podem
fazê-lo sem correr o risco de assalto ou violência policial isto é
normal, para àqueles que se revoltam e tentam protestar mostrando
aos demais cidadãos que nada disto é normal e acabam por sofrer
violenta repressão de agentes policiais, isto é normal.
Mas porque diabos eu estou falando em
violência simbólica se o assunto proposto é Maquiavel e os fins
que justificam os meios? Por que no Brasil do século XXI, para
acabar com os direitos trabalhistas tão duramente conquistados, é
preciso que os próprios atingidos por esta violência não a vejam
como violência, vejam como necessidade, como normal.
O grande público, as pessoas que
vivem nas cidades, aqueles que trabalham e os que estão
desempregados, não estão conseguindo visualizar a armadilha em que
estão caindo. A partir do momento em que a lógica do lucro se
tornou dominante, tudo o que for feito para maximizar os lucros é
visto como aceitável e normal, mesmo que seja um lucro que jamais
vai ser repartido, que jamais vai ser socializado. Muito pior do que
isto, o lucro pessoal passou a ser avidamente desejado, visto como
triunfo na “batalha” na “luta” do dia-a-dia, qualquer noção
de coletividade, de classe, é cada vez mais contestada e refutada, a
única luta que poderia ser triunfante contra a lógica do lucro, a
luta coletiva, fica restrita a pequenos grupos cada vez mais
marginais em diversos sentidos.
A
lógica do lucro é quem verdadeiramente triunfou, triunfou esta
ideia onde eficiência é correlata do lucro de capital, onde
serviço público é visto como desperdício, onde existe uma questão
dominante: para que dar de graça (ou com valor justo) se isto pode
gerar lucro? Porém, nós poderíamos estar agora mesmo formulando
dezenas de questões que levam mais ao fundo deste debate: Quando as
companhias elétricas e de água forem vendidas, quem irá lucrar com
isto? Quem irá se beneficiar de empresas e patrimônios levantados
ao longo de décadas de investimentos com recursos públicos? Existe
alguma possibilidade real de retorno social a partir da apropriação
privada dos recursos públicos?
Se o pensamento dominante é o lucro pessoal, particular, alguém saberia dizer por qual motivo aqueles que comprarem o patrimônio público com preços diminutos e subsidiados iriam devolver para a população uma grande parte do lucro obtido? Mesmo na forma de maior qualidade nos serviços e ou menor tarifa ao consumidor? São inúmeras as perguntas que deveriam ser feitas neste momento, como disse certa vez o poeta Mário Quintana, “A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas”. Mas de que adianta alguns poucos encherem páginas e páginas de perguntas quando àqueles que deveriam estar questionando a tudo e todos simplesmente não conseguem fugir daquela primeira pergunta.
Se o pensamento dominante é o lucro pessoal, particular, alguém saberia dizer por qual motivo aqueles que comprarem o patrimônio público com preços diminutos e subsidiados iriam devolver para a população uma grande parte do lucro obtido? Mesmo na forma de maior qualidade nos serviços e ou menor tarifa ao consumidor? São inúmeras as perguntas que deveriam ser feitas neste momento, como disse certa vez o poeta Mário Quintana, “A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas”. Mas de que adianta alguns poucos encherem páginas e páginas de perguntas quando àqueles que deveriam estar questionando a tudo e todos simplesmente não conseguem fugir daquela primeira pergunta.
O
futuro que imagino é de uma enormidade de pessoas nascidas para
trabalhar, produzir, quase que em tempo integral, com a ameaça
permanente de perder sua renda e, conseguintemente, sua vida. Sem a
menor noção de que é possível ousar, questionar, protestar,
coletivizar, aliás, a noção de coletividade vai estar cada vez
mais restrita às redes sociais, às relações frágeis e sem
solidez que o saudoso Bauman tanto advertiu em suas obras. Ter uma
renda vai ser o direito a ser mantido e tão somente, ter acesso à
antena da TV por assinatura vai ser cada vez mais o direito à
cultura e conhecimento, pagar a prestação será como nunca a meta
de vida e a redenção virá com a renegociação da fatura. Nada que
fuja da normalidade será visto como natural, mas, qualquer público
será aceito, héteros, gays, trans, negros, brancos, pardos, índios,
punks, yuppies, hippies, etc. desde que estejam inseridos na lógica
do consumo e do lucro individual, estar fora do sistema é que não
será natural.
O
escritor Aldous Huxley nos brindou com sua crítica á uma sociedade
onde os papéis já estavam definidos desde o nascimento, a ordem, a
classificação e a identificação são tudo, enquanto que a
criatividade e sapiência existiam para pouquíssimos. Dentro deste
espírito, afirmou que a natureza dos fins é determinada pelos meios
usados para atingi-los, pobre Huxley, certamente não estaria
disposto a jantar com os empresários brasileiros ligados à FIESP (e
outras entidades empresariais) e os representantes do atual governo
brasileiro pós-PT, enquanto do outro lado da rua um grupo de
trabalhadores apanhava da polícia por estarem exercendo seu direito
à manifestação pública ao tentarem defender seus direitos
trabalhistas.
Provavelmente Huxley não entenderia como e por que o governo PT procurou se aliar com os mesmos que o derrubariam, não entenderia como seria possível manter direitos coletivos quando o lado mais forte da corda queria derrubá-los. Mas, se pudéssemos colocar frente a frente Huxley e Maquiavel no Brasil do século XXI, é muito provável que o primeiro iria sorrir e beber um gole de seu vinho, enquanto que o segundo iria dizer em tom baixo e engasgado: “é, eu venci”...
Provavelmente Huxley não entenderia como e por que o governo PT procurou se aliar com os mesmos que o derrubariam, não entenderia como seria possível manter direitos coletivos quando o lado mais forte da corda queria derrubá-los. Mas, se pudéssemos colocar frente a frente Huxley e Maquiavel no Brasil do século XXI, é muito provável que o primeiro iria sorrir e beber um gole de seu vinho, enquanto que o segundo iria dizer em tom baixo e engasgado: “é, eu venci”...
Referências:
MAQUIAVEL,
Nicolau. O
príncipe
BOURDIEU, P. O
poder simbólico
BAUMAN,
Z. Modernidade
líquida
HUXLEY,
A. Admirável
mundo novo
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