sábado, 23 de julho de 2016

“Escola sem Partido”: é pelo conteúdo e não pela Educação.

“Escola sem Partido”: é pelo conteúdo e não pela Educação. 


Bruno Saldanha - Bacharelando em Ciências Sociais pela UFRGS E bolsista em Políticas da Educação Básica pela UFRGS.

Ninguém quer ver as escolas funcionando como diretórios partidários. Tampouco as pessoas querem escolas hasteando bandeiras de partidos. Isso é consenso, acredito. É justamente por esse motivo que o nome “Escola Sem Partido” é tendencioso (fácil “de pegar”) e busca, com isso, ludibriar e ganhar o apoio da população. Acontece que o PL 867 de 2015 proíbe práticas de doutrinação política e ideológica em salas de aula, sem esclarecer o que seriam tais práticas. No entanto, é possível perceber o que realmente este projeto de lei pretende, ao fazermos uma breve análise sobre quem são os seus grandes apoiadores: pessoas ligadas ao PSDB, PP, PMDB, DEM e toda essa turma que bem conhecemos.

O tal “Escola Sem Partido”, que prefiro chamar de “Lei da Mordaça nas Escolas”, prevê que a educação nacional terá como princípio, além de outros, o “direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções”.  Isso viola o princípio posto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de que o ensino será ministrado com base no pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas e no respeito à liberdade e apreço à tolerância. Na justificativa do PL, fica muito claro o teor conservador – religioso – quando afirma que os livros didáticos e os professores praticam doutrinação, especialmente moral sexual. E logo afirma que a moral é, em regra, inseparável da religião. Mas aí encontramos a primeira contradição: se a convicção da família está de acordo com todas as formas de amor, inclusive esta família possa ter um jovem filho homossexual que freqüente uma escola, a educação escolar deve ser ministrada em consonância com a concepção desta família? Me parece que não é isso que o projeto estabelece. Ao contrário...

Afirmam que o ambiente de doutrinação gera bullying político e ideológico, resultando em agressão física aos alunos que assumem uma postura diferente daquela dominante. Ao mesmo tempo, os defensores da Lei da Mordaça não querem escolas abordando as questões de gênero. Esquecem (na verdade ignoram) que a maior parte do bullying e das agressões físicas aos alunos são sofridas justamente por questões de desrespeito à liberdade, às identidades de gênero, enfim, à diversidade.

Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, os professores devem apresentar as principais versões e perspectivas a respeito. As principais versões são aquelas já manjadas: o Brasil foi descoberto; o patrão ajuda o empregado ao lhe garantir um emprego; família é um homem, uma mulher e os filhos (comendo pão quentinho com margarina); o capitalismo oferece “grandes possibilidades”; o comunismo representa um grande risco; e por aí vai. E se o professor disser o contrário disso (podendo contrariar a moral da família)? É doutrinação política e ideológica? Punição nele! Inclusive, no site do projeto “Escola Sem Partido” está disponível um link com o nome “Flagrando o Doutrinador” para que a população possa denunciar estes professores! E para ajudar a população, está disponível uma cartilha com todas as dicas e um texto base para que seja escrita a denúncia. Não bastasse isso, deverão ser afixados cartazes nos espaços escolares, onde possam ser lidos pelos estudantes e professores.

Fica evidente que o principal objetivo deste projeto é acabar com a gestão democrática, com a liberdade, com a autonomia e com o pensamento crítico nas escolas, princípios fundamentais para a redução das desigualdades e para a democracia. Na verdade busca manter a escola como um espaço de reprodução dos princípios e valores dominantes, uma escola que não respeita e, menos ainda, empodera os estudantes. Em resumo, é um projeto que não se interessa pela péssima remuneração dos professores, pelas precárias condições estruturais das escolas, tampouco importa perceber que a Escola é do século XIX, os professores do século XX e os alunos do século XXI. O que está em jogo não é a Educação, mas o conteúdo que as escolas podem abordar.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Corpos abjetos no âmbito escolar: a hegemonia do discurso heteronormativo na abordagem de Gênero na escola.

