Paulinho dos Santos é Acadêmico de Ciências Sociais na UFRGS e Militante de Causas Sociais.
“Contra
o pessimismo da razão, o otimismo da prática.” Antonio Gramsci.
Depois
de alguns anos de certo otimismo social no Brasil, em que governos de
alinhamento popular com viés ideológico de centroesquerda
promoveram políticas de superação da extrema pobreza e da fome,
políticas de inclusão social e econômica, o país volta a
mergulhar em um período obscuro de avanço das forças neoliberais,
nos governos, e das forças extremamente conservadoras, na sociedade,
que disputam, ferrenhamente, o processo de hegemonia.
O
início dos anos 2000, o tão esperado século XXI, chegou trazendo
novos ares às terras brasileiras. Pela primeira vez na história da
nova república um partido ideologicamente posicionado à esquerda,
no campo político, governaria o país a partir de eleição
majoritária.
É
verdade que Luís Inácio Lula da Silva chegou ao governo federal com
a promessa de manter a conciliação entre as classes sociais, o que
foi expresso na tão comentada “Carta ao Povo Brasileiro”, mas
também é verdade que Lula e o PT levaram consigo a esperança de um
povo excluído, desde o processo de colonização do Brasil, tanto na
esfera econômica, quanto social.
É
inegável o sucesso dos governos petistas. Milhões de brasileiros
fora da linha da miséria, milhares de jovens nas universidades a
partir do PROUNI, REUNI, SISU, FIES, uma ampla política de cotas
raciais e sociais, pleno emprego, etc.. Do outro lado, aumento dos
lucros dos bancos e das grandes empresas, sobretudo das responsáveis
pelos setores automobilístico e da construção civil. Ou seja,
assim como as políticas do governo Lula geraram resultados positivos
às classes mais populares, os mais ricos também ganharam e ganharam
muito.
A
repercussão dessas políticas se mostram nas sucessivas vitórias
eleitorais do PT ao governo federal e na grande aceitação que Lula
apresentava entre o eleitorado.
Mas,
como chegamos até aqui? O que trouxe de volta toda essa onda
conservadora e maniqueísta à sociedade brasileira? Como Lula, o PT
e o conjunto da esquerda, com seus símbolos e programas, passaram a
ser tão perseguidos por determinados setores da sociedade?
Esse
texto, penso, traz um conjunto de suposições que poderiam ser
testadas mais adiante, a partir de uma análise séria e responsável
daqueles que se propõe
a pesquisar cientificamente o processo democrático. No presente
momento, não me coloco a fazer análise alguma, mas procuro refletir
possíveis saídas para a crise em que a esquerda brasileira está
envolvida.
Após
10 anos do início dos governos petistas, 2013 parecia ser o início
de uma grande celebração que findaria apenas em 2014, passado a
Copa do Mundo, com a reeleição do governo de Dilma Rousseff.
No
entanto, como escrevera o grande poeta Carlos Drummond de Andrade,
“no meio do caminho tinha uma pedra” e, tanto o governo quanto as
forças que o compunham, sobretudo o PT, partido da presidenta, se
chocaram com todo aquele conjunto de manifestações que tomou conta
do país no início da Copa das Confederações, com os protestos de
junho de 2013.
Não
estou entre aqueles que pensam que as manifestações foram
organizadas por um grupo conservador de direita para desestabilizar o
governo Dilma. Mas acredito que, em um determinado momento, as
manifestações foram utilizadas para esse fim.
Inicialmente,
como é sabido, os protestos foram voltados ao aumento do valor das
passagens de ônibus pela prefeitura de Porto Alegre que, em seguida,
fora acompanhado
por São Paulo e outras grandes capitais.
A
forte repressão que os manifestantes receberam da Polícia Militar
do estado de São Paulo fez com que a onda de protestos ficasse mais
acalorada por todo o país. Com isso, as manifestações que
iniciaram pedindo a redução do preço da passagem, terminaram
pedindo mais saúde, mais educação, mais políticas públicas... Ou
seja, maior presença do Estado.
