sábado, 23 de setembro de 2017

ESTAMOS DOENTES

Letícia Roxo é Licenciada em História pela FAPA - Professora da Rede Pública Estadual.













                                                          ESTAMOS DOENTES

                        Nos últimos dias tenho pensado sobre os motivos da licença saúde do governador do Estado do Rio Grande do Sul que alegou estar estressado. Não duvido do stress do governador, no entanto questiono a intensidade desse stress em comparação a qualquer servidor público do Estado. A atual realidade financeira e psicológica  dos servidores me parece muito mais complicada de resolver. Afinal, o governador entra em licença e vai para um Resort caríssimo no Costão do Santinho relaxar. E o servidor pode fazer o mesmo? Creio que não! Quando que um servidor que tem seu salário defasado e parcelado a 21 meses, onde Banrisul lhe cobra juros em cima de juros, onde ele deve aluguel, condomínio, luz, cartão de crédito e etc. vai poder descansar no litoral catarinense num Resort caro?

                        Especificamente, professores e funcionários de escola não conseguem sequer descansar, pois todo mês é um tormento. Chegamos a uma conclusão muito triste: profissionais da educação aqui no RS não têm qualidade de vida, seja pela desvalorização e humilhação em que tem vivido a quase dois anos com estes parcelamentos, falta de reajustes e aumento salarial, seja pelas condições nas quais trabalha: escolas sucateadas, salas lotadas, falta de infraestrutura, falta de incentivo no aperfeiçoamento educacional, indisciplina de alunos, falta de respeito da sociedade, e por ai vai.

                        O artigo QUALIDADE DE VIDA DOS PROFESSORES: UM BEM PARA TODOS de Martins Vicente Rodriguez Y Rodriguez e Joemar Braga Alves aborda o tema da qualidade de vida dos docentes.  Relaciona a qualidade de vida a fatores como saúde, ambiente de trabalho e motivação para a prática docente.

                        Os autores identificam a desvalorização da profissão, o desrespeito do profissional, péssimas condições de trabalho, falta de incentivo financeiro e acadêmico, geram problemas psicológicos, psiquiátricos, cardíacos, depressão e estresse, muito comum entre os professores.

                        O impedimento da profissão docente em função de adoecimento do profissional é um tema relevante, principalmente nos dias contemporâneos, e no Estado do Rio Grande do Sul, onde as preocupações dos profissionais com a qualidade do ensino é culpabilizada a nós, professores, onde o ambiente e a infraestrutura de trabalho são muitas vezes precárias, onde as políticas públicas que priorizam a educação não são cumpridas e por fim, o desrespeito e a desvalorização do professor, tanto pela sociedade quanto, principalmente, do governo são constantes.

             O ataque de um projeto de governo que ridiculariza a classe, parcela salários, que não cumpre com o que é estabelecido em lei e não é responsabilizado judicialmente e, ainda, faz declarações públicas ameaçando o servidor. Estas questões contribuem e muito para o adoecimento psicológico e o desespero financeiro do docente. Neste contexto, os autores, na pág. 12 citam Perrenoud e Nóvoa.

“Os problemas vividos pelos professores”, no atual contexto da pós-modernidade, são examinados e explorados para se tentar chamar a atenção da sociedade, de que o insucesso escolar não é de responsabilidade única do professor, mas está relacionado com a forma em que a sociedade atual trata a própria escola e a educação. Nessa perspectiva, um elemento importante, reconhecido com um dos responsáveis para desencadear e moldar o “mal estar docente”, é a falta de apoio, as críticas, a negação de legitimidade à escola para desempenhar um papel significativo na formação de sujeitos profissionais e cidadãos (PERRENOUD, 1997; ESTEVE, 1999; NÓVOA, 1995).


                     Como educar, ensinar, construir o conhecimento com a sociedade se não estamos saudáveis, motivados? É necessário que a sociedade e o governo percebam que é muito difícil melhorar a qualidade de ensino se não derem condições físicas, intelectuais, financeiras e psicológicas, além de reconhecimento e respeito que os profissionais em educação tanto precisam e merecem. Os autores trazem a síndrome de “burnout” como uma consequência direta desse quadro. Onde, conforme eles, o docente acaba desenvolvendo um stress crônico e passa a demonstrar sintomas agressivos a sua saúde e a sua profissão. 