Corpos abjetos no âmbito escolar: a hegemonia do discurso heteronormativo na abordagem de Gênero na escola.
                                                         Sérgio Pires - Licenciado em Ciências Sociais pela UFRGS; Bacharelando em Ciências Sociais com ênfase em Antropologia pela UFRGS.

“ Olha só meu corpo aqui, eu existo sim... ”, este é um trecho da conversa que tivemos com Maria Clara, durante o almoço no dia de sua chegada a Porto Alegre, para a sua palestra na Aula Aberta “Por uma Antropologia Trans: descolonização das identidades abjetas”, na qual tivemos a oportunidade de trabalhar em sua organização.

            Durante a aula, ouvimos professores do departamento de Antropologia falando sobre o tema, e especialmente a fala da Maria Clara, que nos trouxe um panorama dos principais desafios e dificuldades vividos por homens e mulheres transgênero. Importante destacar a participação do público presente, formado por acadêmicos, não só da UFRGS, mas também por interessados pele temática. Destaco principalmente a participação de uma mulher trans que disse que a fala da Maria Clara lhe trouxe mais esperança para seus dias, o que evidenciou o quanto essa parte da população sofre com o preconceito e a intolerância.

            Impossível, enquanto educador, não fazer uma reflexão, a partir desses relatos, se a escola como um todo e de modo específico a minha escola está pronta para quebrar paradigmas tradicionais, deixando de reproduzir o binarismo nas abordagens de gênero e ampliar o debate abordando sobre homossexualismo, bissexualismo, transsexualismo e transgênero.

            Partindo dessa inquietação, e do fato de termos entre nossos alunos um aluno transgênero, busquei informações referentes, tanto sobre as propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais, quanto sobre o que os colegas pensam a respeito dessa temática e como a trabalham com suas turmas, assim como, para a produção desse artigo, busquei autores que possuem trabalhos relativos a questão de Gênero e Sexualidade.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a abordagem de gênero e sexualidade.

            O principal objetivo dos Parâmetros Curriculares Nacionais é servir como um meio de auxílio na execução do trabalho docente, um instrumento de apoio para as discussões pedagógicas na escola, na elaboração de projetos educativos, no planejamento das aulas, na reflexão sobre a prática educativa, através da sugestão de temas norteadores e transversais, cabendo ao professor também fazer uso de outros materiais didáticos, além dos livros disponibilizados pelo MEC, na elaboração de suas aulas.

            O capítulo que aborda Gênero e Sexualidade, tem como título “Orientação Sexual”, e tem como objetivo promover reflexões e discussões de técnicos, professores, equipes pedagógicas, bem como pais e responsáveis, com a finalidade de sistematizar a ação pedagógica no desenvolvimento dos alunos, levando em conta os princípios morais de cada um dos envolvidos e respeitando, também, os Direitos Humanos, considerando a sexualidade como algo inerente à vida e à saúde, que se expressa desde cedo no ser humano, e engloba o papel social do homem e da mulher, o respeito por si e pelo outro, as discriminações e os estereótipos atribuídos e vivenciados em seus relacionamentos, a contaminação por AIDS e da gravidez indesejada na adolescência, entre outros, que são problemas atuais e preocupantes.

            O capítulo também cita o papel da família nesse processo, que é o primeiro espaço onde a temática é abordada, com a finalidade de transmitir os valores que cada família adota como seus e espera que as crianças os tomem para si. Dessa maneira, a escola deve abordar os mais diversos pontos de vista sobre o tema, bem como valores e crenças existentes da sociedade, através da problematização, do levantamento de questionamentos e de oferecer um amplo leque de conhecimentos e opções para ajudar o aluno a encontrar um ponto de auto referência por meio da reflexão, logo, o trabalho exercido pela escola, não tem como objetivo competir com o que se aprende com a família, mas sim, tem um papel complementar.

