Como um entusiasta do fascismo inventou a nossa democracia representativa
Rafael Freitas, Historiador Alvoradense, Membro fixo do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata e Comunicador popular na Rádio Comunitária a Voz do Morro
No excelente texto chamado O
retorno do esquecido Getúlio Vargas http://saojoaodel-pueblo.blogspot.com.br ,
o historiador Alex Lombello Amaral afirmou algo impossível de contra
argumentar. Getúlio Dornelles Vargas, “por WO”, foi nosso melhor presidente. Gegê
foi presidente do Brasil duas vezes. A partir do golpe de 1930 até sofrer um
golpe em 1945. E depois, quando retornou democraticamente em 1951 e em 1954,
para não ser vítima de outro golpe, deixou o governo e a vida, simultaneamente.
Essa primeira etapa é
chamada “Era Vargas”, quando tivemos uma ditadura, que já existia durante a
“República Velha” e Getúlio Vargas a apoiava, ao cumprir tarefas de Borges de
Medeiros. Mas em 1931, o governo getulista criou a Lei de Sindicalização,
limitando cada categoria da classe trabalhadora a um único sindicato e
subordinando todos eles ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, recém
criado. O decreto n° 19.777 dispunha sobre a sindicalização das classes
operárias e patronais, isso é necessário destacar.
Empregados e patrões eram
tutelados pelo estado varguista. Sobre esta lei trabalhista, Mario Pedrosa,
filiado em 1945 na União Democrática Nacional, afirmou em 1978: “Nós, da
esquerda, queríamos sindicatos livres da tutela do Estado e combatíamos a nova
lei. Mas não há dúvida de que existia um ponto positivo- ela garantia os
sindicatos contra invasões policiais, freqüentes e comuns na época... Todos
diziam que a nova lei era fascista, mas no interior, se os sindicatos não
recebessem as garantias que ela oferecia, não teriam condições de
sobrevivência”. Antes disso, segundo Leonel Brizola, os sindicatos enfrentavam
as violências dos governos e polícias estaduais, além de prefeitos, empresários
e autoridades religiosas. Como foi dito antes, a “República Velha” também era
uma ditadura, e com a “Era Vargas” os sindicatos eram ao mesmo tempo
controlados, por outro lado legalizados.
Quanto essa polêmica, Getúlio Vargas defendia que Estado deveria
estimular a mentalidade associativista, valorizando cada sindicato como uma
entidade, mas exercendo sobre ele certo controle para evitar excessos. Os
sindicatos teriam duas vantagens na sua visão, fortalecimento dos trabalhadores
e facilitar o diálogo entre os trabalhadores e o Estado, através dos seus
líderes. Ainda em 1931, o governo assinou o decreto 20.291 conhecido como Lei
dos 2/3, para garantir a presença mínima de 2/3 de empregados nacionais na
indústria e no comércio, nacionalizando a classe proletária, em um regime de
prioridade para o trabalhador nacional.
Em agosto de 1931, foi criado o Código dos Interventores,
estabelecendo as normas de conduta dos governantes estaduais nomeados por
Getúlio Vargas. Todos os presidentes (como se chamavam os atuais governadores) foram
demitidos pelo governo central, logo após novembro de 1930, exceto o de Minas
Gerais, e em seus lugares nomeados interventores de confiança do presidente que
tinha assumido o poder executivo e legislativo, ao dissolver o Congresso
Nacional. Dessa maneira, reciclava a “República Oligárquica”, conservando o que
já havia antes de tomar o poder pela via armada.
Outras medidas foram o estabelecimento de um estatuto para as
universidades brasileiras, a organização da Universidade do Rio de Janeiro, e
uma reforma do ensino secundário. Essas foram as primeiras ações do que os
trabalhistas hodiernos e os seus simpatizantes chamam de “Revolução de 30”.
Uma das polêmicas da Era Vargas foi a sua legislação trabalhista
da CLT, que possuía 922 artigos, acusada por muitos intelectuais de ser
inspirada no modelo fascista da “Carta del Lavoro”, editada em 21 de abril de 1927 e copiada a
posteriori, por diversos países, como Portugal, Turquia e Brasil. É importante a análise desse documento para concluirmos se
Getúlio Vargas foi ou não foi um fascista brasileiro. Abaixo transcrevemos a
mesma:
1.
A Nação italiana é um organismo com fins, vida, meios e
ações superiores por potência e extensa aqueles indivíduos separados ou
reagrupados que a compõem. É uma unidade moral, política e econômica, que se
realiza integralmente no Estado fascista.
