Jefferson Meister Pires é Bacharel em Ciências Sociais pela UFRGS, funcionário público e pesquisador.
Gostaria de saber quando a esquerda brasileira vai voltar a ser esquerda.
A
cada semana que passa não consigo parar de pensar em qual será o
próximo vexame que vamos passar, sejam os vexames reiterados por
parte deste presidente e sua equipe, vexames estes que já estão se
tornando parte do nosso dia-a-dia, naturalizados, previstos; Ou sejam
os vexames sazonais reiterados por parte de nossos auto proclamados
“representantes do pensamento de esquerda”.
O
atual vexame está diretamente relacionado com a mais recente
polêmica do embate Direita Vil X Esquerda Interesseira e está
assentada na importante reportagem estrelada pelo Dr. Drauzio Varela
no programa Fantástico da TV Globo¹ que foi veiculado no dia
08/03/2020, mais conhecido como último domingo.
Antes
de entrar no tema deste artigo preciso desabafar, pois não consigo
entender como algumas pessoas ainda se espantam com as reações da
direita brasileira acerca de problemas e pautas as quais sempre
consideraram inúteis, eles estão cada vez mais inflados com as
redes sociais e com o apoio popular do qual nem sabem porque recebem.
Nossa direita sempre foi assim, sempre viveu de distorções,
retirada de contextos, dados falsos e imprecisos,etc. A diferença é
que agora com o advento das redes sociais ficou muito mais fácil ser
estúpido (em todos os sentidos da palavra), só quem nunca esteve no
debate é que se espanta com o nível baixíssimo do quadro
“intelectual” da direita no Brasil.
É
claro, óbvio, natural, batido, comum que os interlocutores
representantes de uma elite econômica irresponsável vão utilizar
quaisquer dissonâncias no discurso “da esquerda” com os anseios
do cidadão “comum” para cada vez mais nos jogar no abismo do
obscurantismo. Não é a toa que nas últimas eleições fomo
surrados como não se via há vinte e tantos anos, não é a toa que
as pesquisas de opinião² refletem cada vez mais posições
contrárias ao que nós da esquerda acreditamos serem os caminhos
corretos, parece que estamos marchando contra o povão, ao invés de
estamos ao lado ou no mesmo barco.
Custo
a acreditar que algumas de nossas vozes mais conhecidas, como por
exemplo o youtuber filósofo Henri Bugalho³ e o
Jornalista/Blogueiro/Colunista Leonardo Sakamoto4, entre
outros, não conseguem entender questões básicas como a diferença
entre preconceito e repulsa. Para entendermos esta crítica temos que
entender primeiro o conteúdo da matéria global, onde a transexual
Suzy, abraçada por Dráuzio, cometeu um crime hediondo. Alguns
perguntam: E Daí? Eu respondo: E daí que esse crime o qual ela
cometeu atinge os mais profundos medos, dores, sentimentos de nossa
população de majoritária moral cristã, ou judaico/cristã como
diriam os mais cultos, este crime gera uma repulsa quase
incontrolável na maioria das pessoas. Suzy não roubou um mercado,
não roubou um carro, não agrediu uma senhorinha na saída da
igreja, Suzy violentou sexualmente e depois asfixiou de forma brutal
o menino que se chamava Fábio dos Santos, com então nove anos de
idade, sem a menor chance de defesa.
O
problema para nós que nos sentimos esquerda nunca foi e nunca será
o abraço de Drauzio em Suzi, até mesmo o pior criminoso que
possamos imaginar pode receber um abraço como uma forma de mostrar
que neste mundo há compaixão, embora Suzy não a tenha sentido no
momento que praticou o crime. O problema para nós enquanto esquerda
surge quando tentamos afastar o criminoso do fato cometido, isso
nunca poderá ser feito, este fato vai andar ao lado de Suzy mesmo
depois de cumprida a pena, pois o ato de matar alguém é indeletável
(acho que essa palavra não existe), é impossível de ser esquecido.
Podemos perdoar sim, podemos abraçar sim, mas jamais podemos querer esconder ou mascarar o que foi feito. A bendita reportagem tratava sobre o abandono e dificuldades extremas que os presos trans sofrem nos presídios masculinos e machistas, todas as outras trans foram abraçadas por Dráuzio, não vi ninguém reclamando disto. A Transexual Suzy não recebe visitas há oito anos porque cometeu um crime bárbaro e cruel e não somente porque é transexual, embora seja lógico dizer que o fato de ser transexual também tem peso nesse abandono, a reportagem poderia simplesmente ter dito que Suzy cometeu um crime bárbaro, cruel e devido a este ato hediondo E ao fato de ser trans, ou EM CONJUNTO com o fato de ser trans, não recebe visitas nem cartas há oito anos.
Karl Popper5 já nos ensinou há décadas que apenas baseados na observação jamais podemos afirmar que todos os cisnes são brancos, jamais podemos clamar como conhecimento científico aquilo que não considerar todos os fatos envolvidos no evento, tanto os fatos concretos assim como os abstratos possíveis de serem imaginados. Enfim, o que este episódio mostra de mais importante para nossa reflexão enquanto pensamento de esquerda é se nossas posições ideológicas são mais importantes que as ações, sejam elas prováveis ou improváveis, concretas ou abstratas, dados, estatísticos ou imaginativos...
