terça-feira, 13 de dezembro de 2016

PENSAMENTOS E DIGRESSÕES





Prof. Ms. Adriano Viaro

PENSAMENTOS E DIGRESSÕES
Ser violento não significa necessariamente agredir de forma física. Podemos trabalhar no campo das ideias e da desconstituição e imposição delas por outras.
A "violência simbólica", descrita em prosa e verso por diversos e relevantes autores, está ligada às diversas áreas de atuação humana, mas, sobretudo no ambiente escolar.
Ser violento no campo simbólico é participar ativamente da imposição de signos, símbolos e elementos culturais, em detrimento de culturas pré-existentes naqueles educandos que estão sob nossa "tutela" escolar.
Sou crítico no que tange à adoção de "regras por elas próprias". Sou crítico com o termo e conceito de "educador", a partir do momento em que isso substitui e toma espaços legítimos anteriores à escola.
A violência simbólica está na atitude de, em recebendo educandos de realidades diferentes às nossas, não levar tais realidades em consideração propondo manutenção de métodos e meios capazes de "formatá-los".
Evidente que a violência simbólica é encontrada nos mais diversos campos humanos. Está nos desenhos animados que determinam comportamentos e preconceitos, nos programas de humor que transformam em "engraçado" as mais diversas raízes culturais fazendo com que seus próprios membros a ridicularizem.
Mas, por outro lado, é na escola que tal violência encontra maior guarida e eficácia. Há os que a defendem dizendo ser o "meio necessário e estruturante para a criação e imposição de regras" (como se isso não devesse ser rigorosamente debatido!), deixando de lado a autonomia do educando, cada vez mais necessária.
Falar da implantação de regras é tema denso e requer análises voltadas, sobretudo, à pós-modernidade, e às características idiossincráticas de nossas novas gerações em relação às imediatamente anteriores. (não, autonomia não é bagunça, embora alguns interpretem deste modo).
Pais e filhos não possuem mais os mesmos marcadores de conhecimento devido à justa adaptação tecnológica - mais efetiva nos jovens. (Estamos diante de um tempo onde velhice deixou de significar conhecimento).
Digressões à parte, a tão falada violência simbólica castra o que há de natural (falo de natureza pessoal humanizada) e trabalha pela manutenção de um status quo digno de sociedades que identificam qualidades e rotulam sujeitos.
Aos escolarizadores deixo perguntas: diante de aulas onde a utilização de meios alternativos e tecnológicos se faz necessária e interessante, que música, filme, série, leitura e jogos vocês usam? E que critérios são adotados?
Uma música pode ser positiva, mas pode marcar área (território) criando limites invisíveis de deslegitimação de culturas típicas.
Em resumo, todas as crianças e adolescentes devem se sentir representadas na prática docente e pedagógica. Qualquer tipo de exclusão ou hierarquia cultural caracteriza-se em violência. Violência simbólica.
Ordem não pode significar opressão e muito menos a castração simbólica de valores culturais caríssimos à identidade e diversidade humana.
Que tal começarmos 2017 revendo conceitos?
Bons dias.


Como um entusiasta do fascismo inventou a nossa democracia representativa



Como um entusiasta do fascismo inventou a nossa democracia representativa

Rafael Freitas,  Historiador Alvoradense,  Membro fixo do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata e Comunicador popular na Rádio Comunitária a Voz do Morro




No excelente texto chamado O retorno do esquecido Getúlio Vargas http://saojoaodel-pueblo.blogspot.com.br , o historiador Alex Lombello Amaral afirmou algo impossível de contra argumentar. Getúlio Dornelles Vargas, “por WO”, foi nosso melhor presidente. Gegê foi presidente do Brasil duas vezes. A partir do golpe de 1930 até sofrer um golpe em 1945. E depois, quando retornou democraticamente em 1951 e em 1954, para não ser vítima de outro golpe, deixou o governo e a vida, simultaneamente.