“Está configurada num quadro de apatia, desânimo, situação crônica de tensão emocional e de insatisfação com o que fazem. Tem como indicadores: a baixa produtividade do professor como consequência da síndrome; uma situação crônica de tensão emocional, de insatisfação com o que fazem, enquanto persistem nessa situação de desconforto e permanência no trabalho; a revelação de atitudes negativas frente às tarefas típicas da sua função; apresentam dificuldades de relacionamento com os colegas de trabalho e com os alunos; estão em permanente esgotamento emocional e passam a justificar, com isso, sua apatia, sua falta de esforço no trabalho.” (pág. 15).

                          Por fim, afirmam que a motivação é um dos fatores que levam a melhoria da qualidade de vida pessoal e profissional do ser humano.  Logo a motivação atua na busca da satisfação em ter seus interesses realizados com êxito. Isso faz com que o ser humano encontre razão e busque realizar a suas necessidades. Essa motivação é de diversas origens, podendo ser respeito e valorização profissional, incentivos acadêmicos, elogios públicos, plano de carreira e remuneração atrativa e etc.

                         As relações de trabalho e as condições são determinantes para a boa ou má saúde do trabalhador, assim percebemos que o ambiente e a relação que se estabelece entre e o meio e o professor influência em seu comportamento e sua saúde. Desta forma, investir na qualidade de vida do profissional da educação é se preocupar com a evolução da sociedade, é repensar o significado de educação e concluir que saúde física, psicológica, psiquiátrica do professor é uma necessidade social.

                   Portanto, estamos doentes, é fato! Mas que a doença da categoria seja o gatilho, a faísca para exigirmos melhorias que possam nos curar. 

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Greves, Lutas e Inimigos na Trincheira



Daniel da Luz Machado é Bacharel em Administração de Empresas pela Faculdade São Judas Tadeu e Bacharelando em Ciências Sociais pela UFRGS



Greve, Lutas e Inimigos na Trincheira


          Nas duas últimas semanas dividi o meu tempo entre as aulas no Curso de Ciências Sociais na UFRGS, algumas atividades como assistir a um seminário de ações afirmativas e um lançamento do livro “Ricos podres de ricos” do Professor Antônio David Cattani e militância em relação a greve que os educadores do RS estão realizando, mas o porquê desse relato ao meu querido leitor.
     Em um primeiro momento minha militância de educador e minhas atividades acadêmicas talvez não se embriquem, mas é justamente o contrário que me instiga a essa reflexão.
       No lançamento do excelente livro “Ricos podres de ricos” do Professor da UFRGS Antônio David Cattani, eu e os demais presentes fomos contemplados com uma excelente palestra de Cientistas Sociais, Aliás Ciência é algo que parece não ter mais vez em tempos TEMERÁRIOS, pois cada vez o ato de pensar e produzir reflexões sofre com a perda de recursos, mas voltando a palestra sai dela ainda mais convicto que boa parte dos oprimidos repetem o discurso do opressor, e não apenas o discurso, mas seu ideário e sistemática de ações.
       O Seminário de ações afirmativas realizado em dois dias, também trouxeram a tona fatos angustiantes. Alguns conhecidos e outros explicitados com maior amplitude e também nesse seminário a certeza de que o fã clube dos opressores aumenta cada vez mais.
E chego na minha terceira citação em termos de rotina que é justamente a greve dos educadores, greve essa originada em função da perda total da nossa dignidade, pois perante ao atual governo do estado, o funcionalismo público menos ( a elite judiciária e legislativa) não precisa de salários. Antes que algum incauto tente me alertar das destinações independentes dos poderes na questão orçamentária, friso que a independência, ainda que prevista na lei, recorre em termos de arrecadação a uma única fonte, portanto os argumentos podem ser legais, mas no mínimo não mantém o bom senso e o princípio da isonomia, mas sem ser prolixo e indo ao ponto comum entre minhas três citações, também na greve presenciei que boa parte de servidores que igualmente são aviltados, além de não aderirem a uma luta que é de toda categoria, também somam-se aos mesmos que os oprimem e sendo assim fazem do seu egocentrismo e ideário opressor, destituído de qualquer sentimento de classes uma tônica triste e inapropriada. Defendem os donos do poder, defendem o ideário de uma classe a qual não pertencem e tudo isso me leva de volta aos seminários assistidos e principalmente a leitura do livro “ Ricos, podres de ricos” do Professor Cattani.
       Acreditem na greve dos educadores, alguns educadores assumiram o papel de inimigos na trincheira, não apenas boicotando, como refutando todos esforços de quem está na luta em prol dos direitos que contemplam toda classe. Houve um tempo onde as greves da educação eram prejudicadas pelo anseio de uma parte de educadores em relação ao seu período de férias, porém hoje não é mais essa uma questão impeditiva e ai cito palavras do Professor Catanni em sua palestra que um dos males que estamos enfrentando nessa luta contra o consumismo exacerbado é a de que o ideário neoliberal deixou de ser plataforma de governo para se configurar em ideário de vida pessoal. Deve ser esse o tipo de ideário que perpassa na mente de um educador que boicota o seu colega no ato de uma luta que é de todos.
       Deve ser esse o ideário que faz com que nossas trincheiras componham um bom número de inimigos.
         Deixo essa frase do livro “Ricos, podres de ricos” como reflexão aos colegas que não estão com água no pescoço e no alto do seu egocentrismo refutam quem está de greve e militando pela classe:
“Um indivíduo pode ter posses acima da média e isso não significa nada, uma vez que ele não chega aos pés dos verdadeiramente ricos”.(Cattani, Antônio David pg 25)


