Paulinho dos Santos é Acadêmico de Ciências Sociais pela UFRGS e Militante de Causas Sociais
Precisamos
falar sobre bullying e sobre acesso a armas de fogo
Mais
uma vez o Brasil chora por mortes em escola. Em menos de um mês,
fomos surpreendidos por dois graves ataques. O primeiro, em uma
escola de educação pública infantil de Minas Gerais, quando um
vigia daquela instituição ateou fogo em algumas crianças e em si
próprio. O segundo, em uma escola particular de Goiás, um
adolescente atirou contra os próprios colegas dentro da sala de
aula.
Não
pretendo me ater ao primeiro caso, que, segundo investigações
policiais, está ligado a transtornos mentais sofridos pelo
criminoso. Também não quero escrever especificamente sobre o
segundo, mas sobre as questões que o envolve. Ou seja, penso que
precisamos falar sobre bullying e sobre acesso a armas de fogo.
Os
adultos de hoje, entre os quais me incluo, são de uma geração em
que era muito comum a propagação de piadas de cunho racista,
machista, homofóbica, gordofóbica, xenófoba, etc., ou seja,
costumávamos ouvir e promover piadas que atacavam determinados
grupos. Não que agora isso tenha acabado, mas, entre os ouvintes,
sempre tem, ao menos uma pessoa, que se sente desconfortável com
piadas que possuem algumas dessas características.
Além
disso, também somos de um tempo em que era muito comum rir de um
colega em sala de aula por alguma característica que este
apresentava. Era normal fazer chacota do “CDF”, rir do
“espinhento”, brincar com o “BV”, tirar sarro do “nanico”,
do “gordinho”, do “viado” e da “sapatona”. Os apelidos
bizarros eram os que mais pegavam, principalmente se o apelidado se
sentisse ofendido.
Não
se falava em bullying. Aliás, esse conceito nem era conhecido, ao
menos para as bandas de cá, do lado de baixo do equador, tendo em
vista que o termo só passou a ser utilizado a partir de 1999, com o
Massacre de Columbine1.
Assim, quando fatos como os já relatados acima aconteciam, os
conselhos dos pais, dos educadores e dos demais adultos eram sempre
no sentido de não se vitimizar, de não se permitir ser atacado por
aqueles que ofendiam, e, com isso, naturalizar os ataques sofridos
gratuitamente.
Por
isso, hoje, ainda é muito difícil falar sobre bullying. Ainda é
muito difícil convencer os adultos sobre os males que o bullying
pode ocasionar na vida de uma criança e de um adolescente. Ainda é
difícil fazer com que as pessoas entendam o quanto o bullying fere a
criança e o adolescente no seu psicológico.
O
menino que atacou os seus colegas em sala de aula, levava consigo, em
sua bagagem, muito mais do que o revolver dos pais. Ele levava,
também, todo um sofrimento de morte por causa dos insultos que
recebia. Seu apelido se referia ao fato de este não utilizar
desodorante, ou talvez, quem sabe, por ter algum problema nas
glândulas sudoríparas que acaba aumentando a produção de suor e,
com isso, fortificando o cheiro de gente.
Aqueles
que sofreram o ataque, sobretudo aqueles dois meninos que morreram,
talvez até agora não saibam o porquê dos tiros. Afinal era apenas
uma brincadeira. Levar um desodorante para a sala de aula para
“presentear o colega” era nada além de uma brincadeira que não
tinha intenção de magoar nem ferir ninguém.
Os
que cometem bullying, muitas vezes, não sabem a dor que estão
causando àqueles que sofrem as brincadeiras, as piadas, os ataques.
Os que cometem bullying, o fazem por diversão. Os que sofrem
bullying, sofrem na alma.