 Essa primeira etapa é chamada “Era Vargas”, quando tivemos uma ditadura, que já existia durante a “República Velha” e Getúlio Vargas a apoiava, ao cumprir tarefas de Borges de Medeiros. Mas em 1931, o governo getulista criou a Lei de Sindicalização, limitando cada categoria da classe trabalhadora a um único sindicato e subordinando todos eles ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, recém criado. O decreto n° 19.777 dispunha sobre a sindicalização das classes operárias e patronais, isso é necessário destacar.

 Empregados e patrões eram tutelados pelo estado varguista. Sobre esta lei trabalhista, Mario Pedrosa, filiado em 1945 na União Democrática Nacional, afirmou em 1978: “Nós, da esquerda, queríamos sindicatos livres da tutela do Estado e combatíamos a nova lei. Mas não há dúvida de que existia um ponto positivo- ela garantia os sindicatos contra invasões policiais, freqüentes e comuns na época... Todos diziam que a nova lei era fascista, mas no interior, se os sindicatos não recebessem as garantias que ela oferecia, não teriam condições de sobrevivência”. Antes disso, segundo Leonel Brizola, os sindicatos enfrentavam as violências dos governos e polícias estaduais, além de prefeitos, empresários e autoridades religiosas. Como foi dito antes, a “República Velha” também era uma ditadura, e com a “Era Vargas” os sindicatos eram ao mesmo tempo controlados, por outro lado legalizados.

Quanto essa polêmica, Getúlio Vargas defendia que Estado deveria estimular a mentalidade associativista, valorizando cada sindicato como uma entidade, mas exercendo sobre ele certo controle para evitar excessos. Os sindicatos teriam duas vantagens na sua visão, fortalecimento dos trabalhadores e facilitar o diálogo entre os trabalhadores e o Estado, através dos seus líderes. Ainda em 1931, o governo assinou o decreto 20.291 conhecido como Lei dos 2/3, para garantir a presença mínima de 2/3 de empregados nacionais na indústria e no comércio, nacionalizando a classe proletária, em um regime de prioridade para o trabalhador nacional.

Em agosto de 1931, foi criado o Código dos Interventores, estabelecendo as normas de conduta dos governantes estaduais nomeados por Getúlio Vargas. Todos os presidentes (como se chamavam os atuais governadores) foram demitidos pelo governo central, logo após novembro de 1930, exceto o de Minas Gerais, e em seus lugares nomeados interventores de confiança do presidente que tinha assumido o poder executivo e legislativo, ao dissolver o Congresso Nacional. Dessa maneira, reciclava a “República Oligárquica”, conservando o que já havia antes de tomar o poder pela via armada.

Outras medidas foram o estabelecimento de um estatuto para as universidades brasileiras, a organização da Universidade do Rio de Janeiro, e uma reforma do ensino secundário. Essas foram as primeiras ações do que os trabalhistas hodiernos e os seus simpatizantes chamam de “Revolução de 30”.

Uma das polêmicas da Era Vargas foi a sua legislação trabalhista da CLT, que possuía 922 artigos, acusada por muitos intelectuais de ser inspirada no modelo fascista da “Carta del Lavoro”, editada em 21 de abril de 1927   e copiada a posteriori, por diversos países, como Portugal, Turquia e Brasil. É importante a análise desse documento para concluirmos se Getúlio Vargas foi ou não foi um fascista brasileiro. Abaixo transcrevemos a mesma:

1.                 A Nação italiana é um organismo com fins, vida, meios e ações superiores por potência e extensa aqueles indivíduos separados ou reagrupados que a compõem. É uma unidade moral, política e econômica, que se realiza integralmente no Estado fascista.
2.                 O trabalho, sob todas as formas organizativas e executivas, intelectuais, técnicas, manuais é um dever social. A este título, é tutelado pelo Estado. O complexo da produção é unitário do ponto de vista nacional; os seus objetivos são unitários e se reassumem no benefício dos particulares e no desenvolvimento da potência nacional.
3.                 A organização sindical ou profissional é livre. Mas somente o sindicato legalmente reconhecido e submisso ao controle do estado tem o direito de representar legalmente a categoria dos empregadores ou de trabalhadores para a qual é constituído; de tutelar-lhes, face ao Estado e outras organizações profissionais, os interesses; de estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os pertencentes da categoria, de impor-lhes contribuições e de exercitar, por conta disto, funções delegadas de interesse público.
4.                 No contrato coletivo de trabalho encontra a sua expressão concreta de solidariedade entre os vários fatores da produção, mediante a conciliação dos interesses opostos dos empregadores e dos trabalhadores, e a sua subordinação aos interesses superiores da produção.
5.                 A magistratura do trabalho é o órgão com o qual o Estado intervém a regular as controvérsias do trabalho, seja pela observância dos acordos e de outras normas existentes, seja pela determinação de novas condições de trabalho.
6.                 As associações profissionais legalmente reconhecidas asseguram a igualdade jurídica entre os empregadores e os trabalhadores, mantendo a disciplina da produção e do trabalho e lhe promovendo o aperfeiçoamento. As Corporações constituem as organizações unitárias da força da produção e lhe representam integralmente os interesses. Em virtude desta representação integral, sendo os interesses nacionais, as Corporações são reconhecidas pela lei como órgãos do Estado.
7.                 Como representantes dos interesses unitários da produção, as Corporações podem ditar normas obrigatórias sobre a disciplina das relações de trabalho e também sobre coordenação da produção, todas as vezes que tiveram os necessários poderes das associações coordenadas.
8.                 O Estado corporativo considera a iniciativa no campo da produção como o instrumento mais eficaz útil no interesse da nação. A organização privada da produção, sendo uma função de interesse nacional, o organizador do empreendimento é responsável pelo endereço da produção face do Estado. Da colaboração das forças produtivas deriva a reciprocidade de direitos e deveres. O prestador de serviços, técnico, empregado ou operários é um colaborador ativo do empreendimento econômico, no sentido do qual cabe ao empregador a responsabilidade pelos mesmos.
9.                 As ações dos sindicatos, o serviço conciliativo dos órgãos corporativos e as sentenças da magistraturas do trabalho garantem a correspondências do salário ante as exigências normais de vida, às possibilidades da produção e ao rendimento do trabalho. A determinação do salário é subtraída a qualquer norma geral e confiada ao acordo das partes nos contratos coletivos.1
10.             As consequências das crises de produção e dos fenômenos monetários devem igualmente repartir-se entre todos os fatores da produção. Os dados relevantes acerca das condições da produção e do trabalho e a situação do mercado monetário, e as variações do nível de vida dos prestadores de serviço, coordenados e elaborados pelo Ministério das Corporações, darão o critério para conformar os interesses das várias categorias, das classes entre elas, e destes co-interesses superiores da produção.
11.             Quando a retribuição for estabelecida por tarefa, e a liquidação das tarefas for feita em períodos superiores à quinzena, são devidos adiantamentos quinzenais ou semanais.O trabalho noturno, não compreendido em regulares turnos periódicos, vem retribuindo com um percentual maior do que o diurno. Quando o trabalho for retribuído por tarefa, os valores das tarefas devem ser determinados de modo que o operário trabalhador, de normal capacidade produtiva, seja permitido conseguir um ganho mínimo além da base paga.
12.             As infrações à disciplina os atos que perturbem o normal andamento da empresa, cometidas pelo trabalhador, são punidas, segundo a gravidade da falta, com multa, com a suspensão do trabalho e, para os casos mais graves, com a demissão imediata sem indenização. Serão especificados os casos nos quais o empregador poderá aplicar a multa ou a suspensão ou demissão imediata sem indenização.
13.             O contrato coletivo de trabalho estende seus benefícios e a sua disciplina também aos trabalhadores a domicílio.
14.             O Estado verifica e controla o fenômeno da ocupação e da desocupação dos trabalhadores, índice complessivo das condições da produção e do trabalho.
15.             Os escritórios de colocação são constituídos de forma paritária, sob o controle dos órgãos corporativos do Estado. Os empregadores têm a obrigação de assumir os prestadores de serviço pelo funcionamento do mencionado escritório. A esses é concedida a faculdade de escolha no âmbito dos inscritos no elenco, com preferência àqueles que pertençam ao Partido e aos Sindicatos fascistas, segundo a antiguidade de inscrição.
16.             As associações profissionais de trabalhadores têm a obrigação de exercitar uma ação seletiva entre os trabalhadores, com o objetivo de elevar-lhes sempre mais a capacidade técnica e o valor moral.
17.             Os órgãos corporativos observarão, porque são observadas as leis sobre prevenção dos infortúnios e sobre polícia do trabalho da parte dos indivíduos das associações coordenadas.
18.             A previdência é uma alta manifestação do princípio de colaboração. Os empregadores e os prestadores de serviço devem contribuir proporcionalmente aos custos desta.
19.             O Estado fascista propõe:
o aperfeiçoamento do seguro de acidentes;
à melhoria e extensão do seguro maternidade;
ao seguro das doenças profissionais e das tuberculoses, assim como ao início do seguro geral contra todas as doenças;
o aperfeiçoamento do seguro contra a desocupação involuntária;
a adoção de formas especiais de seguros para os jovens trabalhadores
20.             A educação e instrução, especialmente a instrução profissional, dos representantes, sócios e não sócios, é um dos principais deveres das associações profissionais. Estes devem sustentar ações das obras nacionais relativa ao Dopolavoro e outras iniciativas de educação.

