domingo, 20 de dezembro de 2020

A importância dos atos antirracistas para derrubar o governo Bolsonaro-Mourão

 

 

Rafael Freitas

Professor. Militante do PCB.

 







Rafael Melo

Trabalhador da saúde. Sindicalista. Militante do PCB.








         O ano de 2020 encerra com um conjunto de mobilizações de caráter antirracista, que foram perpetradas mais uma vez, por trágicas e cruéis expressões do racismo estrutural que solidifica nossa sociedade de classes. Em Porto Alegre, diversas lutas em separado, movimentam a política local.

No dia 19 de novembro, um dia antes da data da Consciência Negra, João Alberto é morto, após ser espancado pelos seguranças do Carrefour, chamados MAGNO BRAZ BORGES e GIOVANE GASPAR DA SILVA- também da Brigada Militar. Após esse brutal assassinato, no dia seguinte teve manifestação em frente ao Carrefour onde aconteceu o fato, no bairro Passo D’Areia. E no dia 23, em frente o Carrefour da Bento Gonçalves. Nos dois atos, a Brigada Militar reprimiu os manifestantes, que revidaram com pedras e barricadas.

Na tarde do dia 8 de dezembro, a Brigada Militar invade sem mandato a residência da Promotora Legal Popular Jane Beatriz Silva Nunes, que foi morta em seguida pelos policiais armados e racistas. No seu local de moradia, espontaneamente os moradores da Vila Cruzeiro, usam a avenida Tronco para se manifestarem, e mais uma vez a Brigada Militar reprime os manifestantes, que revidam, queimando objetos nas duas vias da avenida e um carro. Dias mais tarde, há nova manifestação, dessa vez pacífica, na esquina entre as ruas Caixa Econômica e Cruzeiro do Sul, ainda assim com forte aparato polícia presente.

       Essas mobilizações em especial, aliadas à um conjunto de mobilizações populares que muitas vezes passam despercebidas, podem ter um sentido muito importante na correlação de forças, contra o governo Bolsonaro-Mourão.

      Primeiro, por seu caráter agregador, englobando em um cenário de descrença com o sistema político-burguês, a necessidade de ação do povo e de luta de classes. Dentro de um cenário político extremamente favorável ao avanço do conservadorismo, e em alguma medida, de um fascismo rejuvenescido, de nosso tempo, essas mobilizações têm um poder importante de mobilização. A combatividade política do povo negro sempre esteve ativa e necessária, mas em um contexto como o nosso, acabam servindo como estopim de uma explosão que acaba desacomodando até setores médio-progressistas, pela necessidade de reação popular imediata.

     Nesse fluxo, grandes mobilizações populares, além de serem táticas na luta de posição contra as opressões, acabam chamando atenção para uma luta mais imediata, distante da burocracia político-eleitoral e portanto, mais acessível à população. O conflito social fica em nossa frente, em nossas mãos.

     Também, precisamos compreender que pautas como o racismo, bate taticamente com força em um governo como o de Bolsonaro-Mourão. Mexem em microestruturas sociais de reprodução de poder, e quando massivamente organizadas, podem atrair forte reação popular. Podem inclusive reativar a necessidade de luta por outras pautas mais gerais que atingem toda a classe trabalhadora.

      Sabemos o quanto por vezes, faltam direção única e organização em atos de massas como esse. Mas esse quase-espontaneísmo inicial, serve de ingrediente atrativo para massificação. Por isso, nossa tarefa é colocar força nas mobilizações populares- com todos os cuidados sanitários devido a pandemia do COVID-19. A agenda é essa! Muito mais que belos acordos de frentes mirabolantes, focadas em eleições, precisamos agora investir forças na construção de um “caldeirão de lutas populares”. Em muitos países deu certo a estratégia de massificação das lutas. Acreditamos nessa linha. O governo reúne contradições, desestabilidade e incompetências o suficiente, para que a mobilização popular ao menos tencione sua base, coisa que “tuitaços”, memes e palavras de ordem como “eu avisei”, não vêm conseguindo fazer.



        A saída é o poder popular!






 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Precisamos falar sobre espaços vazios

 


Daniel da Luz Machado - Bacharel em Administração de Empresas pela Faculdade São Judas Tadeu e Bacharelando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.