      Portanto sequer combina com uma classe tão defasada em termos de remuneração a adoção do ideário de uma classe da qual não fazem parte.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

GREVE DO MAGISTÉRIO ESTADUAL DO RS

Josiane Bandinelli é Licenciada em Biologia pela PUCRS - Mestre em Biologia Celular e Molecular pela PUCRS, professora da Rede Pública Estadual.











GREVE DO MAGISTÉRIO ESTADUAL DO RS



                        Muitos criticam os professores do magistério estadual que estão em greve... Infelizmente, a comunidade, em geral, segue sempre com o seu imenso egocentrismo, com dificuldades mil em se pôr no lugar do outro. Trabalhar e não receber... ninguém pode, exceto professores, pois os alunos serão prejudicados. Cá entre nós... os alunos estão sendo prejudicados a décadas! 

                       Com professores desmotivados, sobrecarregados (pois é preciso trabalhar muitas horas em sala de aula para conseguir pagar suas despesas básicas. Falo básicas mesmo... sem luxo algum! Nem mesmo comprar livros, participar de eventos culturais, realizar cursos de aperfeiçoamento... e por aí vai!). O que é importante para a sociedade é ter um “professor” dentro da sala de aula, indiferente se a disciplina que lhe é ofertada seja a da sua área de formação, indiferente se a saúde física e emocional desse professor vai bem. Isso é qualidade? 

         Escolas caindo aos pedaços, ambientes deprimidos, sucateados... Salas de aula insuportavelmente quentes, sem cortinas adequadas, com uma péssima acústica, lotadas... onde o professor passa mais tempo pedindo silêncio do que discutindo o conteúdo. Os alunos chegam na escola querendo ir embora... O professor chega na escola querendo ir embora... Isso é qualidade?! Isso tudo é só culpa do professor? Por favor, não sejamos hipócritas!!! 

                  Todos estamos cientes que o salário do magistério estadual sempre foi baixo, mas o que confortava a muitos de nós era o simples fato de saber que no final do mês, o salário era pago. E agora... o que nos conforta???

                Há quem diga que greve nunca resolveu e nem nunca irá resolver nada, mas seguir angustiado, tenso, estressado, infeliz com a insegurança de não saber se terá salário para honrar as despesas, para por comida na mesa, para pagar a água e a luz, para se vestir, para se deslocar, resolve?! É justo os professores com seu salário miserável, parcelado e atrasado ficarem pagando (o que não tem) para trabalhar??? Ficar assistindo a tudo que tem acontecido em nossa sociedade de braços cruzados, agindo como se tudo estivesse como deveria estar, resolve?

                  Poxa gente... Sabe o que resolveria... a sociedade apoiar, de fato, a greve dos professores estaduais. Afinal, seus filhos estão no mesmo ambiente que nós. Nós estamos do mesmo lado da balança!!!! Será que é tão difícil enxergar isso??? Imaginem se o governo resolvesse fechar as escolas públicas estaduais... já pararam para pensar??? Onde iriam estudar a maior parte dos alunos do estado do Rio Grande do Sul que dependem da escola pública estadual??? É por isso que eu digo que estamos do mesmo lado!!!