Vimos, acima, que a idéia central no trabalhismo de “conciliação de classe” esteve contida também na “Carta del Lavoro”, que estabelecia no ítem  4 a mediação de “conciliação dos interesses opostos dos empregadores e dos trabalhadores “. Outro elemento comum ao trabalhismo e ao fascismo de Mussolini, foi colocar o trabalho na lei, pois na “Carta del Lavoro” o Estado Fascista propunha seguro de acidentes, seguro maternidade, seguro geral contra doenças, seguro contra a desocupação involuntária,  e seguro para os jovens trabalhadores. O fascismo e o trabalhismo provocaram melhoras nas condições de trabalho, pelo menos em teoria, nas escritas de suas leis.

Em 1927, Mussolini impôs através da Carta de Lavoro, a instituição na Itália da justiça do trabalho e as normas  do adicional para trabalho noturno, descanso semanal e férias anuais. No Brasil e na Itália houve  a ausência de liberdade sindical e o imposto sindical compulsório. Outra síntese entre trabalhismo getulista e fascismo de Mussolini foi a parceria entre Estado Nacional e Igreja católica. Havia uma colaboração entre a igreja católica e o governo de Getúlio Vargas, bem representada durante a inauguração da estátua do Cristo Redentor no Corcovado em 12 de outubro de 1931. Dentro dessa parceria, a igreja levava a massa da população católica a apoiar o novo governo. Em troca, Vargas cedia aos religiosos, como em abril de 1931, quando um decreto do Governo Provisório permitiu o ensino religioso nas escolas públicas.

Por ser um ditador, Getúlio Vargas foi o inventor de nossa democracia representativa, basta lembrar que o presidente Eurico Gaspar Dutra governou inicialmente sob o Estado Novo e após um golpe contra o mesmo gaúcho de São Borja. Em 1951 começou a democracia representativa no Brasil, liderada pelo tirano e nosso melhor presidente, Getúlio Vargas, que inspirou o soneto ali abaixo:



Referências:
D’Araujo, Maria Celina (Org.). As instituições da Era Vargas. Rio de Janeiro: Ed. UERJ: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999.

FAUSTO, Bóris. História do Brasil. 2 ° ed. Editora da Universidade de São Paulo: Fundação do desenvolvimento da Educação, 1995. (Didática I). 

FENELON, Dea Ribeiro. 50 textos de História do Brasil. São Paulo: Hucitec, 1990.