            Outra questão abordada é a postura do educador referente a abordagem de gênero, que deve reconhecer como legítimo e lícito, por parte das crianças e jovens, a busca do prazer e as curiosidades manifestas acerca da sexualidade, uma vez que fazem parte de seu processo de desenvolvimento, e ao atuar como o profissional que compete conduzir o processo de reflexão que possibilitará ao aluno autonomia para eleger seus valores, tomar posições  e ampliar seu universo de conhecimentos, o professor deve ter discernimento para não transmitir seus valores, crenças e opiniões como sendo verdade absolutas, não se pode exigir do professor isenção absoluta no tratamento das questões relativas a sexualidade, mas a consciência sobre quais são os valores, crenças, opiniões e sentimentos que cultiva em relação à sexualidade é um elemento importante para que desenvolva uma postura ética na sua atuação junto dos alunos. O trabalho coletivo entre professores, supervisão e orientação escolar, ajudará nesse processo.

            Neste capítulo há também os objetivos gerais de orientação sexual para a educação básica:
·         Respeitar a diversidade de valores, crenças e comportamentos existentes e relativos à sexualidade, desde que seja garantida a dignidade do ser humano;
·         Compreender a busca do prazer como uma dimensão saudável da sexualidade humana;
·         Conhecer como determinações culturais as características socialmente atribuídas ao masculino e ao feminino, posicionando-se contra discriminações a eles associadas;
·         Identificar e expressar seus sentimentos e desejos, respeitando os sentimentos e desejos do outro;
·         Proteger-se de relacionamentos sexuais coercitivos e exploradores;
·         Reconhecer o consentimento mútuo como necessário para usufruir de prazer numa relação a dois;
·         Conhecer e adotar práticas de sexo seguro, ao iniciar relacionamento sexual;
·         Desenvolver consciência crítica e tomar decisões responsáveis a respeito de sua sexualidade;
·         Procurar orientação para a adoção de métodos contraceptivos.

·         A diversidade de comportamento de homens de mulheres em função da época e do local onde vivem;

·         A relatividade das concepções tradicionalmente associadas ao masculino e ao feminino;

·         O respeito pelo outro sexo, na figura das pessoas com as quais se convive;

·         O respeito às muitas e variadas expressões do feminino e do masculino;


Conversando com educadores sobre a abordagem de gênero e sexualidade na escola.
            Tendo em vista construir um panorama de como os educadores da escola percebem, interpretam e trabalham questões referentes a abordagem de gênero e sexualidade na escola, e, apesar de este artigo não estar propriamente abordando o estudo de caso de nosso aluno transgênero, mas abordando a postura do educador junto a esse aluno, propus uma conversa com alguns professores, onde eles puderam responder as minhas indagações, assim como também entrevistei a supervisora pedagógica. A seguir as questões e respostas dos colegas (os nomes foram abreviados):

a)    A abordagem sobre as questões de gênero e sexualidade faz parte dos PCN’s. Como você aborda essa temática em sala de aula? Quais recursos você utiliza para fins de complementação de sua abordagem?

Professora E: Na verdade, o tema ainda é pouco abordado em sala de aula, principalmente com alunos menores, que são minha área de atuação (Fundamental II – 6º ao 9º ano). Mas conversamos sobre o assunto e trabalho com textos em Português, Ciências e Ensino Religioso. No ano de 2012 tive um aluno que vivia com a mãe e sua companheira, então, quando fomos trabalhar a questão familiar surgiu o momento em que tratamos do assunto e o colega expôs sua vivência sem constrangimento. Trabalhamos os valores, o diferente e o conhecimento do próprio corpo, onde abordamos a questão dos gêneros (muito sutilmente).

Professora M: As questões que envolvem gênero e orientação sexual, geralmente, causam polêmicas e desconfortos quando tratados com alunos. Da mesma forma em qualquer grupo social. Abordando pelo aspecto cultural, assuntos polêmicos não são debatidos e a não realização desse ato se dá ao respeito quanto a opinião, normalmente está encontra-se embasada em valores familiares e bagagem de vida. Por isso, não há um planejamento dentro do currículo escolar que permite a abertura para assuntos condizentes a este tema. Assim, sempre que, levantada esta questão, a mesma é tratada de modo informal abrindo espaços para diversas opiniões sem chegar a um ponto comum, visto que não há formação contínua para professores. Se há profissionais capacitados são em número raro e desconhecido.

