sábado, 16 de setembro de 2017

Reflexões acerca da reorganização das esquerdas


Paulinho dos Santos é Acadêmico de Ciências Sociais na UFRGS e Militante de Causas Sociais.




Reflexões acerca da reorganização das esquerdas

Contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática.” Antonio Gramsci.
Depois de alguns anos de certo otimismo social no Brasil, em que governos de alinhamento popular com viés ideológico de centroesquerda promoveram políticas de superação da extrema pobreza e da fome, políticas de inclusão social e econômica, o país volta a mergulhar em um período obscuro de avanço das forças neoliberais, nos governos, e das forças extremamente conservadoras, na sociedade, que disputam, ferrenhamente, o processo de hegemonia.
O início dos anos 2000, o tão esperado século XXI, chegou trazendo novos ares às terras brasileiras. Pela primeira vez na história da nova república um partido ideologicamente posicionado à esquerda, no campo político, governaria o país a partir de eleição majoritária.
É verdade que Luís Inácio Lula da Silva chegou ao governo federal com a promessa de manter a conciliação entre as classes sociais, o que foi expresso na tão comentada “Carta ao Povo Brasileiro”, mas também é verdade que Lula e o PT levaram consigo a esperança de um povo excluído, desde o processo de colonização do Brasil, tanto na esfera econômica, quanto social.
É inegável o sucesso dos governos petistas. Milhões de brasileiros fora da linha da miséria, milhares de jovens nas universidades a partir do PROUNI, REUNI, SISU, FIES, uma ampla política de cotas raciais e sociais, pleno emprego, etc.. Do outro lado, aumento dos lucros dos bancos e das grandes empresas, sobretudo das responsáveis pelos setores automobilístico e da construção civil. Ou seja, assim como as políticas do governo Lula geraram resultados positivos às classes mais populares, os mais ricos também ganharam e ganharam muito.
A repercussão dessas políticas se mostram nas sucessivas vitórias eleitorais do PT ao governo federal e na grande aceitação que Lula apresentava entre o eleitorado.
Mas, como chegamos até aqui? O que trouxe de volta toda essa onda conservadora e maniqueísta à sociedade brasileira? Como Lula, o PT e o conjunto da esquerda, com seus símbolos e programas, passaram a ser tão perseguidos por determinados setores da sociedade?
Esse texto, penso, traz um conjunto de suposições que poderiam ser testadas mais adiante, a partir de uma análise séria e responsável daqueles que se propõe a pesquisar cientificamente o processo democrático. No presente momento, não me coloco a fazer análise alguma, mas procuro refletir possíveis saídas para a crise em que a esquerda brasileira está envolvida.
Após 10 anos do início dos governos petistas, 2013 parecia ser o início de uma grande celebração que findaria apenas em 2014, passado a Copa do Mundo, com a reeleição do governo de Dilma Rousseff.
No entanto, como escrevera o grande poeta Carlos Drummond de Andrade, “no meio do caminho tinha uma pedra” e, tanto o governo quanto as forças que o compunham, sobretudo o PT, partido da presidenta, se chocaram com todo aquele conjunto de manifestações que tomou conta do país no início da Copa das Confederações, com os protestos de junho de 2013.
Não estou entre aqueles que pensam que as manifestações foram organizadas por um grupo conservador de direita para desestabilizar o governo Dilma. Mas acredito que, em um determinado momento, as manifestações foram utilizadas para esse fim.
Inicialmente, como é sabido, os protestos foram voltados ao aumento do valor das passagens de ônibus pela prefeitura de Porto Alegre que, em seguida, fora acompanhado por São Paulo e outras grandes capitais.
A forte repressão que os manifestantes receberam da Polícia Militar do estado de São Paulo fez com que a onda de protestos ficasse mais acalorada por todo o país. Com isso, as manifestações que iniciaram pedindo a redução do preço da passagem, terminaram pedindo mais saúde, mais educação, mais políticas públicas... Ou seja, maior presença do Estado.