PERICÁS, Luiz Bernardo. SECCO, Lincoln (ORGS.). Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. São Paulo: Boitempo, 2014.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. RS: A economia & o poder nos anos 30. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980.

RIBEIRO, José Augusto. A Era Vargas. Volume 1: 1882-1950. Rio de Janeiro: Casa Jorge, 2001. 


domingo, 11 de dezembro de 2016

O pensamento de Paulo Freire e sua importância no contexto atual da educação


O pensamento de Paulo Freire e sua importância no contexto atual da Educação


Meri Machado é Mestranda em História pela UFRGS, Bacharelanda em História pela UFRGS e  Licenciada em História pela Universidade Luterana do Brasil


Paulo Freire tem sua obra reconhecida internacionalmente. Segundo dados apresentados no site do Instituto Paulo Freire com base em uma pesquisa de Elliott Green, professor associado da London School of Economics, Freire é o terceiro teórico mais citado em trabalhos da área de humanas. No Brasil, no entanto, movimentos de ideologia conservadora têm desvalorizado a obra do patrono da educação brasileira por sua identificação com o ideário de esquerda. O pensamento de Freire, não obstante, vai muito além de qualquer vertente político-ideológica, Freire pensa a educação no seu potencial transformador do pensamento em busca de uma sociedade mais justa e coerente.

Se considerarmos o contexto da educação brasileira, ameaçada em muitos âmbitos por propostas políticas que enxugam os currículos em busca de formação de mão-de-obra e pensamento acrítico (muito mais cômodo para os grupos que dominam a política e a economia) e outras propostas ainda mais nocivas por serem antidemocráticas como o movimento Escola Sem Partido, por exemplo, que preconiza a intimidação do professor que não partilha da ideologia dominante cerceando sua liberdade de cátedra e prevendo punições para quem exercê-la; vamos nos deparar com a atualidade e a solidez do pensamento freireano.

O livro “Pedagogia da Autonomia – Saberes Necessários à prática Educativa” data de 1996 e traz ideias bastante aplicáveis ao nosso contexto atual. O livro trata da prática educativa que percebe o ser humano como inacabado, do educador que se percebe como responsável, que percebe o processo educativo como transformador, que busca a ética, a estética, a rigorosidade metódica, que rejeita qualquer tipo de discriminação, que é humilde e sabe escutar. Enfim, é uma obra sobre o que é ser humano e ensinar e aprender. Para alguns, contudo, a educação que visa a cidadania crítica é de esquerda (no sentido pejorativo), é doutrinadora. Ou será uma educação que não se submete à ordem estabelecida?

Alguns trechos da referida obra, são bastante icônicos, para além do contexto da educação. Este, por exemplo, vai direito aos apoiadores dos “Bolsonaros da vida” e mais direto ainda àqueles que se omitem quanto à sua responsabilidade social, àqueles que se resignam e afastam todo o debate e a crítica das suas aulas na falácia de não se posicionar. É também uma crítica aos incoerentes, aqueles que não tentam aproximar ao máximo o seu discurso da sua prática – já aqui outro lampejo de Freire:

Não posso proibir que os oprimidos com quem trabalho numa favela votem em candidatos reacionários, mas tenho o dever de adverti-los do erro que cometem, da contradição em que se emaranham. Votar no político reacionário é ajudar a preservação do status quo. Como posso votar, se sou progressista e coerente com minha opção, num candidato cujo discurso, faiscante de desamor, anuncia seus projetos racistas?” (FREIRE, 2016, p. 78)

Os percursos do pensamento de Freire nos desacomodam. Para ele, saberes necessários à prática educativa vão além de método, técnica, didática; incluem, sobretudo, princípios éticos, empáticos, de solidariedade, de respeito e compreensão ao outro, sua cultura, seu modo de ser e estar no mundo. Isso não devia ser uma busca apenas no âmbito da educação e isso não é ser de esquerda ou de direita. Isso é o mínimo que se deve esperar da vida em sociedade. Aqui não temos o mínimo.

