O
pensamento de Paulo Freire e sua importância no contexto atual da
Educação
Meri Machado é Mestranda em História pela UFRGS, Bacharelanda em História pela UFRGS e Licenciada em História pela Universidade Luterana do Brasil
Paulo Freire tem sua obra reconhecida internacionalmente. Segundo dados apresentados no site do Instituto Paulo Freire com base em uma pesquisa de Elliott Green, professor associado da London School of Economics, Freire é o terceiro teórico mais citado em trabalhos da área de humanas. No Brasil, no entanto, movimentos de ideologia conservadora têm desvalorizado a obra do patrono da educação brasileira por sua identificação com o ideário de esquerda. O pensamento de Freire, não obstante, vai muito além de qualquer vertente político-ideológica, Freire pensa a educação no seu potencial transformador do pensamento em busca de uma sociedade mais justa e coerente.
Paulo Freire tem sua obra reconhecida internacionalmente. Segundo dados apresentados no site do Instituto Paulo Freire com base em uma pesquisa de Elliott Green, professor associado da London School of Economics, Freire é o terceiro teórico mais citado em trabalhos da área de humanas. No Brasil, no entanto, movimentos de ideologia conservadora têm desvalorizado a obra do patrono da educação brasileira por sua identificação com o ideário de esquerda. O pensamento de Freire, não obstante, vai muito além de qualquer vertente político-ideológica, Freire pensa a educação no seu potencial transformador do pensamento em busca de uma sociedade mais justa e coerente.
Se
considerarmos o contexto da educação brasileira, ameaçada em
muitos âmbitos por propostas políticas que enxugam os currículos
em busca de formação de mão-de-obra e pensamento acrítico (muito
mais cômodo para os grupos que dominam a política e a economia) e
outras propostas ainda mais nocivas por serem antidemocráticas como
o movimento Escola Sem Partido, por exemplo, que preconiza a
intimidação do professor que não partilha da ideologia dominante
cerceando sua liberdade de cátedra e prevendo punições para quem
exercê-la; vamos nos deparar com a atualidade e a solidez do
pensamento freireano.
O
livro “Pedagogia da Autonomia – Saberes Necessários à prática
Educativa” data de 1996 e traz ideias bastante aplicáveis ao nosso
contexto atual. O livro trata da prática educativa que percebe o ser
humano como inacabado, do educador que se percebe como
responsável, que percebe o processo educativo como transformador,
que busca a ética, a estética, a rigorosidade metódica, que
rejeita qualquer tipo de discriminação, que é humilde e sabe
escutar. Enfim, é uma obra sobre o que é ser humano e ensinar e
aprender. Para alguns, contudo, a educação que visa a cidadania
crítica é de esquerda (no sentido pejorativo), é doutrinadora. Ou
será uma educação que não se submete à ordem estabelecida?
Alguns
trechos da referida obra, são bastante icônicos, para além do
contexto da educação. Este, por exemplo, vai direito aos apoiadores
dos “Bolsonaros da vida” e mais direto ainda àqueles que se
omitem quanto à sua responsabilidade social, àqueles que se
resignam e afastam todo o debate e a crítica das suas aulas na
falácia de não se posicionar. É também uma crítica aos
incoerentes, aqueles que não tentam aproximar ao máximo o seu
discurso da sua prática – já aqui outro lampejo de Freire:
“Não
posso proibir que os oprimidos com quem trabalho numa favela votem em
candidatos reacionários, mas tenho o dever de adverti-los do erro
que cometem, da contradição em que se emaranham. Votar no político
reacionário é ajudar a preservação do status quo. Como posso
votar, se sou progressista e coerente com minha opção, num
candidato cujo discurso, faiscante de desamor, anuncia seus projetos
racistas?” (FREIRE, 2016, p. 78)
Os
percursos do pensamento de Freire nos desacomodam. Para ele,
saberes necessários à prática educativa vão além de
método, técnica, didática; incluem, sobretudo, princípios
éticos, empáticos, de solidariedade, de respeito e compreensão ao
outro, sua cultura, seu modo de ser e estar no mundo. Isso não devia
ser uma busca apenas no âmbito da educação e isso não é ser de
esquerda ou de direita. Isso é o mínimo que se deve esperar da vida
em sociedade. Aqui não temos o mínimo.