                  Estamos tão arrasados com essa situação que precisamos fazer alguma coisa! Do jeito que está não dá mais para continuar!!! O estado já vem perdendo professores a anos e se as coisas continuarem assim... vai perder ainda mais. É por isso a nossa luta!!!! Precisamos nos apoiar!!!! 

                  Precisamos estarmos juntos!!! Juntos... alunos, pais, professores... só assim essa greve pode fazer a diferença para todos nós!

sábado, 16 de setembro de 2017

Reflexões acerca da reorganização das esquerdas


Paulinho dos Santos é Acadêmico de Ciências Sociais na UFRGS e Militante de Causas Sociais.




Reflexões acerca da reorganização das esquerdas

Contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática.” Antonio Gramsci.
Depois de alguns anos de certo otimismo social no Brasil, em que governos de alinhamento popular com viés ideológico de centroesquerda promoveram políticas de superação da extrema pobreza e da fome, políticas de inclusão social e econômica, o país volta a mergulhar em um período obscuro de avanço das forças neoliberais, nos governos, e das forças extremamente conservadoras, na sociedade, que disputam, ferrenhamente, o processo de hegemonia.
O início dos anos 2000, o tão esperado século XXI, chegou trazendo novos ares às terras brasileiras. Pela primeira vez na história da nova república um partido ideologicamente posicionado à esquerda, no campo político, governaria o país a partir de eleição majoritária.
É verdade que Luís Inácio Lula da Silva chegou ao governo federal com a promessa de manter a conciliação entre as classes sociais, o que foi expresso na tão comentada “Carta ao Povo Brasileiro”, mas também é verdade que Lula e o PT levaram consigo a esperança de um povo excluído, desde o processo de colonização do Brasil, tanto na esfera econômica, quanto social.
É inegável o sucesso dos governos petistas. Milhões de brasileiros fora da linha da miséria, milhares de jovens nas universidades a partir do PROUNI, REUNI, SISU, FIES, uma ampla política de cotas raciais e sociais, pleno emprego, etc.. Do outro lado, aumento dos lucros dos bancos e das grandes empresas, sobretudo das responsáveis pelos setores automobilístico e da construção civil. Ou seja, assim como as políticas do governo Lula geraram resultados positivos às classes mais populares, os mais ricos também ganharam e ganharam muito.
A repercussão dessas políticas se mostram nas sucessivas vitórias eleitorais do PT ao governo federal e na grande aceitação que Lula apresentava entre o eleitorado.
Mas, como chegamos até aqui? O que trouxe de volta toda essa onda conservadora e maniqueísta à sociedade brasileira? Como Lula, o PT e o conjunto da esquerda, com seus símbolos e programas, passaram a ser tão perseguidos por determinados setores da sociedade?
Esse texto, penso, traz um conjunto de suposições que poderiam ser testadas mais adiante, a partir de uma análise séria e responsável daqueles que se propõe a pesquisar cientificamente o processo democrático. No presente momento, não me coloco a fazer análise alguma, mas procuro refletir possíveis saídas para a crise em que a esquerda brasileira está envolvida.
Após 10 anos do início dos governos petistas, 2013 parecia ser o início de uma grande celebração que findaria apenas em 2014, passado a Copa do Mundo, com a reeleição do governo de Dilma Rousseff.
No entanto, como escrevera o grande poeta Carlos Drummond de Andrade, “no meio do caminho tinha uma pedra” e, tanto o governo quanto as forças que o compunham, sobretudo o PT, partido da presidenta, se chocaram com todo aquele conjunto de manifestações que tomou conta do país no início da Copa das Confederações, com os protestos de junho de 2013.
Não estou entre aqueles que pensam que as manifestações foram organizadas por um grupo conservador de direita para desestabilizar o governo Dilma. Mas acredito que, em um determinado momento, as manifestações foram utilizadas para esse fim.
Inicialmente, como é sabido, os protestos foram voltados ao aumento do valor das passagens de ônibus pela prefeitura de Porto Alegre que, em seguida, fora acompanhado por São Paulo e outras grandes capitais.