Para Freire, o educador deve ter consciência da sua importância social. Seu discurso jamais deve ser excludente ou discriminatório, o educador deve pensar certo e buscar incessantemente a prática coerente com o pensar certo. Este conceito - o de “pensar certo” - não é fácil de ser apreendido. Um leitor incauto tiraria conclusões precipitadas ao deparar-se com as primeiras alusões à expressão na obra. Pensar certo é a ética e a estética: “decência e boniteza de mãos dadas” – diz ele. E isso não tem a ver com puritanismo e aparência, é o pensar certo intrínseco ao fazer certo.

Confrontar-se com tal ideia leva-nos a repensar a prática, e refletir sobre atos e atitudes como docente e responsável pelo ensino-aprendizagem crítico e transformador.

Não há pensar certo fora de uma prática testemunhal que o re-diz em lugar de desdizê-lo. Não é possível ao professor pensar que pensa certo mas ao mesmo tempo perguntar ao aluno se “sabe com quem está falando”. (p. 36)

Para Freire, o que nos move a lutar pela igualdade e a democracia é a justa raiva, esta também sendo intrínseca à educação para a cidadania crítica e transformadora. Ele é taxativo quando argumenta que “está errada” a educação que não reconhece a justa raiva como tendo um papel formador pois esta é motor do protesto contra qualquer injustiça. É incoerente o professor que não luta. Enfim, a igualdade, o respeito à diversidade, a ética, a democracia são o que almejamos. A justa raiva é o que nos move a lutar por nossos ideais. A justa raiva é crucial, ela é o contrário de resignar-se. É o contrário de perceber o futuro como inexorável, é o contrário de aceitar a fome, a miséria, a subvida, o desemprego como uma fatalidade intrínseca a uma realidade que não podemos mudar.

Para finalizar, “ENSINAR EXIGE RECONHECER QUE A EDUCAÇÃO É IDEOLÓGICA” (p.122). Acaba-se aqui a falácia do movimento Escola Sem Partido. Não existe educação neutra. Freire chega a afirmar que se restringida a uma só ideologia, a educação penumbra a realidade e tem a capacidade de “nos ‘miopizar’, de nos ensurdecer”. A educação míope acaba por naturalizar discursos, como se as sociedades, as culturas não fossem historicamente produzidas, como que não houvesse outras possibilidades. Isso do ponto de vista da democracia é de uma incoerência sem par.

Nenhuma teoria da transformação político-social do mundo me comove, sequer, se não parte de uma compreensão do homem e da mulher enquanto seres fazedores da história e por ela feitos, seres da decisão, da ruptura, da opção”. (p. 126).

              A “Pedagogia da Autonomia”, como diz o seu prefácio por Edna C. de Oliveira, “nos apresenta elementos constitutivos da compreensão da prática docente enquanto dimensão social da formação humana”. A obra traz uma advertência que transcende a ideia de que é destinada somente a professores que é assumir “uma postura vigilante contra todas as práticas de desumanização”. A partir da leitura é possível pensar a sociedade em todos os seus âmbitos, pois ela nos leva a pensar o pensar e as incoerências com a prática ou não. Enfim, é uma obra que traz uma grande reflexão sobre educação, ética, respeito, responsabilidade, diálogo e democracia. Todos estes preceitos fundamentais que estão sendo atualmente deturpados numa profunda crise sócio-política que afeta diretamente e negativamente a Educação e a prática educativa.

Referência:

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.








quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Carta aberta a Fernando Holiday

Carta aberta a Fernando Holiday.