É
necessário traduzirmos isso às pessoas. Um adolescente está em um
grande processo de convulsão sentimental. O adolescente sofre muito
mais do que um adulto. Um adolescente está um período da vida em
que deixou de ser criança, mas ainda é tratado como criança quando
se tratam de certos de assuntos, principalmente pelos pais, e não é
adulto, mas, por vezes, é cobrado como um adulto sobre questões de
responsabilidade.
Assim,
é normal que o sentimento de frustração tome conta de um
adolescente. E, como somos ensinados desde criança a escondermos os
nossos sentimentos (“não chore na frente dos outros”, “não
diga que não gosta de determinada coisa”, etc.), principalmente os
de decepção e tristeza, o adolescente tende pensar que ele é o
único que deu errado na vida. Que, em si, ele é uma decepção para
os pais e para os amigos. Ou melhor, que é impossível ter amigos
diante do tamanho do fracasso que é a sua vida.
Não
me entendam mal. Não estou querendo dizer que os colegas do
adolescente atirador, são culpados por terem despertado essa ira do
menino. Todos são vítimas nessa situação. Ao mesmo tempo, talvez
todos nós estejamos falhando, afinal, todos somos responsáveis por
protegermos e promovermos situações dignas de vida às crianças e
aos adolescentes, como preconiza a nossa Constituição Federal de
1988.
Todos
falhamos quando não conseguimos nos comunicar com as crianças e com
os adolescentes ao ponto de fazê-los compreender que todos somos
imperfeitos. Todos falhamos quando não conseguimos abrir espaço
para que esses meninos e meninas possam conversar sobre suas
angústias, seus erros, suas desesperanças.
Esse
menino que atirou nos seus colegas, o fez, provavelmente, porque seus
sentimentos o sufocava. Mas fez, principalmente, porque tinha acesso
a uma arma de fogo. Seus pais, por serem policiais militares, têm
porte de arma e, por isso, podem tê-las em casa. E esse adolescente,
ao se sentir sufocado, se utilizou dela para aquilo que é o objetivo
da sua fabricação: atirar em pessoas e matar.
Quantos
são os relatos de crianças que encontraram as armas de seus pais em
casa e, sem perceberem o perigo, ao brincarem com elas, acabaram
acertando a si ou a outrem. Além destes, também há relatos de
adolescentes que se utilizaram de armas para ferir a si ou àqueles a
que tinham por desafetos.
E,
caso aqueles defensores da liberação das armas alcancem seus
objetivos, quantas serão as crianças e adolescentes que estarão
expostos ao perigo de se ter uma arma de fogo à mão?
A
solução para o avanço da criminalidade não passa pela liberação
do porte das armas de fogo. Mas por políticas públicas que sejam
capazes de distribuir renda e criar justiça social no país.
Sobre
o bullying e demais questões afetas às crianças e aos
adolescentes, é preciso que tenhamos ações efetivas. Precisamos
fortalecer ainda mais o Sistema de Garantia de Direitos das Crianças
e Adolescentes. Precisamos fortificar a rede de proteção.
Precisamos unificar os agentes públicos em uma política concreta.
Lembro,
quando presidi o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente em Sapucaia do Sul, já aconteciam reuniões mensais do
que chamávamos rede de enfrentamento à violência. Nessas reuniões,
o Fórum das Entidades da Sociedade Civil, organizado pelo Conselho
de Direitos, juntava os agentes envolvidos com a política de
crianças e adolescentes da cidade para debater os grandes temas do
momento e traçar linhas de atuação conjunta.
Precisamos,
cada vez mais, de ações como essas. Precisamos nos aproximar dessa
nossa juventude que ainda não se tornou adulta não para tirar-lhes
a autonomia, mas para dizer que sempre têm com quem contar. As
crianças e os adolescentes precisam saber que o afeto não acaba. E
o afeto efetivo pode salvar vidas.
1
Massacre escolar ocorrido no dia 20 de abril de 1999 na Columbine
High School, em Columbine, nos Estados Unidos, cometido por alunos
seniores que mataram outros 12 alunos e um professor, além de
ferirem outras 21 pessoas.
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