Professora L: Costumo abordar nas aulas de Ed. Física com os 8º e 9º anos e no ensino médio nas aulas de Ensino Religioso. Através de debates, perguntas e curiosidades partindo dos próprios alunos. Utilizo um material que possuo de um curso de formação de professores chamado “Ficando a par”.

Professor O: Não há um planejamento e nem um tempo reservado para o estudo e abordagem dessa questão. Quando isso ocorre é de forma improvisada, se dá a partir de uma ideia, situação cotidiana, cena de filme, etc.

b)    A abordagem dos PCN’s relativas a sexualidade demonstra um binarismo em seu discurso, ou seja, referem-se a pai/mãe, homem/mulher, bem como suas funções sociais pré-definidas, tendo como fator de diferenciação apenas questões referentes a cultura. No espaço escolar, você acha que devemos abordar questões relativas a homossexualismo, bissexualismo, transexuais e transgênero? Justifique.

Professora E: Acho que sim, mesmo porque, as famílias de hoje convivem com as questões do homossexualismo, bissexualismo, etc. A formação das famílias estão mudando daquele perfil tradicional.

Professora M: Na abordagem relativa a sexualidade é usada os termos homem/mulher caracterizando um modelo familiar tradicional antigo e ultrapassado. Nas novas concepções familiares caracterizam um grupo de pessoas que compartilham a mesma moradia onde prevalecem o amor, o carinho, o respeito e a cumplicidade. No que diz respeito ao “grupo de pessoas” não está definido sexo e nem orientação sexual. As questões que envolvem gênero, orientação sexual, novas concepções de família devem ser debatidos em sala de aula, informalmente ou formalmente, sempre tendo o cuidado para o não uso do caráter tendencioso. Jamais usar opinião pessoal como verdade absoluta.

Professora L: Não só acho como é fundamental nos dias de hoje orientá-los, pois as políticas LGBT’s estão no cotidiano de todos.

Professor O: Sim, devemos abordar questões sobre homossexualismo já que a escola é um espaço democrático e direito de todos os jovens ou adultos que frequentam a escola.

c)    Considerando que você tenha entre seus alunos um (a) aluno (a) transgênero, masculino ou feminino, e que este (a) aluno (a) requisitasse ser chamado por seu nome social, qual seria sua postura como docente? Justifique.

Professora E: Não tive nenhum aluno transgênero (só o caso dos pais), não sei como reagiria a esta situação, mas acho que nos trabalhos, provas e documentos do aluno solicitaria seu nome de registro, porém, em sala de aula, no convívio social com colegas, poderíamos manter o nome de sua preferência.

Professora M: A postura do docente não pode ser diferente do decreto nº. 8727 de 28 de abril de 2016, que ampara toda a pessoa no que diz respeito ao uso do nome social e ao isso de todos os serviços condizentes ao seu gênero em todo o território nacional, sem mais.

Professora L: Esta situação, ao meu ver, é superdelicada, pois esta é a vontade dele e acredito que devemos respeitá-la, mas existem também questões que nós professores devemos tomar cuidado, como a aceitação da família e dos colegas, para não colocarmos este aluno em exposição negativa.

Professor O: Respeito a individualidade do aluno que antes era aluna, mesmo pensando que a troca de nome, por exemplo, seja desnecessária. Isso ocorre em nossa escola.

Supervisão Escolar, Legislação e Garantia dos direitos

            Para além da sala de aula, existem questões de ordem prática, relativas ao funcionamento da escola, que ainda não estão adaptados para atender o que já está garantido por lei para alunos transgêneros. Uma dessas questões se refere a parte burocrática, de documentação dos alunos. Segundo o Decreto 8727, de 28 de abril de 2016, que dispõe sobre o uso do nome social e reconhecimento de identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais. No seu artigo 4º, prevê que constará nos documentos oficiais o nome social da pessoa travesti ou transexual, se requerido expressamente pelo interessado, acompanhado do nome civil.