2.
O trabalho, sob todas as formas organizativas e executivas,
intelectuais, técnicas, manuais é um dever social. A este título, é tutelado
pelo Estado. O complexo da produção é unitário do ponto de vista nacional; os
seus objetivos são unitários e se reassumem no benefício dos particulares e no
desenvolvimento da potência nacional.
3.
A organização sindical ou profissional é livre. Mas somente
o sindicato legalmente reconhecido e submisso ao controle do estado tem o
direito de representar legalmente a categoria dos empregadores ou de
trabalhadores para a qual é constituído; de tutelar-lhes, face ao Estado e
outras organizações profissionais, os interesses; de estipular contratos
coletivos de trabalho obrigatórios para todos os pertencentes da categoria, de
impor-lhes contribuições e de exercitar, por conta disto, funções delegadas de
interesse público.
4.
No contrato coletivo de trabalho encontra a sua expressão
concreta de solidariedade entre os vários fatores da produção, mediante a
conciliação dos interesses opostos dos empregadores e dos trabalhadores, e a
sua subordinação aos interesses superiores da produção.
5.
A magistratura do trabalho é o órgão com o qual o Estado
intervém a regular as controvérsias do trabalho, seja pela observância dos
acordos e de outras normas existentes, seja pela determinação de novas
condições de trabalho.
6.
As associações profissionais legalmente reconhecidas
asseguram a igualdade jurídica entre os empregadores e os trabalhadores,
mantendo a disciplina da produção e do trabalho e lhe promovendo o
aperfeiçoamento. As Corporações constituem as organizações unitárias da força
da produção e lhe representam integralmente os interesses. Em virtude desta
representação integral, sendo os interesses nacionais, as Corporações são
reconhecidas pela lei como órgãos do Estado.
7.
Como representantes dos interesses unitários da produção,
as Corporações podem ditar normas obrigatórias sobre a disciplina das relações
de trabalho e também sobre coordenação da produção, todas as vezes que tiveram
os necessários poderes das associações coordenadas.
8.
O Estado corporativo considera a iniciativa no campo da
produção como o instrumento mais eficaz útil no interesse da nação. A
organização privada da produção, sendo uma função de interesse nacional, o
organizador do empreendimento é responsável pelo endereço da produção face do
Estado. Da colaboração das forças produtivas deriva a reciprocidade de direitos
e deveres. O prestador de serviços, técnico, empregado ou operários é um
colaborador ativo do empreendimento econômico, no sentido do qual cabe ao
empregador a responsabilidade pelos mesmos.
9.
As ações dos sindicatos, o serviço conciliativo dos órgãos
corporativos e as sentenças da magistraturas do trabalho garantem a
correspondências do salário ante as exigências normais de vida, às
possibilidades da produção e ao rendimento do trabalho. A determinação do salário
é subtraída a qualquer norma geral e confiada ao acordo das partes nos
contratos coletivos.1
10.
As consequências das crises de produção e dos fenômenos
monetários devem igualmente repartir-se entre todos os fatores da produção. Os
dados relevantes acerca das condições da produção e do trabalho e a situação do
mercado monetário, e as variações do nível de vida dos prestadores de serviço,
coordenados e elaborados pelo Ministério das Corporações, darão o critério para
conformar os interesses das várias categorias, das classes entre elas, e destes
co-interesses superiores da produção.
11.
Quando a retribuição for estabelecida por tarefa, e a
liquidação das tarefas for feita em períodos superiores à quinzena, são devidos
adiantamentos quinzenais ou semanais.O trabalho noturno, não compreendido em
regulares turnos periódicos, vem retribuindo com um percentual maior do que o
diurno. Quando o trabalho for retribuído por tarefa, os valores das tarefas
devem ser determinados de modo que o operário trabalhador, de normal capacidade
produtiva, seja permitido conseguir um ganho mínimo além da base paga.
12.
As infrações à disciplina os atos que perturbem o normal
andamento da empresa, cometidas pelo trabalhador, são punidas, segundo a
gravidade da falta, com multa, com a suspensão do trabalho e, para os casos
mais graves, com a demissão imediata sem indenização. Serão especificados os
casos nos quais o empregador poderá aplicar a multa ou a suspensão ou demissão
imediata sem indenização.
13.
O contrato coletivo de trabalho estende seus benefícios e a
sua disciplina também aos trabalhadores a domicílio.
14.
O Estado verifica e controla o fenômeno da ocupação e da
desocupação dos trabalhadores, índice complessivo das condições da produção e
do trabalho.