Prof. Ms. Adriano Viaro


Excelentíssimo vereador:
Remeto-me à Vossa Excelência para fazer quase que uma súplica. Por favor, pare de chamar Zumbi dos Palmares de Hitler. Estude um pouco mais sobre ambos e verás que a comparação é descabida.
Pare de chamar Zumbi dos Palmares de facínora, escravagista e torturador. Leia, por favor, as obras de Décio Freitas, Benjamin Péret, Ivan Alves Filho, Flávio dos Santos Gomes, Clóvis Moura e Edison Carneiro.
Leia também Jacob Gorender, mas passe rápido pelo capítulo onde é explicada a profissão e função de Capitão do Mato, pois caso contrário, poderás se identificar.
Pare de ler, sobretudo sobre Zumbi, a partir da Veja e do ilustre estoriador Leandro Narloch. Entenda, caro vereador, a diferença entre “escravidão patriarcal” e Escravismo Colonial. Mas tal entendimento não será para corroborar com seu discurso, mas para, ao menos, saberes o terreno em que estás pisando.
Entenda também, que não sabemos maiores detalhes sobre o dia a dia dos quilombos de rompimento (período colonial), sobretudo, dos Palmares.
E mesmo eu tendo feito um mestrado e defendido dissertação sobre os quilombos da Serra do Barriga, não posso afirmar quais eram suas rotinas internas e diárias, mas os documentos, de autoria do homem branco, relatam torturas e punições à traição, fuga e homicídio, ou seja, havia, dentro dos parâmetros do 17, justiça em Palmares!
Não imagine, caro vereador, que havia manilhas, libambos, grilhões, algemas, anjinhos, chicotes e senzalas no interior dos quilombos confederados, pois ali fugia-se justamente disso. E não ajude, irresponsavelmente, a criar tal ideia no imaginário coletivo.
Vossa Excelência deve saber que não temos uma biografia de Zumbi, embora haja tentativas, mas temos os documentos originais (cerca de 150 cartas) que eu posso disponibilizar ao nobre vereador para que melhore seu discurso sobre o símbolo máximo da negritude.
Não afirme escravidão colonial em uma comunidade agrícola de subsistência, pois isso representaria uma incoerência conceitual.
E mais: não confunda o período de Ganga Zumba com o de Zumbi. (Sei que o senhor sabe muito bem a diferença).
Caro e excelentíssimo vereador Fernando Holiday: pare de dizer asneiras sobre Zumbi dos Palmares – de quem você provou que nada sabe – e preserve sua imagem, popularidade e mandato.
Mas caso queiras discutir a história e a historiografia de Zumbi e dos quilombos palmarinos… Coloco-me à disposição. Mas, por obséquio, não cometa a gafe de querer se comparar ao líder palmarino.
Cordiais saudações

Prof. Me. Adriano Viaro

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Vamos falar sobre educação, trabalho e aposentadoria?



Vamos falar sobre educação, trabalho e aposentadoria?

Bruno Saldanha é estudante de Ciências Sociais e Bolsista de Políticas de Educação Básica pela UFRGS









      O sistema educacional brasileiro é composto por dois níveis de educação: básico e superior. É uma conquista do processo de redemocratização, no qual se consolidou uma concepção de educação em que a sua finalidade é o pleno desenvolvimento da pessoa, a preparação para o exercício da cidadania e a qualificação para o mundo (não confundir com mercado) do trabalho. Uma concepção ampla, que se distingue da visão mercadológica e que se relaciona com a busca por uma sociedade com igualdade, liberdade e uma inserção social digna e consciente. 

                         A educação básica abrange três etapas: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Chama-se básica, pois há a compreensão de que estas etapas atuam com os conhecimentos mais básicos para atingir a finalidade, citada acima, a qual se propõe a educação. Em 2009, com a Emenda Constitucional 59, a educação se tornou obrigatória para toda a população com idade entre 4 e 17 anos. Esta emenda obriga que todas as crianças e jovens nesta faixa etária estejam na escola e, se na idade certa, concluam as três etapas da educação básica. No entanto, contrariando a legislação, existem quase 2 milhões de jovens nesta faixa etária que estão fora da escola. 