A forte repressão que os manifestantes receberam da Polícia Militar do estado de São Paulo fez com que a onda de protestos ficasse mais acalorada por todo o país. Com isso, as manifestações que iniciaram pedindo a redução do preço da passagem, terminaram pedindo mais saúde, mais educação, mais políticas públicas... Ou seja, maior presença do Estado.
O paradoxo que, a meu ver, não foi entendido pelo PT, é que os manifestantes, em sua maioria jovens, pediam mais políticas públicas, mesmo após um período considerável de expansão das políticas sociais e de mobilidade social no país promovidos por seus governos. Com isso, os petistas passaram a creditar aos manifestantes o peso da juventude, ou seja, os jovens foram às ruas protestar contra um governo que promovia inclusão social porque não conheciam os governos neoliberais da década de 1990.
Isto é, para o PT, se os manifestantes fossem um pouco mais velhos eles não iriam protestar por mais políticas porque teriam vivido um período em que não se pensava em políticas sociais. Teriam vivido um período de recessão, em todos os sentidos.
Com isso, o PT demonstrava estar estacionado. Parecia ter chegado ao limite das suas políticas em um sistema de conciliação de classes em que não se poderia atacar o grande capital para não gerar um acirramento entre elas.
É bem verdade que o governo se comprometeu em propor uma ampla reforma política com a utilização de plebiscito. É bem verdade que o governo propôs a criação de conselhos gestores afim de aumentar a participação popular nas decisões do governo. Mas, ao mesmo tempo, todas essas propostas foram rejeitadas pela maioria dos membros do Congresso Nacional, inclusive de partidos aliados ao governo, que, em momento algum, receberam um forte ataque do PT por não se alinharem à política proposta pela chefe do Executivo.
Essa aparente inoperância do PT em relação ao “pós protestos de junho de 2013” acabou confirmando o que o cientista político André Marenco escreveu em seu texto “as duas caudas de Gauss: minorias, protesto e representação política”, ao citar o sociólogo Albert Hirschman, que “períodos de grande mobilidade social costumam ser seguidos por ondas conservadoras, marcadas por uma retórica de intolerância em relação à mudança e à concessão de benefícios aos pobres”.
Durante e depois dos protestos o PT passou mais tempo reafirmando as conquistas históricas de seu governo, do que propondo avanços nas suas políticas. E, como o PT evitou de todas as formas romper com a conciliação de classes, as elites, com o receio do avanço das políticas de esquerda, resolveu pôr um fim ao acordo expresso ainda nas eleições de 2002. E, para isso, as elites utilizaram de um grande exército: a classe média.
A classe média incorporou o sentimento de não se sentir privilegiada nos governos de Lula e Dilma. Pois, enquanto os mais pobres saíam da pobreza em direção à classe C, os mais ricos também aumentavam suas riquezas. Sendo assim, a classe C era alcançada pelas classes D e E, mas mantinham distância entre as classes B e A.
E, com a política tributária que incide fortemente sobre produtos e serviços, não sobre altas rendas e lucros, a classe média se via como financiadora das políticas públicas as quais não eram beneficiadas.
Nessa lógica, as elites, sobretudo a grande imprensa, produziu um sentimento de superação aos governos não só petistas, mas de esquerda. E, como sempre fizeram na história do Brasil, utilizaram o discurso moral da corrupção que afrontava os contribuintes da classe média que, além de tudo o que já pagavam, financiavam, também, as benesses pessoais dos políticos.
Assim, ao que parece, como levantado por André Marenco, foi se firmando um sentimento de oposição às políticas progressistas que eram implementadas em nível nacional. Com isso, o moralismo foi encontrando amparo junto aos conservadores que ainda existiam em nossa sociedade, só que de forma avergonhada.
