domingo, 11 de dezembro de 2016

O pensamento de Paulo Freire e sua importância no contexto atual da educação


O pensamento de Paulo Freire e sua importância no contexto atual da Educação


Meri Machado é Mestranda em História pela UFRGS, Bacharelanda em História pela UFRGS e  Licenciada em História pela Universidade Luterana do Brasil


Paulo Freire tem sua obra reconhecida internacionalmente. Segundo dados apresentados no site do Instituto Paulo Freire com base em uma pesquisa de Elliott Green, professor associado da London School of Economics, Freire é o terceiro teórico mais citado em trabalhos da área de humanas. No Brasil, no entanto, movimentos de ideologia conservadora têm desvalorizado a obra do patrono da educação brasileira por sua identificação com o ideário de esquerda. O pensamento de Freire, não obstante, vai muito além de qualquer vertente político-ideológica, Freire pensa a educação no seu potencial transformador do pensamento em busca de uma sociedade mais justa e coerente.

Se considerarmos o contexto da educação brasileira, ameaçada em muitos âmbitos por propostas políticas que enxugam os currículos em busca de formação de mão-de-obra e pensamento acrítico (muito mais cômodo para os grupos que dominam a política e a economia) e outras propostas ainda mais nocivas por serem antidemocráticas como o movimento Escola Sem Partido, por exemplo, que preconiza a intimidação do professor que não partilha da ideologia dominante cerceando sua liberdade de cátedra e prevendo punições para quem exercê-la; vamos nos deparar com a atualidade e a solidez do pensamento freireano.

O livro “Pedagogia da Autonomia – Saberes Necessários à prática Educativa” data de 1996 e traz ideias bastante aplicáveis ao nosso contexto atual. O livro trata da prática educativa que percebe o ser humano como inacabado, do educador que se percebe como responsável, que percebe o processo educativo como transformador, que busca a ética, a estética, a rigorosidade metódica, que rejeita qualquer tipo de discriminação, que é humilde e sabe escutar. Enfim, é uma obra sobre o que é ser humano e ensinar e aprender. Para alguns, contudo, a educação que visa a cidadania crítica é de esquerda (no sentido pejorativo), é doutrinadora. Ou será uma educação que não se submete à ordem estabelecida?

Alguns trechos da referida obra, são bastante icônicos, para além do contexto da educação. Este, por exemplo, vai direito aos apoiadores dos “Bolsonaros da vida” e mais direto ainda àqueles que se omitem quanto à sua responsabilidade social, àqueles que se resignam e afastam todo o debate e a crítica das suas aulas na falácia de não se posicionar. É também uma crítica aos incoerentes, aqueles que não tentam aproximar ao máximo o seu discurso da sua prática – já aqui outro lampejo de Freire:

Não posso proibir que os oprimidos com quem trabalho numa favela votem em candidatos reacionários, mas tenho o dever de adverti-los do erro que cometem, da contradição em que se emaranham. Votar no político reacionário é ajudar a preservação do status quo. Como posso votar, se sou progressista e coerente com minha opção, num candidato cujo discurso, faiscante de desamor, anuncia seus projetos racistas?” (FREIRE, 2016, p. 78)

Os percursos do pensamento de Freire nos desacomodam. Para ele, saberes necessários à prática educativa vão além de método, técnica, didática; incluem, sobretudo, princípios éticos, empáticos, de solidariedade, de respeito e compreensão ao outro, sua cultura, seu modo de ser e estar no mundo. Isso não devia ser uma busca apenas no âmbito da educação e isso não é ser de esquerda ou de direita. Isso é o mínimo que se deve esperar da vida em sociedade. Aqui não temos o mínimo.

Para Freire, o educador deve ter consciência da sua importância social. Seu discurso jamais deve ser excludente ou discriminatório, o educador deve pensar certo e buscar incessantemente a prática coerente com o pensar certo. Este conceito - o de “pensar certo” - não é fácil de ser apreendido. Um leitor incauto tiraria conclusões precipitadas ao deparar-se com as primeiras alusões à expressão na obra. Pensar certo é a ética e a estética: “decência e boniteza de mãos dadas” – diz ele. E isso não tem a ver com puritanismo e aparência, é o pensar certo intrínseco ao fazer certo.

Confrontar-se com tal ideia leva-nos a repensar a prática, e refletir sobre atos e atitudes como docente e responsável pelo ensino-aprendizagem crítico e transformador.

Não há pensar certo fora de uma prática testemunhal que o re-diz em lugar de desdizê-lo. Não é possível ao professor pensar que pensa certo mas ao mesmo tempo perguntar ao aluno se “sabe com quem está falando”. (p. 36)

Para Freire, o que nos move a lutar pela igualdade e a democracia é a justa raiva, esta também sendo intrínseca à educação para a cidadania crítica e transformadora. Ele é taxativo quando argumenta que “está errada” a educação que não reconhece a justa raiva como tendo um papel formador pois esta é motor do protesto contra qualquer injustiça. É incoerente o professor que não luta. Enfim, a igualdade, o respeito à diversidade, a ética, a democracia são o que almejamos. A justa raiva é o que nos move a lutar por nossos ideais. A justa raiva é crucial, ela é o contrário de resignar-se. É o contrário de perceber o futuro como inexorável, é o contrário de aceitar a fome, a miséria, a subvida, o desemprego como uma fatalidade intrínseca a uma realidade que não podemos mudar.

Para finalizar, “ENSINAR EXIGE RECONHECER QUE A EDUCAÇÃO É IDEOLÓGICA” (p.122). Acaba-se aqui a falácia do movimento Escola Sem Partido. Não existe educação neutra. Freire chega a afirmar que se restringida a uma só ideologia, a educação penumbra a realidade e tem a capacidade de “nos ‘miopizar’, de nos ensurdecer”. A educação míope acaba por naturalizar discursos, como se as sociedades, as culturas não fossem historicamente produzidas, como que não houvesse outras possibilidades. Isso do ponto de vista da democracia é de uma incoerência sem par.

Nenhuma teoria da transformação político-social do mundo me comove, sequer, se não parte de uma compreensão do homem e da mulher enquanto seres fazedores da história e por ela feitos, seres da decisão, da ruptura, da opção”. (p. 126).

              A “Pedagogia da Autonomia”, como diz o seu prefácio por Edna C. de Oliveira, “nos apresenta elementos constitutivos da compreensão da prática docente enquanto dimensão social da formação humana”. A obra traz uma advertência que transcende a ideia de que é destinada somente a professores que é assumir “uma postura vigilante contra todas as práticas de desumanização”. A partir da leitura é possível pensar a sociedade em todos os seus âmbitos, pois ela nos leva a pensar o pensar e as incoerências com a prática ou não. Enfim, é uma obra que traz uma grande reflexão sobre educação, ética, respeito, responsabilidade, diálogo e democracia. Todos estes preceitos fundamentais que estão sendo atualmente deturpados numa profunda crise sócio-política que afeta diretamente e negativamente a Educação e a prática educativa.

Referência:

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.








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