sexta-feira, 2 de março de 2018

Ele não está a caminho, ele já está aqui




Jefferson Meister Pires é Bacharel em Ciências Sociais pela UFRGS e licenciando em Ciências Sociais pela UFRGS





Ele não está a caminho, ele já está aqui


                Lembro do período de junho de 2013, quando eclodiram aquelas manifestações de rua por todo o Brasil, que no início seriam pelo aumento do valor em passagens de ônibus, mas depois se mostraram como um repúdio ao nosso sistema político e à própria politização. Trago este episódio para ilustrar este pequeno texto com uma frase dita dentro de sala de aula durante aquele momento: “Gente, estou assustada, porque eu sei o que vêm depois disso”. A pessoa que profetizou não poderia estar mais certa, nós sabíamos o que ou quem estava a caminho, os sinais estavam todos ali:

           Quando a grande mídia mudou seu foco e tratou de não mais atacar apenas determinados personagens políticos e passou a bombardear diariamente quase a totalidade da classe política e a própria atividade política. Quando ações penais foram nomeadas pela mesma grande mídia e seus julgadores receberam status de estrelas da música pop, não mais sendo tratados como funcionários públicos em serviço. Quando operações de investigação do Ministério Público e da Polícia Federal receberam nomes pomposos, alguns jocosos, parecendo estarem mais voltadas para a mídia do que para a justiça. 

           Quando essas mesmas operações de investigação abusaram de práticas ilegais referendadas por juízes que deveriam guardar as leis e não quebrá-las. Quando o direito de ir e vir, de se manifestar livremente é reiteradamente ignorado por autoridades policiais e judiciárias. Quando repórteres a trabalho são impedidos de filmar e fotografar funcionários públicos em sua atuação, alguns sendo detidos por registrar a atuação de policiais. Quando pessoas são perseguidas por postarem críticas à atuação de policiais em redes sociais. Quando uma intervenção das forças armadas é inventada como solução para o sucateamento do Estado e utilizada para manter povão no lugar de povão. Por estes e outros motivos não tenho dúvidas em afirmar que ele não está a caminho, ele já está aqui, e seu nome é “Estado de Exceção”.

             O esforço que muitos fazem para manter um ar de normalidade no estado de direito democrático é gritante, buscam conceitos e explicações baseadas nas mais ridículas distorções e divagações, ignorando os fatos elencados acima ou simplesmente desqualificando e minimizando as situações que atestam a chegada do estado de exceção. Preferem esconder que em 1964 o golpe foi apoiado por grande parte da população, mas mesmo assim continuou golpe. Preferem omitir que em 1964 e após, continuaram havendo eleições, mas mesmo assim foi golpe. Os defensores da quebra das regras constitucionais sempre o fazem querendo parecer constitucional, e logo após tornam constitucional, assim foi no terceiro Reich, assim foi em 1964 e em tantos outros momentos, a quebra da legalidade só é válida quando imposta pela força, senão é crime.

              Em 64 ele veio montado em tanques e canhões, em 2016 ele chegou carregado nos ombros por homens vestidos em ternos e togas, foi exaltado em um espetáculo dominical digno das mais concorridas tardes no coliseu romano e vestido em uma suntuosa toga. Aqueles que fazem as leis e aqueles que guardam as leis foram os primeiros a rasgá-las, transformam as leis no andar dos acontecimentos, aplicam as normas conforme a situação e a vontade de quem os orienta, esqueceram-se pobres coitados de que qualquer lei, qualquer código, qualquer forma de se organizar em comunidade só existe pela comunidade, só existe porque os homens e mulheres que vivem no mesmo tempo e espaço decidem soberanamente sobre suas vidas, ou assim deveria ser. Todo o artigo primeiro da nossa Constituição foi queimado, porém o parágrafo único foi apagado da história: Art. 1º Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

                Em nosso país no ano de 2018, já não se consulta mais a população nem sobre a venda de seu patrimônio, imagine se seria consultada sobre a invasão de suas casas, sobre o direito de ir, vir e se manifestar?

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