quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Vamos falar sobre educação, trabalho e aposentadoria?



Vamos falar sobre educação, trabalho e aposentadoria?

Bruno Saldanha é estudante de Ciências Sociais e Bolsista de Políticas de Educação Básica pela UFRGS









      O sistema educacional brasileiro é composto por dois níveis de educação: básico e superior. É uma conquista do processo de redemocratização, no qual se consolidou uma concepção de educação em que a sua finalidade é o pleno desenvolvimento da pessoa, a preparação para o exercício da cidadania e a qualificação para o mundo (não confundir com mercado) do trabalho. Uma concepção ampla, que se distingue da visão mercadológica e que se relaciona com a busca por uma sociedade com igualdade, liberdade e uma inserção social digna e consciente. 

                         A educação básica abrange três etapas: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Chama-se básica, pois há a compreensão de que estas etapas atuam com os conhecimentos mais básicos para atingir a finalidade, citada acima, a qual se propõe a educação. Em 2009, com a Emenda Constitucional 59, a educação se tornou obrigatória para toda a população com idade entre 4 e 17 anos. Esta emenda obriga que todas as crianças e jovens nesta faixa etária estejam na escola e, se na idade certa, concluam as três etapas da educação básica. No entanto, contrariando a legislação, existem quase 2 milhões de jovens nesta faixa etária que estão fora da escola. 

                          É importante, para o que me proponho aqui, ressaltar que 1,5 milhões refere-se aos jovens entre 15 e 17 anos. Entre os diversos motivos pelos quais os alunos são excluídos da escola, está a necessidade de trabalhar. Muitos deles começam a trabalhar antes mesmo dos 15 anos, seja como aprendiz ou de forma ilegal. Não preciso dizer que estes são os jovens pobres, a quem a negação de direitos começa muito cedo. Digo isso, pois, para estes, a garantia legal do direito à educação não pressupõe sua efetivação. O trabalho se torna o instrumento pelo qual estes jovens têm o seu direito sistematicamente negado. Este trabalho precoce, ainda que permitido por lei, retira dos jovens a perspectiva de se inserirem na sociedade e no mercado de trabalho de forma digna e com igualdade de condições.

                      Para este trabalhador jovem, que não pode se permitir o luxo de somente estudar, a aposentadoria é outro direito distante. Para este, a aposentadoria integral sempre esteve condicionada ao tempo de contribuição acima de 40 anos, seja com o fator previdenciário de FHC ou com a fórmula 85/95 de Dilma. Façam os cálculos. Aposentar-se após exatos 30 ou 35 anos, com um valor razoavelmente bom, sempre foi um “privilégio” daqueles que se permitem o luxo de conhecer o “chão da fábrica” somente depois de concluir, no mínimo, o ensino médio. O fator previa a proporcionalidade, que, no fim, obrigava aqueles que recebiam baixo salário a trabalhar por mais tempo. 

                           A fórmula prevê uma pontuação que, para quem iniciou cedo, 30 ou 35 anos de trabalho não atinge a pontuação mínima. Assim se mantém o ciclo que organiza a sociedade entre aqueles que podem somente estudar e aqueles que devem trabalhar, mesmo que para isso a educação fique em segundo plano. Ou seja, a negação de direitos sempre esteve condicionada à sociedade de classes e à desigualdade, sobretudo econômica. A proposta de reforma da previdência de Michel Temer, ilegítimo presidente, não representa um aumento significativo no tempo de contribuição. Não para estes trabalhadores que citei anteriormente, que começam a trabalhar aos 16 anos. Mas esta reforma é ainda pior, porque torna legal a total precariedade do trabalho. 

              No fim, esta reforma vai obrigar a todos que estudem e trabalhem concomitantemente, se não quiserem uma aposentadoria próxima dos 80 anos. Trabalhar e estudar, na forma como estão organizados hoje, impede uma vida com qualidade. Então, na prática, esta proposta retira qualquer possibilidade de qualidade de vida, e, arrisco, levará o país a uma queda na estimativa de vida do povo brasileiro. Ela acaba com a aposentadoria daqueles que podem somente estudar e legaliza a total desigualdade no que se refere à exploração do trabalho. Algo como “não pense em estudar, trabalhe!”.

                      O Brasil é signatário da Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre Idade Mínima de Admissão ao Emprego. Nesta Convenção, a orientação dada no artigo 1° é de que os países membros “elevem, progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou trabalho em um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do jovem.” Educação e trabalho estão tão intimamente conectados, que esta mesma Convenção, em seu artigo 2°, orienta que “a idade mínima fixada nos termos do parágrafo 1 deste Artigo não será inferior à idade de conclusão da escolaridade compulsória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos.”

                           A educação compulsória no Brasil é até os 17 anos. Se o país seguisse as orientações da OIT, a idade mínima para admissão ao emprego deveria ser aumentada para os 18 anos. A aposentadoria e os salários especiais da casta política permanecem intactos. Não à toa o deputado Onofre Agostini, do DEM, propôs a PEC 35/2011, com a intenção de diminuir a idade mínima para 14 anos. Em meio a todo o retrocesso, cabe lembrar que nesta concepção de educação advinda da redemocratização, constam como espaços dos processos formativos, os movimentos sociais e as organizações da sociedade civil. Também na legislação educacional está a valorização da atividade extraescolar e a vinculação da educação com as práticas sociais. As ocupações de escolas, institutos federais e universidades são a melhor representação disso. Enquanto a retirada de direitos for uma possibilidade, a resistência será uma realidade crescente. Juntos poderemos combater estas propostas e todas outras que afrontarem os nossos direitos!





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