            Na secretaria da escola, os colegas informaram que nos documentos oficiais da escola, assim como nos programas oficiais de banco de dados do Governo do Estado, não há espaço para nome social, inclusive não há também nos cadernos de chamada, e todos os documentos, certidões, atestados fornecidos pela secretaria são feitos com o nome de registro do aluno.

            Em uma ocasião, tive a oportunidade de ouvir colegas professores comentando sobre nosso aluno transgênero e de sua solicitação de passar a usar o banheiro dos meninos, uma vez que, por ser menino, não se sente à vontade em usar o banheiro das meninas.

            Nesse sentido procurei nossa supervisora, professora “MC”, e lhe expus essa situação, mencionando a Resolução Nº 12, de 16 de janeiro de 2015, que em seu Artigo 6º fala que deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito. Como resposta, a supervisora perguntou-me se a escola terá que construir banheiros especiais para esses alunos, e que este artigo por ser interpretado de muitas maneiras diferentes. Alegou também que não tem nada contra a “opção sexual” de quem quer que seja, contudo, devemos levar em conta a opinião da comunidade escolar sobre esse assunto, que deveria ser debatido com as famílias antes de qualquer decisão. E ao final de sua fala, deu sua opinião como mãe, afirmando que não gostaria de ver seus filhos dividindo um espaço como o banheiro com alunos “transgênicos”, que segundo sua interpretação, são pessoas que não se identificam com nenhum dos sexos.

            Mesmo que este relato seja da supervisora, essa opinião reflete o pensamento da maioria dos professores e professoras da escola.

Corpos abjetos na escola: construção de identidades versus a reprodução de paradigmas.
            O debate sobre a escola e suas finalidades está sempre em voga nas Ciências Sociais, muito já foi escrito e muito mais ainda será. Se rebuscarmos um dos pais da Sociologia, Emile Durkheim, podemos dizer que a função primordial da escola é ensinar aos atores sociais seu papel na sociedade; em uma leitura mais simples, podemos também citar que a escola é o lugar onde os “velhos” ensinam como os mais jovens devem viver. Outro grande nome da Sociologia Contemporânea, talvez um dos maiores sociólogos de todos os tempos, Pierre Bourdieu nos disse que é na escola que a sociedade reproduz o status quo vigente.
            Contudo, quando falamos sobre educação e sexualidade, Guacira Lopes Louro nos diz que a sexualidade está na escola, faz parte dos sujeitos, ela não é algo que possa ser desligado ou algo do qual alguém possa se despir.

            Segundo a autora, enquanto educadores, devemos desconfiar do que é tomado como natural, como práticas rotineiras, em um sistema escolar onde alunos que agem “fora do naturalmente aceito”, são motivos de preocupação, apresentam desvios de comportamento.

            Nesse sentido, faz-se necessário uma grande reflexão sobre a própria prática docente e sobre o uso da linguagem, ou seja, termos ou expressões que possam denotar ou insinuar racismo, sexismo, etnocentrismo, uma vez que não podemos avaliar qual o sentido que os alunos darão ao que ensinamos a eles. Essa preocupação da autora com a linguagem se justifica porque a linguagem perpassa, atravessa os alunos, expressando relações, poderes, lugares, produzindo, instituindo e fixando tipologias.

            Na tentativa de desconstruir paradigmas como o binarismo, é necessário que desenvolvamos um olhar bem mais atento, uma vez que a problematização que não fica limitada no binarismo torna-se muito mais ampla e oferece múltiplas combinações. Para tanto, exige-se uma pesquisa mais apurada, lançando mão de pesquisas mais recentes, tendo em vista que o livro didático ainda possui um modelo heteronormativo.

E esse fato não é gratuito, uma vez que a ocultação ou negação da inclusão nas abordagens de gênero os gays, lésbicas, travestis, transexuais e transgênero, pode revelar uma intenção de eliminar ou evitar que esses conteúdos sejam abordados em sala de aula tendo em vista manter a garantia da normalidade, ou seja, da heteronormatividade.