O paradoxo que, a meu ver, não foi entendido pelo PT, é que os manifestantes, em sua maioria jovens, pediam mais políticas públicas, mesmo após um período considerável de expansão das políticas sociais e de mobilidade social no país promovidos por seus governos. Com isso, os petistas passaram a creditar aos manifestantes o peso da juventude, ou seja, os jovens foram às ruas protestar contra um governo que promovia inclusão social porque não conheciam os governos neoliberais da década de 1990.
Isto é, para o PT, se os manifestantes fossem um pouco mais velhos eles não iriam protestar por mais políticas porque teriam vivido um período em que não se pensava em políticas sociais. Teriam vivido um período de recessão, em todos os sentidos.
Com isso, o PT demonstrava estar estacionado. Parecia ter chegado ao limite das suas políticas em um sistema de conciliação de classes em que não se poderia atacar o grande capital para não gerar um acirramento entre elas.
É bem verdade que o governo se comprometeu em propor uma ampla reforma política com a utilização de plebiscito. É bem verdade que o governo propôs a criação de conselhos gestores afim de aumentar a participação popular nas decisões do governo. Mas, ao mesmo tempo, todas essas propostas foram rejeitadas pela maioria dos membros do Congresso Nacional, inclusive de partidos aliados ao governo, que, em momento algum, receberam um forte ataque do PT por não se alinharem à política proposta pela chefe do Executivo.
Essa aparente inoperância do PT em relação ao “pós protestos de junho de 2013” acabou confirmando o que o cientista político André Marenco escreveu em seu texto “as duas caudas de Gauss: minorias, protesto e representação política”, ao citar o sociólogo Albert Hirschman, que “períodos de grande mobilidade social costumam ser seguidos por ondas conservadoras, marcadas por uma retórica de intolerância em relação à mudança e à concessão de benefícios aos pobres”.
Durante e depois dos protestos o PT passou mais tempo reafirmando as conquistas históricas de seu governo, do que propondo avanços nas suas políticas. E, como o PT evitou de todas as formas romper com a conciliação de classes, as elites, com o receio do avanço das políticas de esquerda, resolveu pôr um fim ao acordo expresso ainda nas eleições de 2002. E, para isso, as elites utilizaram de um grande exército: a classe média.
A classe média incorporou o sentimento de não se sentir privilegiada nos governos de Lula e Dilma. Pois, enquanto os mais pobres saíam da pobreza em direção à classe C, os mais ricos também aumentavam suas riquezas. Sendo assim, a classe C era alcançada pelas classes D e E, mas mantinham distância entre as classes B e A.
E, com a política tributária que incide fortemente sobre produtos e serviços, não sobre altas rendas e lucros, a classe média se via como financiadora das políticas públicas as quais não eram beneficiadas.
Nessa lógica, as elites, sobretudo a grande imprensa, produziu um sentimento de superação aos governos não só petistas, mas de esquerda. E, como sempre fizeram na história do Brasil, utilizaram o discurso moral da corrupção que afrontava os contribuintes da classe média que, além de tudo o que já pagavam, financiavam, também, as benesses pessoais dos políticos.
Assim, ao que parece, como levantado por André Marenco, foi se firmando um sentimento de oposição às políticas progressistas que eram implementadas em nível nacional. Com isso, o moralismo foi encontrando amparo junto aos conservadores que ainda existiam em nossa sociedade, só que de forma avergonhada.
Com o peso que as pautas das minorias ganharam nos governos do PT, sobretudo com a criação de uma Secretaria de Direitos Humanos, com aparato de Ministério, poucos tinham coragem de afrontar o debate de superação ao racismo, a homofobia, ao machismo. O máximo que encontrávamos era o discurso de negação dessas práticas.
Hoje, encontramos grupos de homens e mulheres que se declaram machistas. Ou, de pessoas que utilizam a expressão “mimimi” para as denúncias de racismo e homofobia. Isso tudo em nítida oposição ao discurso das minorias.