O
paradoxo que, a meu ver, não foi entendido pelo PT, é que os
manifestantes, em sua maioria jovens, pediam mais políticas
públicas, mesmo após um período considerável de expansão das
políticas sociais e de mobilidade social no país promovidos por
seus governos. Com isso, os petistas passaram a creditar aos
manifestantes o peso da juventude, ou seja, os jovens foram às ruas
protestar contra um governo que promovia inclusão social porque não
conheciam os governos neoliberais da década de 1990.
Isto
é, para o PT, se os manifestantes fossem um pouco mais velhos eles
não iriam protestar por mais políticas porque teriam vivido um
período em que não se pensava em políticas sociais. Teriam vivido
um período de recessão, em todos os sentidos.
Com
isso, o PT demonstrava estar estacionado. Parecia ter chegado ao
limite das suas políticas em um sistema de conciliação de classes
em que não se poderia atacar o grande capital para não gerar um
acirramento entre elas.
É
bem verdade que o governo se comprometeu em propor uma ampla reforma
política com a utilização de plebiscito. É bem verdade que o
governo propôs a criação de conselhos gestores afim de aumentar a
participação popular nas decisões do governo. Mas, ao mesmo tempo,
todas essas propostas foram rejeitadas pela maioria dos membros do
Congresso Nacional, inclusive de partidos aliados ao governo, que, em
momento algum, receberam um forte ataque do PT por não se alinharem
à política proposta pela chefe do Executivo.
Essa
aparente inoperância do PT em relação ao “pós protestos de
junho de 2013” acabou confirmando o que o cientista político André
Marenco escreveu em seu texto “as duas caudas de Gauss: minorias,
protesto e representação política”, ao citar o sociólogo Albert
Hirschman, que “períodos de grande mobilidade social costumam ser
seguidos por ondas conservadoras, marcadas por uma retórica de
intolerância em relação à mudança e à concessão de benefícios
aos pobres”.
Durante
e depois dos protestos o PT passou mais tempo reafirmando as
conquistas históricas de seu governo, do que propondo avanços nas
suas políticas. E, como o PT evitou de todas as formas romper com a
conciliação de classes, as elites, com o receio do avanço das
políticas de esquerda, resolveu pôr um fim ao acordo expresso ainda
nas eleições de 2002. E, para isso, as elites utilizaram de um
grande exército: a classe média.
A
classe média incorporou o sentimento de não se sentir privilegiada
nos governos de Lula e Dilma. Pois, enquanto os mais pobres saíam da
pobreza em direção à classe C, os mais ricos também aumentavam
suas riquezas. Sendo assim, a classe C era alcançada pelas classes D
e E, mas mantinham distância entre as classes B e A.
E,
com a política tributária que incide fortemente sobre produtos e
serviços, não sobre altas rendas e lucros, a classe média se via
como financiadora das políticas públicas as quais não eram
beneficiadas.
Nessa
lógica, as elites, sobretudo a grande imprensa, produziu um
sentimento de superação aos governos não só petistas, mas de
esquerda. E, como sempre fizeram na história do Brasil, utilizaram o
discurso moral da corrupção que afrontava os contribuintes da
classe média que, além de tudo o que já pagavam, financiavam,
também, as benesses pessoais dos políticos.
Assim,
ao que parece, como levantado por André Marenco, foi se firmando um
sentimento de oposição às políticas progressistas que eram
implementadas em nível nacional. Com isso, o moralismo foi
encontrando amparo junto aos conservadores que ainda existiam em
nossa sociedade, só que de forma avergonhada.
Com
o peso que as pautas das minorias ganharam nos governos do PT,
sobretudo com a criação de uma Secretaria de Direitos Humanos, com
aparato de Ministério, poucos tinham coragem de afrontar o debate de
superação ao racismo, a homofobia, ao machismo. O máximo que
encontrávamos era o discurso de negação dessas práticas.
Hoje,
encontramos grupos de homens e mulheres que se declaram machistas.
Ou, de pessoas que utilizam a expressão “mimimi” para as
denúncias de racismo e homofobia. Isso tudo em nítida oposição ao
discurso das minorias.