Em relação ao normativo, podemos citar Strathern, que em seu texto “Necessidade de Pai, necessidade de mãe”, fala que quando algo foge do normativo, o choque, ou melhor, o conflito causado é muito grande, e esse conflito percebemos no âmbito escolar quando alunos ou alunas saem do normativo no que se refere a gênero, e, citando Joan Scott, dessa maneira não se enquadram nessa construção inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos homens e mulheres. Scott nos diz ainda que gênero é uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado.

Nesse sentido, também podemos citar Judith Butler, que nos diz que a heteronormatividade é uma eleição arbitrária da heterossexualidade como norma de conduta, de desejos, de afetos, enquanto que o sujeito é um sujeito em processo, constituído no discurso pelos atos que executa, ou seja, para Butler o gênero não é algo que se é, mas algo que se faz, logo gênero é social, enquanto que o sexo é natural.
             
Conclusão

            Todo jovem educador, no início de sua carreira, se depara com um grande desafio: quebrar antigos paradigmas da profissão. Velhos modelos e fórmulas não condizentes com a atualidade ainda estão no dia a dia do mundo escolar. E não se trata obviamente de idade dos docentes, pois felizmente há professores que já estão no final de suas carreiras e possuem uma energia vibrante, conectados com a modernidade e os avanços da prática docente. A reflexão sobre a prática, sem dúvida, é o grande instrumento para que o educador possa avaliar o quanto sua atuação está ou não atravessando seus alunos, que por sua vez não tem apenas a escola como meio de alcançar o conhecimento. Nesse sentido, cabe ao professor, consciente de que não detém a hegemonia do conhecimento, continuar estudando, se aprimorando para dar conta dessas novas demandas.

            Nestas novas demandas, podemos incluir os mais recentes debates e discussões sobre gênero e sexualidade, e das inúmeras possibilidades de abordagens referentes a estes assuntos. Muito mais do que estar bem preparado para ministrar as aulas com segurança sobre determinados temas, o refinamento do professor também compreende o desenvolvimento de uma compreensão acerca do que está tratando, é necessário que apreenda para poder ensinar. No que se refere a gênero e sexualidade, é necessário que, para poder efetivamente quebrar velhos paradigmas e não reproduzir o status quo vigente, é fundamental que o professor possa se livrar dessas amarras, para que uma vez liberto de preconceitos, possa efetivamente ensinar com propriedade, ou seja, muito mais do que uma boa didática, mas com um viés mais humano, mais próximo do aluno, que poderá compreender e apreender muito melhor do que a mera retórica.

            A escola ainda está engatinhando no que diz respeito a temática desse artigo, muito pela falta de vontade de aprender dos professores, que ficam focados apenas em transmitir o que os livros didáticos indicam, sem a menos saber quem são seus alunos e a realidade da comunidade na qual a escola está inserida, como nos ensinou Karl Manheim.

            Quando se fala em identidade abjetas, infelizmente, o discurso presente nas falas da maioria dos professores ainda é de intervenção médica, uma vez que veem esses alunos e alunas como desviantes, como alunos e alunas que precisam de um acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Essa perspectiva é compartilhada também pela orientação e supervisão pedagógica, que muitas vezes tem pouco ou nenhum conhecimento acerca dessa temática, haja visto nos conselhos de classe, por exemplo, o uso de termos pejorativos para se referir a alunos e alunos LGBT’s, e uma grande resistência com relação ao uso do nome social por alunos transgêneros.          

            A escola, mesmo sendo um espaço social plural, ainda se mantém presa, no que diz respeito a formação de currículos e conteúdos, ao binarismo, ao heteronormativo, sendo contudo um espaço que inclui, não apenas alunos mas também pais, professores e funcionários homossexuais, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, que não são contemplados nas disciplinas que abordam gênero e sexualidade, e nem tem espaço em atividades sociais da comunidade escolar como, por exemplo, o “Dia da Família”. Esse velamento proposital desses atores sociais nos mostra o quanto ainda há que se lutar para que o espaço escolar possa ser de fato plural, diverso e livre, cabendo as novas gerações de educadores se empenharem para descontruir esse modelo de escola que tipifica como desviante todo e qualquer comportamento que fuja do normativo.