Com o peso que as pautas das minorias ganharam nos governos do PT, sobretudo com a criação de uma Secretaria de Direitos Humanos, com aparato de Ministério, poucos tinham coragem de afrontar o debate de superação ao racismo, a homofobia, ao machismo. O máximo que encontrávamos era o discurso de negação dessas práticas.
Hoje, encontramos grupos de homens e mulheres que se declaram machistas. Ou, de pessoas que utilizam a expressão “mimimi” para as denúncias de racismo e homofobia. Isso tudo em nítida oposição ao discurso das minorias.
A fala carregada de preconceito e ódio que diz “bandido bom é bandido morto” sugere que o Brasil abandone as práticas garantistas no campo da justiça e adote uma prática de justiçamento, sobretudo contra os mais pobres e negros.
A raiva ao ter que dividir o aeroporto com pessoas de bermuda e chinelo, como naquele famoso caso da professora universitária que publicou em sua rede social que o ambiente já não era mais seleto, comparando-o a uma rodoviária, demonstra bem os anseios daqueles que acreditam que o lugar do pobre é na favela e não no asfalto.
Ou seja, ao que parece, o sucesso das políticas de inclusão econômica e social dos governos petistas resultaram no avanço das forças conservadoras que se colocam em forte oposição a uma lógica política que, em algum momento, possa vir a subverter o status quo. E, a meu ver, a insegurança do PT em dar um passo a frente nas suas políticas deu condições para que as elites se organizassem em ataque às forças progressistas.
Após o exposto, me arrisco a fazer algumas reflexões acerca do futuro da esquerda no Brasil no sentido de sair da crise em que está colocada.
O grande debate colocado aqui é o da democracia. Segundo Bobbio, democracia, no sentido poliárquico,
busca as condições da ordem democrática não em expedientes de caráter constitucional, mas em pré-requisitos sociais, isto é, no funcionamento de algumas regras fundamentais que permitem e garantem a livre expressão do voto, a prevalência das decisões mais votadas, o controle das decisões por parte dos eleitores, etc.
No entanto, o debate da democracia deve ser no alargamento do seu sentido para além do sentido liberal. A valor da democracia, para as esquerdas e para as demais forças progressistas, deve ser no sentido de radicalizar o sistema democrático.
O professor de Filosofia Jurídica da Faculdade de Buenos Aires, Carlos María Cárcova, em seu texto “Estado Social de Direito e Radicalidade Democrática”, apresenta alguns tópicos para uma nova democracia, entre eles é importante citar a sua reflexão acerca de um novo Estado democrático que “deve privilegiar, organicamente, a participação popular em todos os assuntos de interesse público, habilitando, em tudo quanto seja possível, a realização autogestionária da política.”
Ou seja, as esquerdas e as forças progressistas devem pensar e privilegiar nos governos locais em que estão inseridas espaços de construção coletiva dos rumos do governo, inclusive em períodos de crise econômica para que a população contribua nessa tarefa de sair da crise.
Em tempos de retração econômica, cortar gastos é sempre a primeira saída pensada pelos gestores públicos, justamente em um momento em que as pessoas mais precisam da força do Estado. Criar espaços de construção política coletiva contribui para oxigenar o pensamento em relação as formas de combate à retração, bem como abre espaço para pensar políticas públicas eficazes com baixo custo.
Além disso, atualmente, o cenário pelo qual atravessamos é de disputa de hegemonia. As forças conservadoras andam à rua, e pelas redes, buscando constituir elementos simbólicos dessa luta. Buscam, de alguma forma, dizer o que é certo e o que é errado a partir de um moralismo tacanho.
Sendo assim, penso, que os movimentos sociais e os partidos de esquerda devem promover cada vez mais debates, atos, atividades culturais, que dialoguem com as pessoas sobre aquilo que o Fórum Social Mundial nos ensinou a ter como utopia que é a construção de um novo mundo possível.
As esquerdas devem se organizar em conjunto, priorizando pautas comuns, afim de constituir uma ampla frente organizada, tendo como princípio a solidariedade mútua e a socialização das práticas bem sucedidas.