    Vivemos um contexto político e social muito preocupante em nosso país. Não obstante uma economia balizada por uma desigualdade assustadora, estamos lidando com uma pandemia de proporções alarmantes no que tange a saúde pública e também com reflexos nefastos para população “na própria carne” e “no próprio bolso”, enfim um cenário perfeito para proliferação de discursos inconsistentes e vociferações vazias que no final ajudam a perpetuar o status quo que já era insalubre antes de sermos tombados pelo tsunami da covid – 19.

    Uma situação em especial eu gostaria de trazer para essa reflexão que dividirei com você leitor e que visualizo como uma das variáveis importantes para entender o vazio que convida o caos para bailar.

    No dia 04 de dezembro do corrente ano foi ao ar em suas plataformas digitais a primeira parte de um debate do Programa Ringue da PAN 85 com as participações de Guga Noblat, Kim Kataguiri , Fernando Holiday e o Professor Adriano Viaro, sendo o Professor Viaro um debatedor convidado representando um ponto de vista contrário ao do Fernando Holiday.

    O Professor Viaro é Mestre em História e um grande pesquisador das relações étnico-raciais, com especializações em sociologia, além de palestrante e Diretor de uma escola na cidade de São Leopoldo, enfim um educador em constante pesquisa e aprimoramento, que traz em sua argumentação a solidez por anos incansáveis de estudos. Do outro lado Fernando Holiday, o fruto político do vazio que proporciona o caos, com argumentações anacrônicas, inconsistentes e com uma densidade de castelo de areia construído perto do tradicional futebolzinho na praia.

    O Debate se deu com uma supremacia esperada por quem conhece o conteúdo do Professor Viaro face ao também esperado festival de inconsistências que Fernando Holiday certamente diria. Mas o que me causa bastante perplexidade são os comentários de algumas pessoas ligadas ao pensamento progressista ou de esquerda, que questionaram que o Professor não deveria “Ter dado voz e ibope” a um veículo de informação que saúda abertamente o establishment .

    Fico imaginando o quão nociva é a atitude de falar apenas com pares e os reflexos contundentes desse comportamento de caramujo que não sai da própria casca.

    Há poucos dias as eleições para prefeito aqui no estado do RS, para ficarmos na aldeia, trouxe vitórias de partidos conservadores , com histórico de governos jamais voltados para o bem estar da maioria da população que se aproveitam de discursos vazios de antipolítica , ou de medo de teorias comunistas (termo atualmente utilizado para definir tudo que não é de direita ou extrema direita) e parte da derrota dos campos mais progressistas, na minha opinião perpassam justamente por não encararem a realidade e acima de tudo por não ocuparem os espaços vazios.

    Fernando Holiday e Kim Kataguiri representam os oriundos do caos, representam o esvaziamento do discurso, a falácia do malabarismo retórico que não leva a lugar nenhum, representam o “velho” mal disfarçado de “novo” que construíram um capital social e político em cima da ausência do debate. Eles são malabaristas, mas quando contrapõem seus argumentos com quem seriamente estuda e se prepara e assume o papel de debater com eles sem se preocupar com o espaço e o momento, eles tremem, se anulam e mostram que parte do seu sucesso se deu pela falta de autocrítica e uma certa arrogância da esquerda e outros setores progressistas que se negam a discutir com eles.

    Os espaços estão ai. A direita está ocupando e se ferramentou bem antes da esquerda para isso. Ou avançamos e passamos a dividir esses espaços sem melindres e pompas, ou discursos vazios e muitas vezes desonestos intelectualmente como os do Holiday e do Kim se multiplicarão de tal forma que a mudança desse ciclo governamental distópico se prolongará por um período bem maior do que possamos aguentar.

  Façamos como o Professor Viaro que não se furtou do debate e não quis falar apenas aos seus pares, pois em tempo, somos minoria e se continuarmos apenas dentro da bolha, tenderemos a desaparecer.

Política e swing, o sentido é coletivo, a prática individual.

 

 

Jefferson Meister Pires é Bacharel em Ciências Sociais pela UFRGS, funcionário público e pesquisador.






     O pensamento binário domina como nunca a cena política brasileira, com demonstrações bizarras onde os movimentos dominantes tanto na situação (extrema direita, olavistas, etc.) quanto na oposição (esquerdas e alguns poucos gatos pingados no centro e direita) se alimentam do binarismo como forma de se perpetuar cada vez mais na disputa política em campos que seriam antagônicos, mas, quando observados mais atenciosamente em seus discursos e práticas, acabam por se mostrar muito mais próximos do que gostamos de admitir.