Referências:

STRATHERN, Marilyn. “Necessidade de Pais, Necessidade de Mães”. Revista de Estudos Feministas, 3 (2), p. 303-329
BUTLER, Judith. Fundamentos contingentes: o feminismo e a questão do pós-modernismo. In: Cadernos Pagú. Campinas: Núcleo de estudos de Gênero/UNICAMP, v.11, p. 11-42, 1998.
SCOTT, J. W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.20, n.2, p. 71-99, 1995
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação – Uma perspectiva pós-estruturalista. Cap. 3 – A construção escolar das diferenças, p. 57 – 88.  Ed Vozes. 6ª Ed. 2003 – Petrópolis - RJ
Decreto Nº 8.727. De 28 de Abril de 2016 – PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA – CASA CIVIL – SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS
Resolução Nº 12. De 16 de Janeiro de 2015 – CONSELHO NACIONAL DE COMBATE À DISCRIMINAÇÃO E PROMOÇÕES DOS DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS – CNCD/LGBT
Parâmetros Curriculares Nacionais – Pluralidade Cultural – Orientação Sexual


 

As questões de gênero e discriminação

                              As questões de gênero e discriminação

                                                        


Maria Pedroso é licenciada em Geografia pela FAPA




                            

                A desigualdade de gênero, a homofobia e a discriminação calcada em critérios de orientação sexual estão entre as formas de violência e injustiças sociais que ainda ocorrem em nosso país, em que pese a modernização de nossa sociedade. Também são classificados como questões de gênero o preconceito contra os homossexuais (homofobia) e transgêneros.

                As principais explicações para esse fenômeno é a permanência da sociedade patriarcal e do androcentrismo.
                Pesquisas recentes apontam a desigualdade fundamental de poder entre homens e mulheres e revelam que ainda existe uma concepção de família e sociedade bastante androcêntrica. Porém o modelo familiar (marido, esposa e filhos) passou a ser questionado e desnaturalizado no momento da aceitação do casamento gay.

                A construção dessa desigualdade é feita no interior de nossos próprios lares, onde estudos mostram que se exige muito mais das meninas na divisão das tarefas domésticas do que dos meninos. Há roupas, brinquedos, cores para meninos e outros diferentes para meninas.

                Ouvimos muitas vezes, de muitos pais que não aceitariam um filho gay e realmente sabemos que quando o jovem se reconhece como tal é expulso de casa.

                Percebe-se, também a divisão social e de gênero no trabalho, no modelo capitalista, que reforça os papéis sociais na medida que oferece remuneração inferior paras as mulheres e determina que elas exerçam funções subordinadas e realizem trabalhos domésticos e sejam sexualmente submissas aos homens.

                O sistema de ensino tem um importante papel na sociedade, pois é um dos principais espaços de socialização, discussão formação e disseminação de valores sociais. No entanto, se, por um lado, a escola pode contribuir para a formação de sujeitos críticos e reflexivos, ajudando a superar preconceitos e opressões, por outro, ela também pode reforçar desigualdades, como a divisão sexual do conhecimento, e para reforçar estereótipos e preconceitos dependendo da visão de mundo dos educadores e do material utilizado.

                Em nosso país, assim como em outros países formou-se uma crítica feminista em várias áreas do conhecimento, como Sociologia, Psicologia, História e Filosofia.

                O movimento feminista impulsionou a luta pela igualdade de gênero. Constata-se a partir dos anos 1990, uma tendência que é a “feminização” do mercado de trabalho global. Isso significa que as mulheres puderam entrar em áreas antes consideradas masculinas, como construção civil, mercado financeiro, meio de transportes.   

                               No entanto, apesar dos avanços as desigualdades de gênero ainda permanecem.







sexta-feira, 8 de julho de 2016

Não temos mais o direito de nos calarmos e ficarmos alheios ao cenário que se avizinha.


Não temos mais o direito de nos calarmos e ficarmos alheios ao cenário que se avizinha.



 Daniel Machado da Luz - Administrador pela Faculdade São Judas, Bacharelando em Ciências Sociais.