Finalmente, a solidariedade entre as esquerdas deve prevalecer acima de tudo. O inimigo comum está para além das nossas trincheiras. E não são as pessoas. Mas a ideologia capitalista que cria um sistema individualista e individualizante.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Queermuseu: as crianças viadas, a arte, a política e o capital.


Bruno Saldanha é Acadêmico de Ciências Sociais pela UFRGS



Queermuseu: as crianças viadas, a arte, a política e o capital.


Lembro de uma conversa com um aluno de 9 anos, quando ele me dizia que não gostava do nome “Gustavo”. Me dizia também que adorava os poneis (mas os poneis roxos). Que não se sentia bem em estar na fila dos meninos. O Gustavo era bastante “complicado” em sala de aula e sofria constantemente com as “brincadeiras” dos colegas o chamando de “viado”, de “bichinha”, ou com os deboches sobre a forma dele andar, de falar. Essas “brincadeiras” tinham respaldo da família. O “Gustavo” era uma criança nitidamente triste e desconfortável nos ambientes. Talvez “Gustavo” seja uma “Criança Viada Travesti da Lambada”. Talvez ele, os coleguinhas e a família só precisem entender que não existe problema em ser uma “Criança Viada”, que ele não precisa gostar de futebol, nem de super heróis, menos ainda de meninas. E isso não tem relação com pedofilia, mas com homofobia e machismo. Pedofilia, no contexto da exposição Queer no Santander, tem relação com os atos praticados por religiosos, mas que as Igrejas escondem a todo o custo. Os trabalhos artísticos da exposição Queer tem uma ótima relação com a sociedade, apesar de estar sendo ignorada: a hipocrisia que oprime os viados, os diferentes, desde a infância. Não é novidade que artistas e seus trabalhos sofram retalhos por exporem os problemas da sociedade doente em que vivemos.
A arte é, antes de tudo, liberdade. E não é novidade que grupos autoritários tentem cercear a liberdade de expressão artística. Não entendem sobre liberdade. Não aceitam que sejamos livres, que confrontemos os seus valores, os seus princípios já em decadência. Desta vez foi a exposição Queermuseu. Mas qual será a próxima censura? Se permitirmos que grupos como o MBL (Movimento Brasil “Livre”), financiados por “coronéis” da política brasileira, censurem e acabem com uma exposição de arte, estaremos fadados a um novo fascismo. Uma breve pesquisa virtual sobre o MBL torna claro a quem eles servem. Arte é vida, é movimento. E nesse movimento temos que “botar a cara no sol”. No dia 12 de Setembro foi realizado, em frente ao Santander Cultural, um ato em favor da liberdade de expressão artística e contra a LGBTfobia. As pessoas contrárias à exposição abriram discussões no evento de divulgação do ato no Facebook, instigando a violência e promovendo a imagem de Bolsonaro. Sim, promovendo a imagem de um político que discursa “aos quatro ventos” que ser gay é “falta de educação e de porrada”, e quando questionado sobre o que faria caso seu filho se apaixonasse por uma mulher negra, responde que “não discute promiscuidade, pois seus filhos foram muito bem educados”. São estas pessoas que conseguiram censurar a exposição Queermuseu. Não à toa estão em campanha pró-Bolsonaro: querem (ainda mais) “liberdade” para oprimir a todos que sejam diferentes dos seus padrões, e do “mercado”.
Sobre o fechamento da exposição, o Santander informou em nota que “entendemos que algumas das obras da exposição Queermuseu desrespeitavam símbolos, crenças e pessoas, o que não está em linha com a nossa visão de mundo” e que “quando a arte não é capaz de gerar inclusão e reflexão positiva, perde seu propósito maior, que é elevar a condição humana”.
Assim, é importante refletirmos sobre o papel dos bancos quando existe uma situação tensa de disputa: o lado deles é sempre o do capital. Não podemos esquecer que em tempos de “politicamente correto”, como dizem, os bancos aproveitam para lucrar. E nesse contexto, temos os inúmeros projetos sociais e apoios dos maiores bancos privados do país. Ser viado não pode ser “moda” que gera lucro pra banco. Que a arte transcenda sempre. Que a arte se faça presente em todos os espaços. E sempre que houver censura, construamos ainda mais resistência, porque nenhuma criança viada será calada! Nem a arte censurada! 

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Sobre humanidades


Paulinho dos Santos é Acadêmico de Ciências Sociais na UFRGS e Militante de Causas Sociais.







Sobre humanidades


Fui convidado a escrever para o Blog Humanidades em Debate. Mas, o que é debater humanidades? Aliás, o que é humanidades... Ou o que é humano?
Etimologicamente, a palavra humanidades vem do latim humanitas que significa “condição e natureza do ser humano, civilidade”. Humano, se origina, também do latim, da palavra humanus, que é “próprio do homem, bondoso, erudito, instruído nas humanidades”.
Por fim, civilidade, que também é de origem latina, civilitas, se refere a “ciência política ou de governar o estado; civilidade, afabilidade”.
Portanto, debater humanidades, a partir das traduções etimológicas das palavras, é debater sobre o que é próprio da condição humana. E, como se sugere, a natureza da condição humana estaria ligada à civilidade, à bondade, à erudição e à forma do governar para a promoção dessas condições.
Dessa forma, penso, que o importante de debater humanidades, neste espaço, seja conduzir uma argumentação que possa nos dar condições de superar inúmeras dificuldades que nossa sociedade enfrenta.
É preciso que os debates nos inspirem a construir uma sociedade que supere o racismo, que extermina e encarcera a juventude negra; que acabe com o machismo, que ataca, diariamente, as mulheres que são estupradas, violentadas, que recebem salário menor, e por aí vai; que vença a homofobia, que mata milhares de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, por sua orientação sexual e condição de gênero.
Também é preciso superar governos autoritários, tiranos, que não respeitam os servidores públicos, que não promovem políticas públicas de civilidade, que ferem os mais pobres.