Para
Freire, o educador deve ter consciência da sua importância social.
Seu discurso jamais deve ser excludente ou discriminatório, o
educador deve pensar certo e buscar incessantemente a prática
coerente com o pensar certo. Este conceito - o de “pensar certo”
- não é fácil de ser apreendido. Um leitor incauto tiraria
conclusões precipitadas ao deparar-se com as primeiras alusões à
expressão na obra. Pensar certo é a ética e a estética: “decência
e boniteza de mãos dadas” – diz ele. E isso não tem a ver com
puritanismo e aparência, é o pensar certo intrínseco ao fazer
certo.
Confrontar-se
com tal ideia leva-nos a repensar a prática, e refletir sobre atos e
atitudes como docente e responsável pelo ensino-aprendizagem crítico
e transformador.
“Não
há pensar certo fora de uma prática testemunhal que o re-diz
em lugar de desdizê-lo. Não é possível ao professor pensar
que pensa certo mas ao mesmo tempo perguntar ao aluno se “sabe com
quem está falando”. (p. 36)
Para
Freire, o que nos move a lutar pela igualdade e a democracia é a
justa raiva, esta também sendo intrínseca à educação para
a cidadania crítica e transformadora. Ele é taxativo quando
argumenta que “está errada” a educação que não reconhece a
justa raiva como tendo um papel formador pois esta é motor do
protesto contra qualquer injustiça. É incoerente o professor que
não luta. Enfim, a igualdade, o respeito à diversidade, a ética, a
democracia são o que almejamos. A justa raiva é o que nos move a
lutar por nossos ideais. A justa raiva é crucial, ela é o contrário
de resignar-se. É o contrário de perceber o futuro como inexorável,
é o contrário de aceitar a fome, a miséria, a subvida, o
desemprego como uma fatalidade intrínseca a uma realidade que não
podemos mudar.
Para
finalizar, “ENSINAR EXIGE RECONHECER QUE A EDUCAÇÃO É
IDEOLÓGICA” (p.122). Acaba-se aqui a falácia do movimento Escola
Sem Partido. Não existe educação neutra. Freire chega a afirmar
que se restringida a uma só ideologia, a educação penumbra a
realidade e tem a capacidade de “nos ‘miopizar’, de nos
ensurdecer”. A educação míope acaba por naturalizar discursos,
como se as sociedades, as culturas não fossem historicamente
produzidas, como que não houvesse outras possibilidades. Isso do
ponto de vista da democracia é de uma incoerência sem par.
“Nenhuma
teoria da transformação político-social do mundo me comove,
sequer, se não parte de uma compreensão do homem e da mulher
enquanto seres fazedores da história e por ela feitos, seres da
decisão, da ruptura, da opção”. (p. 126).
A
“Pedagogia da Autonomia”, como diz o seu prefácio por Edna C. de
Oliveira, “nos apresenta elementos constitutivos da compreensão da
prática docente enquanto dimensão social da formação humana”. A
obra traz uma advertência que transcende a ideia de que é destinada
somente a professores que é assumir “uma postura vigilante contra
todas as práticas de desumanização”. A partir da leitura é
possível pensar a sociedade em todos os seus âmbitos, pois ela nos
leva a pensar o pensar e as incoerências com a prática ou
não. Enfim, é uma obra que traz uma grande reflexão sobre
educação, ética, respeito, responsabilidade, diálogo e
democracia. Todos estes preceitos fundamentais que estão sendo
atualmente deturpados numa profunda crise sócio-política que afeta
diretamente e negativamente a Educação e a prática educativa.
Referência:
FREIRE,
Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.
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