O calar das panelas: elas nunca foram
contra o PT....
Sérgio Pires - Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bacharelando em Ciências Sociais, com ênfase em Antropologia, pela UFRGS.
O calar das panelas: elas nunca foram
contra o PT....
Avenidas
completamente lotadas de pessoas protestando, rostos pintados de verde e
amarelo, camisetas da CBF, faixas pedindo o impeachment, pedidos de democracia
e de intervenção militar (entenda-se esse paradoxo!), grandes patos amarelos
seguidos como se fossem divindades redentoras, e danças coreografadas, além, é
claro, de um bom champanhe, afinal, para aparecerem na ampla cobertura
televisiva, era necessário um pouco de ostentação.
Qual
a motivação desses protestos domingueiros? O que estava realmente em jogo nos
intensos movimentos em favor do impeachment? Quem compunha aquela massa verde e
amarelo que tomaram as ruas pedindo a saída do PT do poder?
Muito
motivados pelos espetáculos dos grandes furos de reportagem, a cargo, é claro,
da emissora mais poderosa do país, apresentados pelo Pop Star da República de
Curitiba, e também por pseudo-intelectuais, como Carvalhos, Frotas, Lobões e
etc., essa grande massa verde e amarelo se mobilizou de modo intenso, afinal,
era necessário, questão de soberania nacional, acabar com a corrupção no país,
tirando o principal culpado por todos esses escândalos, segundo a confiável
revista “Olhe” e o canal “plom-plom” de televisão.
Pois
bem, através de um julgamento político, o PT foi tirado do poder via
impedimento, uma vez que, pedaladas fiscais eram algo mortalmente ilegais, coloco o
verbo no passado porque esse é o tempo correto, pois logo após assumir o
cargo de presidente da república, letras minúsculas sim, as pedaladas passaram
a serem oficiais, regulamentadas por lei, o que na verdade eram uma prática
corriqueira na administração pública.
O
que podemos verificar a seguir ao impedimento, o que de acordo com a grande massa domingueira
salvaria o país, foi, na verdade, uma série de articulações e escândalos promovidos pelas
delações, não as da República de Curitiba, pois essas têm o crivo e a edição do
Pop Star, mas sim as da PGR, que mostraram a intensa negociação de propinas
entre altos cargos do executivo, inclusive do próprio presidente, com escutas,
gravações e filmagens, que provam o quanto de corrupção este governo fez e
ainda vem fazendo.
De
modo estarrecido, observamos helicópteros carregados com cocaína
serem apreendidos em terras de senadores da república, ouvimos escutas telefônicas combinando pagamento semanal de propinas para
manter certo deputado, que não é tucano, de bico fechado; outra escuta onde, além
de combinar quais seriam as nomeações na justiça federal, dava a entender
ordens de execução, ainda teriam outros escândalos para elencar, mas quero
fechar com o maior de todos: 14 bilhões do dinheiro público destinados para
salvar o presidente da investigação por corrupção...parece impossível? Mas não
foi, aconteceu exatamente assim, liberação dessa soma absurda e o arquivamento
do processo, e, claro, quem investe um montante desses quer prestação de
contas, e em virtude disso, quem votou contra será convidado a se
explicar...pois é.
E
as panelas que bradavam contra a corrupção? E os protestos domingueiros no
Parcão, na Paulista ou no Leblon? As camisetas da CBF, onde estão? Por onde
andarão aqueles dançarinos, que em louvor ao pato da fiesp, dançavam pelo fim
da corrupção? E as belas senhoras com seus pets e champanhe? Nada, em lugar
nenhum, nenhuma panela bateu ante tanta corrupção explícita! Será que ficaram
concentradas em mais um show do Pop Star de Curitiba, que tentou encortinar toda
essa situação com a sentença do Grande Operário? Não, elas estavam mesmo em
silêncio, panelas nos armários, tintas retiradas dos rostos, camisetas da CBF
no guarda-roupa, e os patos desinflados...
Afinal,
não eram estes que protestavam contra a corrupção? Onde estavam eles então nesse
momento da história do país? Momento esse que estamos servindo de chacota na
imprensa internacional.
Creio
que, antes de sabermos onde estão, é mais importante sabermos quem são eles.
Aquela grande massa em verde e amarelo era composta, não de um grupo homogêneo,
mas sim heterogêneo, onde podemos destacar uma grande parcela de pobres que,
por aumentarem, não sua renda, mas seu poder de endividamento, e dessa maneira
conseguir comprar bens de consumo, acreditando pertencer a classe média;
integrantes da classe média, baixa e alta, e também integrantes das classes mais
abastadas.
O
real motivo de saírem às ruas, não era o impeachment, nem o PT, e tão pouco a
corrupção, pois estão coniventes com ela, mas o que de fato os
impulsionava, e que os faziam gritar a plenos pulmões é pura e simplesmente o
ódio aos Pobres, à Classe Trabalhadora, à População Negra, aos Movimentos
Sociais, aos Indígenas, ao Movimento LGBT, e tantos outros segmentos
minoritários.
Nesse
país, durante o tempo que era colônia de Portugal, existiu uma ordem natural na sociedade, que
hierarquizava relações e espaços sociais, e para muitos que pertencem às
classes mais abastadas, essa ordem ainda vigora, e quando um governo promove
uma quebra desse paradigma, o ódio e a repulsa de nossa elite entreguista vem à
tona, e com toda a sua força o destilou ao ver Pobres, Negros e
Indígenas nas universidades, lado a lado com seus filhos, ao ir ao aeroporto e
se deparar com um Pobre na fila do embarque, a ter que, com sua caminhonete
importada, dividir as vias com os carros populares, ao ver que as terras de
suas famílias podem diminuir pela demarcação de terras Indígenas e Quilombolas, e ao ter que assinar a carteira de trabalho de sua doméstica que agora tem
direitos assegurados.
Os
protestos domingueiros nunca foram contra o PT ou a corrupção, mas sim contra o
povo, sim, esse povo que pega ônibus, que luta diariamente, que paga seus
impostos, que constrói a riqueza desse país com seu trabalho duro, seja no
campo ou na cidade, e que teve uma melhora significativa em sua vida através do
desenvolvimento de políticas públicas voltadas para essa população.
A
ascensão econômica, cultural e educacional das classes populares, nunca foi aceita
pelas elites deste país, que acreditam que a População Pobre existe para serví-los,
e somente isso, para essa elite é inadmissível ver pobres se formando no Nível
Superior, pois tem é que no máximo saber ler e escrever para poder trabalhar.
Políticas de distribuição de renda? Jamais, isso é assistencialismo, tem é que
voltar a trabalhar em condições análogas à escravidão. Direito trabalhista? É empecilho
para o pleno emprego. Reforma agrária? Nunca, isso é dar terra para vagabundo.
Cotas em universidades ou concursos públicos? Absurdo, somos todos iguais,
basta se esforçarem. Demarcação de terras indígenas e quilombolas? Imagina,
eles nem sabem o que fazer com a terra. É dessa maneira que as elites pensam, e
foi por isso que saíram às ruas, ajudadas por uma massa de pessoas que compraram
o discurso da meritocracia e acreditam fielmente que se tornarão ricos somente
trabalhando, e para garantir seus privilégios seculares, provenientes da
exploração do povo e da máquina pública.
Não
meus amigos, as panelas nunca foram contra o PT ou a corrupção, mas sim contra as classes populares, que, ainda que por um breve tempo, vislumbraram um futuro mais justo, democrático e igualitário!