      O pseudo Presidente Interino (diga-se ilegítimo) Michel Temer  afirmou que “adotará medidas impopulares em certo momento” na abertura do Global Agribusiness Fórum 2016 em São Paulo ressalvando que sua permanência no governo até 2018 depende da eventual decisão de saída da Presidente afastada Dilma Rousseff pelo Senado Federal e em um arroubo de cinismo ainda teve o despautério de afirmar (provavelmente em tom escrachado) que caso coloque o Brasil nos trilhos não esperará mais nada da vida pública, talvez não espere porque o meritocrático e precoce “Michelzinho” que em tenra idade já possui milhões em patrimônio talvez siga a carreira pública do pai.    

                   Declarações como esta, somadas a declarações do Governador Sartori e outros governadores, parlamentares e agentes políticos em todo o território brasileiro me traz a triste constatação de que a inércia provocada pelo discurso fomentado pelas elites que “Política não se discute” e “ Todos são iguais e por isso não me interessa política” hoje geraram frutos nefastos e intragáveis.     

          Diariamente presenciamos notícias surreais em todas as esferas com a complacência de parte muito grande da população. Vejamos: Alguns dos políticos mais corruptos da história nacional deram um golpe em um governo que, apesar de vários escândalos em alguns dos seus quadros, não inventou a corrupção e cujo sua Presidente não tivera nenhuma comprovação de ilicitude. 

                   Ao passo que Eduardo Cunha, Jucá, Renan Calheiros, Aécio Neves e o próprio Michel que também tem o nome envolvido em maracutaias andam não apenas bem livres, como ditando regras e falando o que querem sem que a justiça use a sua esperada imparcialidade   na hora de julgar e afastar da vida pública esses que tudo acusam, mas que também parasitam há tanto tempo.                                                  
              
             Seguimos em um cenário aterrador onde estudantes e professores que em hipótese alguma ofereciam alguma ameaça física serem covardemente e de forma truculenta acossados por policiais militares em cenas deploráveis que não passaram na maioria dos noticiários, mas que em redes sociais circularam amplamente, vemos o massacre do povo indígena por parte de grandes latifundiários, o genocídio da população jovem negra, a homofobia em níveis intoleráveis, a reversão de direitos trabalhistas a tentativa explícita de sepultar de vez os aposentados a não ser os aposentados parlamentares que tem o mau caráter  de questionar a previdência social, mas que se aposentam após dois mandatos em um total de 8 anos, mas que desejam que o trabalhador comum se  aposente quando estiver beirando a morte.   
  
                          Diante de tudo isso devemos levantar a voz e devemos nos inteirar sobre a condução política de nosso País sob o risco de continuarmos em uma inércia que faça voltar a sensação nefasta do período ditatorial, visto que Deputados ineficientes e sem relevância elaboram projetos de lei pedindo a escola sem partidos o que nada mais é do que uma retórica muito mal feita, para encobrir sua desfaçatez e manter sim uma escola sem reflexão e partidarizada com a camarilha da qual costumam fazer parte. Como poderemos resistir?     
                        Participarmos das nossas associações de bairros, acompanharmos algum grupo de movimento social, trocar a leitura de periódicos comprometidos com a elite por blogs e outras veículos com um posicionamento mais isento para vermos outras opiniões, darmos audiência para rádios comunitárias e principalmente abandonarmos o mantra de que odiamos política.    
                            Vivemos em uma democracia que a cada dia se esvai justamente por que ao não participar deixamos o caminho livre para uma corja de verdadeiros malfeitores e que caso sigamos neste patamar de alienação em nosso cotidiano voltaremos a restrição total que tinha no período de chumbo da política brasileira na mão dos militares.   
           
                        Não podemos respeitar nem levar a sério um governo que lança um slogan: Não pense em crise trabalhe.                                 
                                                                     
                         Eu não quero viver a ditadura de novo e por isso conclamo a todos que tem uma pequena formação, para que olhemos esse exemplo maravilhoso dos estudantes nas  ocupações e lutemos elevando nossa voz e nossa participação e nossa contestação a este status quo tirano que se avizinha no Brasil.