Ou seja, acredito que debater humanidades é falar de utopias e, com isso, construí-las a partir da interação social pela qual estamos dispostos. 

sábado, 2 de setembro de 2017

ALIENAÇÃO COLETIVA

Letícia Roxo é licenciada em História pela FAPA, atua como professora da Rede Pública Estadual.











ALIENAÇÃO COLETIVA

Humilhação! Essa é a palavra correta. Nunca na minha trajetória no magistério gaúcho me senti tão humilhada como profissional. Sempre me disseram: faça o teu melhor, planeje, nunca pare de estudar, trate teus alunos com amor e tenha um olhar diferenciado. Não seja preconceituosa, machista, homofóbica, misógina.  E eu busco fazer o meu melhor. Mas não é porque trabalho com amor, porque gosto do que faço, que meu trabalho é voluntariado, como quer a primeira dama e seu marido golpista.

  Como todo trabalhador tenho o direito de receber integralmente. Me sinto péssima por não poder saldar as minhas dívidas, por negar TUDO a minha filha, por não ser capaz de colocar um prato de comida a mesa, por perder meu direito de ir e vir, por simplesmente, ter certeza que antes, quando recebíamos integralmente, sobrevivíamos com o salário miserável. Mas e hoje? Isso não é sobreviver! É passar 24 horas preocupada em como será amanhã? Estamos ficando doentes, morrendo de desgosto, tristeza, apatia e inércia.

A esperança sempre foi a responsável por seguirmos em frente. E quando não existe mais esperança? Quando vemos que não iremos aguentar por mais muito tempo?  Me recordo das leituras e aulas sobre alienação e mais-valia, de Marx. Percebo que o capitalismo, com todas suas desigualdades e meritocracias, se renova e renasce, com o “aval” do trabalhador.

Mas como pode? A alienação para Marx é uma condição onde o trabalho não é libertador, pelo contrário, escraviza e é desumano, pois condiciona o homem pelo seu poder de acumular e consumir. E conforme a produção se moderniza mais afastado fica o homem daquilo que ele mesmo produz. Não percebendo sua atuação, seu trabalho no produto final, muitas vezes, não sendo capaz economicamente de possuir o fruto de seu trabalho.

Mas e nós da educação? Não conseguimos nos ver no produto final do nosso trabalho? Muitos, infelizmente não, pois já estão tão alienados e escravizados pelo sistema neoliberal de produção, de metas, meritocracia, resultados que esquecemos do nosso papel de construir o conhecimento, ou, o que é pior, para que finalidade construímos o conhecimento com nossos alunos. 

É uma condição desumana para quase toda a sociedade, profissionais da educação, alunos, comunidades escolares que dependem de uma educação, pública e de qualidade, libertadora desse molde alienante, mas que para o governo é útil. O que nos falta é formação aos professores, eles não sabem o que é pensar coletivamente, não sabem o que é autonomia, não sabem o que é cidadania, por isso fica difícil que mude alguma coisa, pois todos ficam esperando que a solução aconteça por vontade divina. O professor não se reconhece como trabalhador social.

A precarização dos serviços públicos, o desmonte do estado vem ao encontro dos objetivos desses governos, e onde o parcelamento de salários ou até mesmo o não pagamento deste, falta de investimentos em educação, saúde e segurança, legitimam as práticas de privatizações.

Hoje, vivemos num Estado que está levando ao auge esse projeto de desmonte. E desculpe-me o trocadilho, desmontando com a vida do funcionalismo, por falta de salários e tudo o que isso acarreta, como da sociedade como um todo pela falta de serviços. Vejo a maioria alienados, afastados da realidade e preocupados apenas com seus dramas pessoais. Mas o drama é coletivo, o caos é todos.


 Meus amigos, lamento informar, aqueles tempos trevosos, o qual falamos a todo momento para o futuro, já chegaram, e se instalaram, e estão nos dizimando. Ou nos unimos e lutamos ou vamos seguir derrotados e morrendo a míngua com o neoliberalismo da atualidade.