15.
Os escritórios de
colocação são constituídos de forma paritária, sob o controle dos órgãos
corporativos do Estado. Os empregadores têm a obrigação de assumir os
prestadores de serviço pelo funcionamento do mencionado escritório. A esses é
concedida a faculdade de escolha no âmbito dos inscritos no elenco, com
preferência àqueles que pertençam ao Partido e aos Sindicatos fascistas,
segundo a antiguidade de inscrição.
16.
As associações profissionais de trabalhadores têm a
obrigação de exercitar uma ação seletiva entre os trabalhadores, com o objetivo
de elevar-lhes sempre mais a capacidade técnica e o valor moral.
17.
Os órgãos corporativos observarão, porque são observadas as
leis sobre prevenção dos infortúnios e sobre polícia do trabalho da parte dos
indivíduos das associações coordenadas.
18.
A previdência é uma alta manifestação do princípio de
colaboração. Os empregadores e os prestadores de serviço devem contribuir
proporcionalmente aos custos desta.
19.
O Estado fascista propõe:
o aperfeiçoamento do seguro de acidentes;
à melhoria e extensão do seguro maternidade;
ao seguro das doenças profissionais e das tuberculoses,
assim como ao início do seguro geral contra todas as doenças;
o aperfeiçoamento do seguro contra a desocupação
involuntária;
a adoção de formas especiais de seguros para os jovens
trabalhadores
20.
A educação e instrução, especialmente a instrução
profissional, dos representantes, sócios e não sócios, é um dos principais
deveres das associações profissionais. Estes devem sustentar ações das obras
nacionais relativa ao Dopolavoro e
outras iniciativas de educação.
Vimos, acima, que a idéia central no trabalhismo de “conciliação
de classe” esteve contida também na “Carta del Lavoro”, que estabelecia no ítem 4 a mediação de “conciliação dos interesses
opostos dos empregadores e dos trabalhadores “. Outro elemento comum ao
trabalhismo e ao fascismo de Mussolini, foi colocar o trabalho na lei, pois na
“Carta del Lavoro” o Estado Fascista propunha seguro de acidentes, seguro
maternidade, seguro geral contra doenças, seguro contra a desocupação
involuntária, e seguro para os jovens
trabalhadores. O fascismo e o trabalhismo provocaram melhoras nas condições de
trabalho, pelo menos em teoria, nas escritas de suas leis.
Em 1927, Mussolini impôs através da Carta de Lavoro, a instituição
na Itália da justiça do trabalho e as normas
do adicional para trabalho noturno, descanso semanal e férias anuais. No
Brasil e na Itália houve a ausência de
liberdade sindical e o imposto sindical compulsório. Outra síntese entre trabalhismo getulista e fascismo de Mussolini
foi a parceria entre Estado Nacional e Igreja católica. Havia uma colaboração
entre a igreja católica e o governo de Getúlio Vargas, bem representada durante
a inauguração da estátua do Cristo Redentor no Corcovado em 12 de outubro de
1931. Dentro dessa parceria, a igreja levava a massa da população católica a
apoiar o novo governo. Em troca, Vargas cedia aos religiosos, como em abril de
1931, quando um decreto do Governo Provisório permitiu o ensino religioso nas
escolas públicas.
Por ser um ditador, Getúlio Vargas foi o inventor de nossa
democracia representativa, basta lembrar que o presidente Eurico Gaspar Dutra
governou inicialmente sob o Estado Novo e após um golpe contra o mesmo gaúcho
de São Borja. Em 1951 começou a democracia representativa no Brasil, liderada
pelo tirano e nosso melhor presidente, Getúlio Vargas, que inspirou o soneto
ali abaixo:
Referências:
D’Araujo, Maria Celina
(Org.). As instituições da Era Vargas.
Rio de Janeiro: Ed. UERJ:
Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999.
FAUSTO, Bóris. História do Brasil. 2 ° ed. Editora da Universidade de São Paulo:
Fundação do desenvolvimento da Educação, 1995. (Didática I).
FENELON, Dea Ribeiro. 50 textos
de História do Brasil. São Paulo: Hucitec, 1990.
PERICÁS, Luiz Bernardo. SECCO, Lincoln (ORGS.). Intérpretes
do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. São Paulo: Boitempo, 2014.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. RS: A economia & o poder nos anos
30. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980.
RIBEIRO, José Augusto. A Era Vargas. Volume 1: 1882-1950. Rio
de Janeiro: Casa Jorge, 2001.