                          É importante, para o que me proponho aqui, ressaltar que 1,5 milhões refere-se aos jovens entre 15 e 17 anos. Entre os diversos motivos pelos quais os alunos são excluídos da escola, está a necessidade de trabalhar. Muitos deles começam a trabalhar antes mesmo dos 15 anos, seja como aprendiz ou de forma ilegal. Não preciso dizer que estes são os jovens pobres, a quem a negação de direitos começa muito cedo. Digo isso, pois, para estes, a garantia legal do direito à educação não pressupõe sua efetivação. O trabalho se torna o instrumento pelo qual estes jovens têm o seu direito sistematicamente negado. Este trabalho precoce, ainda que permitido por lei, retira dos jovens a perspectiva de se inserirem na sociedade e no mercado de trabalho de forma digna e com igualdade de condições.

                      Para este trabalhador jovem, que não pode se permitir o luxo de somente estudar, a aposentadoria é outro direito distante. Para este, a aposentadoria integral sempre esteve condicionada ao tempo de contribuição acima de 40 anos, seja com o fator previdenciário de FHC ou com a fórmula 85/95 de Dilma. Façam os cálculos. Aposentar-se após exatos 30 ou 35 anos, com um valor razoavelmente bom, sempre foi um “privilégio” daqueles que se permitem o luxo de conhecer o “chão da fábrica” somente depois de concluir, no mínimo, o ensino médio. O fator previa a proporcionalidade, que, no fim, obrigava aqueles que recebiam baixo salário a trabalhar por mais tempo. 

                           A fórmula prevê uma pontuação que, para quem iniciou cedo, 30 ou 35 anos de trabalho não atinge a pontuação mínima. Assim se mantém o ciclo que organiza a sociedade entre aqueles que podem somente estudar e aqueles que devem trabalhar, mesmo que para isso a educação fique em segundo plano. Ou seja, a negação de direitos sempre esteve condicionada à sociedade de classes e à desigualdade, sobretudo econômica. A proposta de reforma da previdência de Michel Temer, ilegítimo presidente, não representa um aumento significativo no tempo de contribuição. Não para estes trabalhadores que citei anteriormente, que começam a trabalhar aos 16 anos. Mas esta reforma é ainda pior, porque torna legal a total precariedade do trabalho. 

              No fim, esta reforma vai obrigar a todos que estudem e trabalhem concomitantemente, se não quiserem uma aposentadoria próxima dos 80 anos. Trabalhar e estudar, na forma como estão organizados hoje, impede uma vida com qualidade. Então, na prática, esta proposta retira qualquer possibilidade de qualidade de vida, e, arrisco, levará o país a uma queda na estimativa de vida do povo brasileiro. Ela acaba com a aposentadoria daqueles que podem somente estudar e legaliza a total desigualdade no que se refere à exploração do trabalho. Algo como “não pense em estudar, trabalhe!”.

                      O Brasil é signatário da Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre Idade Mínima de Admissão ao Emprego. Nesta Convenção, a orientação dada no artigo 1° é de que os países membros “elevem, progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou trabalho em um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do jovem.” Educação e trabalho estão tão intimamente conectados, que esta mesma Convenção, em seu artigo 2°, orienta que “a idade mínima fixada nos termos do parágrafo 1 deste Artigo não será inferior à idade de conclusão da escolaridade compulsória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos.”

                           A educação compulsória no Brasil é até os 17 anos. Se o país seguisse as orientações da OIT, a idade mínima para admissão ao emprego deveria ser aumentada para os 18 anos. A aposentadoria e os salários especiais da casta política permanecem intactos. Não à toa o deputado Onofre Agostini, do DEM, propôs a PEC 35/2011, com a intenção de diminuir a idade mínima para 14 anos. Em meio a todo o retrocesso, cabe lembrar que nesta concepção de educação advinda da redemocratização, constam como espaços dos processos formativos, os movimentos sociais e as organizações da sociedade civil. Também na legislação educacional está a valorização da atividade extraescolar e a vinculação da educação com as práticas sociais. As ocupações de escolas, institutos federais e universidades são a melhor representação disso. Enquanto a retirada de direitos for uma possibilidade, a resistência será uma realidade crescente. Juntos poderemos combater estas propostas e todas outras que afrontarem os nossos direitos!