A fala carregada de preconceito e ódio que diz “bandido bom é bandido morto” sugere que o Brasil abandone as práticas garantistas no campo da justiça e adote uma prática de justiçamento, sobretudo contra os mais pobres e negros.
A raiva ao ter que dividir o aeroporto com pessoas de bermuda e chinelo, como naquele famoso caso da professora universitária que publicou em sua rede social que o ambiente já não era mais seleto, comparando-o a uma rodoviária, demonstra bem os anseios daqueles que acreditam que o lugar do pobre é na favela e não no asfalto.
Ou seja, ao que parece, o sucesso das políticas de inclusão econômica e social dos governos petistas resultaram no avanço das forças conservadoras que se colocam em forte oposição a uma lógica política que, em algum momento, possa vir a subverter o status quo. E, a meu ver, a insegurança do PT em dar um passo a frente nas suas políticas deu condições para que as elites se organizassem em ataque às forças progressistas.
Após o exposto, me arrisco a fazer algumas reflexões acerca do futuro da esquerda no Brasil no sentido de sair da crise em que está colocada.
O grande debate colocado aqui é o da democracia. Segundo Bobbio, democracia, no sentido poliárquico,
busca as condições da ordem democrática não em expedientes de caráter constitucional, mas em pré-requisitos sociais, isto é, no funcionamento de algumas regras fundamentais que permitem e garantem a livre expressão do voto, a prevalência das decisões mais votadas, o controle das decisões por parte dos eleitores, etc.
No entanto, o debate da democracia deve ser no alargamento do seu sentido para além do sentido liberal. A valor da democracia, para as esquerdas e para as demais forças progressistas, deve ser no sentido de radicalizar o sistema democrático.
O professor de Filosofia Jurídica da Faculdade de Buenos Aires, Carlos María Cárcova, em seu texto “Estado Social de Direito e Radicalidade Democrática”, apresenta alguns tópicos para uma nova democracia, entre eles é importante citar a sua reflexão acerca de um novo Estado democrático que “deve privilegiar, organicamente, a participação popular em todos os assuntos de interesse público, habilitando, em tudo quanto seja possível, a realização autogestionária da política.”
Ou seja, as esquerdas e as forças progressistas devem pensar e privilegiar nos governos locais em que estão inseridas espaços de construção coletiva dos rumos do governo, inclusive em períodos de crise econômica para que a população contribua nessa tarefa de sair da crise.
Em tempos de retração econômica, cortar gastos é sempre a primeira saída pensada pelos gestores públicos, justamente em um momento em que as pessoas mais precisam da força do Estado. Criar espaços de construção política coletiva contribui para oxigenar o pensamento em relação as formas de combate à retração, bem como abre espaço para pensar políticas públicas eficazes com baixo custo.
Além disso, atualmente, o cenário pelo qual atravessamos é de disputa de hegemonia. As forças conservadoras andam à rua, e pelas redes, buscando constituir elementos simbólicos dessa luta. Buscam, de alguma forma, dizer o que é certo e o que é errado a partir de um moralismo tacanho.
Sendo assim, penso, que os movimentos sociais e os partidos de esquerda devem promover cada vez mais debates, atos, atividades culturais, que dialoguem com as pessoas sobre aquilo que o Fórum Social Mundial nos ensinou a ter como utopia que é a construção de um novo mundo possível.
As esquerdas devem se organizar em conjunto, priorizando pautas comuns, afim de constituir uma ampla frente organizada, tendo como princípio a solidariedade mútua e a socialização das práticas bem sucedidas.

Finalmente, a solidariedade entre as esquerdas deve prevalecer acima de tudo. O inimigo comum está para além das nossas trincheiras. E não são as pessoas. Mas a ideologia capitalista que cria um sistema individualista e individualizante.

Um comentário:

  1. É sempre bom ler artigos escritos com responsabilidade, escrito de forma crítica, e sendo ao mesmo tempo propositivo. Boa reflexão Paulinho dos Santos.

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