sábado, 18 de março de 2017

O Triunfo inegável de Maquiavel



Jefferson Meister Pires  -  Bacharel em Ciências Sociais pela UFRGS e Acadêmico de Licenciatura em Ciências Sociais pela UFRGS




O TRIUNFO INEGÁVEL DE MAQUIAVEL


                      Maquiavel nos trouxe a ideia de que os fins justificam os meios, desde então a humanidade vêm se debatendo com as discussões sobre ética e moral, sobre o que é aceitável para atingirmos um objetivo.

           Embora Maquiavel tenha escrito um manual político, é provável que em praticamente todos os ramos da vida humana esta máxima seja adotada como mantra, o capital e seus capitalistas são exímios com esta fórmula, “corta-se na carne para obter maiores lucros”, mas na carne de quem? Segundo Maquiavel, na carne de quem não pode se opor, de quem não vai oferecer resistência ou perigo, pois cabe lembrar que desde o tempo de Maquiavel até os dias de hoje a política é, em última instância, violência.

               A violência assume diversas formas, uma das mais comuns, segundo Pierre Bourdieu, é aquela naturalizada, a simbólica, a que nos é ensinada desde os primeiros dias de vida e só é intensificada a partir daí: escola, faculdade, trabalho... No Brasil do século XXI, a violência assume todas as formas, porém apenas algumas são realmente identificadas como violência, apenas aquelas que podem destruir a vida de imediato, de cidadãos brancos que não moram em periferias e zonas de pobreza, para o resto é normal.

          Para os brasileiros que utilizam ônibus e trens lotados todas as manhãs isto é normal, para as mães que precisam percorrer quilômetros para deixarem seus filhos em creches isto é normal, para os jovens que querem beber e se divertir tocando música em alguma praça ou esquina à noite e não podem fazê-lo sem correr o risco de assalto ou violência policial isto é normal, para àqueles que se revoltam e tentam protestar mostrando aos demais cidadãos que nada disto é normal e acabam por sofrer violenta repressão de agentes policiais, isto é normal.

               Mas porque diabos eu estou falando em violência simbólica se o assunto proposto é Maquiavel e os fins que justificam os meios? Por que no Brasil do século XXI, para acabar com os direitos trabalhistas tão duramente conquistados, é preciso que os próprios atingidos por esta violência não a vejam como violência, vejam como necessidade, como normal.
               O grande público, as pessoas que vivem nas cidades, aqueles que trabalham e os que estão desempregados, não estão conseguindo visualizar a armadilha em que estão caindo. A partir do momento em que a lógica do lucro se tornou dominante, tudo o que for feito para maximizar os lucros é visto como aceitável e normal, mesmo que seja um lucro que jamais vai ser repartido, que jamais vai ser socializado. Muito pior do que isto, o lucro pessoal passou a ser avidamente desejado, visto como triunfo na “batalha” na “luta” do dia-a-dia, qualquer noção de coletividade, de classe, é cada vez mais contestada e refutada, a única luta que poderia ser triunfante contra a lógica do lucro, a luta coletiva, fica restrita a pequenos grupos cada vez mais marginais em diversos sentidos.

            A lógica do lucro é quem verdadeiramente triunfou, triunfou esta ideia onde eficiência é correlata do lucro de capital, onde serviço público é visto como desperdício, onde existe uma questão dominante: para que dar de graça (ou com valor justo) se isto pode gerar lucro? Porém, nós poderíamos estar agora mesmo formulando dezenas de questões que levam mais ao fundo deste debate: Quando as companhias elétricas e de água forem vendidas, quem irá lucrar com isto? Quem irá se beneficiar de empresas e patrimônios levantados ao longo de décadas de investimentos com recursos públicos? Existe alguma possibilidade real de retorno social a partir da apropriação privada dos recursos públicos?

               Se o pensamento dominante é o lucro pessoal, particular, alguém saberia dizer por qual motivo aqueles que comprarem o patrimônio público com preços diminutos e subsidiados iriam devolver para a população uma grande parte do lucro obtido? Mesmo na forma de maior qualidade nos serviços e ou menor tarifa ao consumidor? São inúmeras as perguntas que deveriam ser feitas neste momento, como disse certa vez o poeta Mário Quintana, “A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas”. Mas de que adianta alguns poucos encherem páginas e páginas de perguntas quando àqueles que deveriam estar questionando a tudo e todos simplesmente não conseguem fugir daquela primeira pergunta.

            O futuro que imagino é de uma enormidade de pessoas nascidas para trabalhar, produzir, quase que em tempo integral, com a ameaça permanente de perder sua renda e, conseguintemente, sua vida. Sem a menor noção de que é possível ousar, questionar, protestar, coletivizar, aliás, a noção de coletividade vai estar cada vez mais restrita às redes sociais, às relações frágeis e sem solidez que o saudoso Bauman tanto advertiu em suas obras. Ter uma renda vai ser o direito a ser mantido e tão somente, ter acesso à antena da TV por assinatura vai ser cada vez mais o direito à cultura e conhecimento, pagar a prestação será como nunca a meta de vida e a redenção virá com a renegociação da fatura. Nada que fuja da normalidade será visto como natural, mas, qualquer público será aceito, héteros, gays, trans, negros, brancos, pardos, índios, punks, yuppies, hippies, etc. desde que estejam inseridos na lógica do consumo e do lucro individual, estar fora do sistema é que não será natural.

          O escritor Aldous Huxley nos brindou com sua crítica á uma sociedade onde os papéis já estavam definidos desde o nascimento, a ordem, a classificação e a identificação são tudo, enquanto que a criatividade e sapiência existiam para pouquíssimos. Dentro deste espírito, afirmou que a natureza dos fins é determinada pelos meios usados para atingi-los, pobre Huxley, certamente não estaria disposto a jantar com os empresários brasileiros ligados à FIESP (e outras entidades empresariais) e os representantes do atual governo brasileiro pós-PT, enquanto do outro lado da rua um grupo de trabalhadores apanhava da polícia por estarem exercendo seu direito à manifestação pública ao tentarem defender seus direitos trabalhistas. 

          Provavelmente Huxley não entenderia como e por que o governo PT procurou se aliar com os mesmos que o derrubariam, não entenderia como seria possível manter direitos coletivos quando o lado mais forte da corda queria derrubá-los. Mas, se pudéssemos colocar frente a frente Huxley e Maquiavel no Brasil do século XXI, é muito provável que o primeiro iria sorrir e beber um gole de seu vinho, enquanto que o segundo iria dizer em tom baixo e engasgado: “é, eu venci”...

Referências:

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe
BOURDIEU, P. O poder simbólico
BAUMAN, Z. Modernidade líquida
HUXLEY, A. Admirável mundo novo

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