A
fala carregada de preconceito e ódio que diz “bandido bom é
bandido morto” sugere que o Brasil abandone as práticas
garantistas no campo da justiça e adote uma prática de
justiçamento, sobretudo contra os mais pobres e negros.
A
raiva ao ter que dividir o aeroporto com pessoas de bermuda e
chinelo, como naquele famoso caso da professora universitária que
publicou em sua rede social que o ambiente já não era mais seleto,
comparando-o a uma rodoviária, demonstra bem os anseios daqueles que
acreditam que o lugar do pobre é na favela e não no asfalto.
Ou
seja, ao que parece, o sucesso das políticas de inclusão econômica
e social dos governos petistas resultaram no avanço das forças
conservadoras que se colocam em forte oposição a uma lógica
política que, em algum momento, possa vir a subverter o status
quo.
E, a meu ver, a insegurança do PT em dar um passo a frente nas suas
políticas deu condições para que as elites se organizassem em
ataque às forças progressistas.
Após
o exposto, me arrisco a fazer algumas reflexões acerca do futuro da
esquerda no Brasil no sentido de sair da crise em que está colocada.
O
grande debate colocado aqui é o da democracia. Segundo Bobbio,
democracia, no sentido poliárquico,
busca
as condições da ordem democrática não em expedientes de caráter
constitucional, mas em pré-requisitos sociais, isto é, no
funcionamento de algumas regras fundamentais que permitem e garantem
a livre expressão do voto, a prevalência das decisões mais
votadas, o controle das decisões por parte dos eleitores, etc.
No
entanto, o debate da democracia deve ser no alargamento do seu
sentido para além do sentido liberal. A valor da democracia, para as
esquerdas e para as demais forças progressistas, deve ser no sentido
de radicalizar o sistema democrático.
O
professor de Filosofia Jurídica da Faculdade de Buenos Aires, Carlos
María Cárcova, em seu texto “Estado Social de Direito e
Radicalidade Democrática”, apresenta alguns tópicos para uma nova
democracia, entre eles é importante citar a sua reflexão acerca de
um novo Estado democrático que “deve privilegiar, organicamente, a
participação popular em todos os assuntos de interesse público,
habilitando, em tudo quanto seja possível, a realização
autogestionária da política.”
Ou
seja, as esquerdas e as forças progressistas
devem pensar e privilegiar nos governos locais em que estão
inseridas espaços de construção coletiva dos rumos do governo,
inclusive em períodos de crise econômica para que a população
contribua nessa tarefa de sair da crise.
Em
tempos de retração econômica, cortar gastos é sempre a primeira
saída pensada pelos gestores públicos, justamente em um momento em
que as pessoas mais precisam da força do Estado. Criar espaços de
construção política coletiva contribui para oxigenar o pensamento
em relação as formas de combate à retração, bem como abre espaço
para pensar políticas públicas eficazes com baixo custo.
Além
disso, atualmente, o cenário pelo qual atravessamos é de disputa de
hegemonia. As forças conservadoras andam à rua, e pelas redes,
buscando constituir elementos simbólicos dessa luta. Buscam, de
alguma forma, dizer o que é certo e o que é errado a partir de um
moralismo tacanho.
Sendo
assim, penso, que os movimentos sociais e os partidos de esquerda
devem promover cada vez mais debates, atos, atividades culturais, que
dialoguem com as pessoas sobre aquilo que o Fórum Social Mundial nos
ensinou a ter como utopia que é a construção de um novo mundo
possível.
As
esquerdas devem se organizar em conjunto, priorizando pautas comuns,
afim de constituir uma ampla frente organizada, tendo como princípio
a solidariedade mútua e a socialização das práticas bem
sucedidas.
Finalmente,
a solidariedade entre as esquerdas deve prevalecer acima de tudo. O
inimigo comum está para além das nossas trincheiras. E não são as
pessoas. Mas a ideologia capitalista que cria um sistema
individualista e individualizante.
É sempre bom ler artigos escritos com responsabilidade, escrito de forma crítica, e sendo ao mesmo tempo propositivo. Boa reflexão Paulinho dos Santos.
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