    Estamos falando claramente de grupos políticos que desejam ser “as elites” dentro da disputa político/cultural, porém, não se tratam necessariamente de elites econômicas e culturais, sendo muito mais coerente falar em grupos políticos fechados, quase impenetráveis e de pouco diálogo. Se comportam como figuras dominantes em um grande jogo, os donos da bola e do campinho ou os contestadores da rua de cima, se fecham em patotas que giram em uma dança interminável em torno do poder e de tudo aquilo que o poder oferece: cargos, dinheiro, prestígio, história, etc.

    Em recentes conversas com amigos seguidores de Bolsonaro, tentaram me convencer daquilo que já foram convencidos, que a jogadora de vôlei de praia Carol Solberg se manifestou em evento esportivo contra o presidente por ser canalha e burra (segundo os diversos posts os quais fizeram questão de me apresentar como provas) por ser canalha e burra é de esquerda (lógico, esquerdistas são ou canalhas ou burros ou ambos), por ser de esquerda é comunista, por ser comunista é petista. Assim como, mais recentemente, julgam todos aqueles que se posicionaram a favor de Joe Biden na corrida presidencial norte-americana.

    Em recente conversa com amigos que militam no PT, expus meus motivos para não defender as candidaturas as quais esse partido estiver ligado, mais do que isto, expus a eles os motivos para desejar que seja obliterado nesta e em todas as próximas eleições, motivos os quais venho observando em mais de vinte anos como funcionário público e militante de esquerda (não sei se sou só burro ou só canalha, provavelmente ambos). As respostas de meus amigos petistas são praticamente todas no mesmo sentido: “Se você quer virar à direita faça isso logo e não fique arranjando desculpas nos outros”; Ou seja, para vários amigos e colegas que militam no ParTidão, se você não seguir um modelo de ser esquerda (de preferência não questionando os erros do PT) você é pelego, sendo pelego você é gado, sendo gado você é de direita (e logicamente sendo de direita ou você é fascista ou não se importa que outros exerçam o fascismo).

    Este problema matemático nos coloca em tristes posições onde a própria discussão política desaparece, ela estará sempre ligada a aspectos pessoais e individualistas, desejos e interesses particulares os quais são desligados de qualquer noção de bem comum. A posição política se tornou mais importante do que a própria política, engessada e imutável até que em algum momento sejamos traídos por aqueles para os quais demos nosso sangue e suor, somente neste momento é que somos capazes de questionar aquilo que até então era inquestionável.

    Como aquela moça que disse ter sentido ciúmes do marido após ter se satisfeito nos atos sexuais em um swing em que participava, ao ver que o marido continuou se divertindo com o casal convidado, os agentes políticos binários estão preocupados exclusivamente com suas satisfações pessoais, se tornam cegos e incapazes de entender que a pluralidade de posições, pensamentos e principalmente satisfações é o que tornam possíveis a presença do humanismo e do amor nas diferentes questões da vida contemporânea, especialmente nas instituições de Estado, criadas com o intuito de servir a todos os cidadãos, independente de posições individuais.

    A cena política nacional, no momento em que escrevo este pequeno texto, é mais parecida com uma enorme suruba alimentada por cargos e privilégios, onde os poucos convidados fazem tudo que estiver ao seu alcance para que seja um clube fechado e sem rotatividade, só participam da festa aqueles que beijaram a “mão” do porteiro. E do lado de fora do surubão tem uma galera que se une para falar mal de toda essa esbórnia, mas que até ontem eram os donos da festa e não vêem a hora de voltar para o lado de dentro do clube dos prazeres.

    Confesso, ainda atordoado, que está se tornando cada vez mais difícil reconhecer as diferenças entre estes grupos do que suas semelhanças. Para encerrar deixo uma reflexão lida no Blog Universa do portal UOL de onde destaco um pequeno trecho deste fabuloso texto escrito pela Psicóloga, Terapeuta Sexual e blogueira, Ana Canosa:

    “No final das contas, não ser uma unanimidade é, de fato, o grande desafio do ser humano. E há quem aposte que, na cultura pós-moderna, marcada pelo capitalismo de consumo, nos voltamos cada vez mais para uma necessidade infantil de satisfação plena. Se não reconhecermos essa nossa porção cada vez mais narcisista, estaremos fadados a cavar cada vez mais fundo o buraco do vazio existencial, em vez de fazermos as pazes e conviver com ele.”

    Nossa política partidária abraça os sentimentos individualistas e narcisistas, mais ainda, se alimenta desses sentimentos para criar as brechas necessárias onde os ideais desaparecem e são substituídos pelas necessidades, necessidades de quem?