Podemos perdoar sim, podemos abraçar sim, mas jamais podemos querer esconder ou mascarar o que foi feito. A bendita reportagem tratava sobre o abandono e dificuldades extremas que os presos trans sofrem nos presídios masculinos e machistas, todas as outras trans foram abraçadas por Dráuzio, não vi ninguém reclamando disto. A Transexual Suzy não recebe visitas há oito anos porque cometeu um crime bárbaro e cruel e não somente porque é transexual, embora seja lógico dizer que o fato de ser transexual também tem peso nesse abandono, a reportagem poderia simplesmente ter dito que Suzy cometeu um crime bárbaro, cruel e devido a este ato hediondo E ao fato de ser trans, ou EM CONJUNTO com o fato de ser trans, não recebe visitas nem cartas há oito anos.
Karl Popper5 já nos ensinou há décadas que apenas baseados na observação jamais podemos afirmar que todos os cisnes são brancos, jamais podemos clamar como conhecimento científico aquilo que não considerar todos os fatos envolvidos no evento, tanto os fatos concretos assim como os abstratos possíveis de serem imaginados. Enfim, o que este episódio mostra de mais importante para nossa reflexão enquanto pensamento de esquerda é se nossas posições ideológicas são mais importantes que as ações, sejam elas prováveis ou improváveis, concretas ou abstratas, dados, estatísticos ou imaginativos...
Porque
uma grande parte de nós se revolta veementemente quando um clube de
futebol contrata o goleiro Bruno6, condenado por um ato
brutal e torpe, mas não se revolta quando uma reportagem omite fatos
e tenta passar uma idéia no mínimo equivocada da situação de
outra pessoa que cometeu um crime brutal e torpe? Será que um dos
crimes foi mais brutal que o outro? Será que nossa empatia é
seletiva? Será que as pautas identitárias são mais importantes do
que qualquer outra coisa? Suzy ao ser trans não é mais uma
assassina confessa?
Em
uma época não tão distante, nossa esquerda berrava contra
criminosos de todos os tipos, contra impunidade, contra a Rede Globo,
contra uma série de coisas que parecem hoje ser menos importantes do
que conseguir espaço dentro do movimento X ou Y, ou aquele cargo
importante na prefeitura. Eu vi uma esquerda que fazia reuniões à
noite, em garagens e peças sem reboco, que tinha a fala muito longe
da norma culta, que não viajava à Paris, que não tratava povo como
imbecil e a si mesmos como guardiões da luz do conhecimento.
A
esquerda em que eu iniciei andava de busão e trem, morava em
periferia ou pelo menos ia nas festas da periferia, gostava de
interior, tinha nojo de Estados Unidos e Europa, sentia repulsa pelos
poderosos. A esquerda que me formou não usava terno, não comprava
no Carrefour e nem comia sushi (confesso que sushi eu gosto, embora
coma muito raramente), a esquerda que andava de braços dados com o
povo não pisava em símbolos religiosos, mesmo sendo ateus, não
contratava amigos com dinheiro público, não fazia promessa de
cargos para conseguir apoio (aliás, denunciava isso) não tratava
como criaturas inferiores aqueles que ocupavam posições inferiores.
Por
fim não posso deixar de lembrar que algum escritor famoso certa vez
disse que o proletário é (...) “uma
esfera que possui um caráter universal por seu sofrimento universal
e que não reivindica nenhum direito
particular,
uma vez que nenhuma injustiça
em particular,
mas sim a injustiça
de modo geral,
lhe é perpetrada.
só se vê como pessoa quando primeiro se vê como proletário”...7
No
meu entendimento trata-se de uma questão de pertencimento (ou não
pertencimento), de falta de empatia. Quando passamos a valorizar
diplomas mais do que conhecimento, quando tratamos alguns
trabalhadores como nossos inimigos e outros como amigos, quando
passamos a defender a idéia absurda de que pautas identitárias
estão descoladas de outras pautas ou da principal pauta de todas,
que sempre vai estar no fundo das questões, a desigualdade de
oportunidades...
Estamos trabalhando para nos afastar das pessoas e nos aproximar das idéias, estamos próximos dos discursos e longe do entendimento e da humildade de ouvir antes de falar. Dráuzio não fez nada errado ao abraçar Suzy, mas nós fizemos ao não criticar a Rede Globo por sua forma de apresentar a matéria. Nós acabamos dando armas para que uma direita desonesta e preguiçosa, “nós” damos de bandeja “nossos” equívocos pra que eles caiam de pau em cima e nos coloquem todos no mesmo angu, todos como anti-povo.
Estamos trabalhando para nos afastar das pessoas e nos aproximar das idéias, estamos próximos dos discursos e longe do entendimento e da humildade de ouvir antes de falar. Dráuzio não fez nada errado ao abraçar Suzy, mas nós fizemos ao não criticar a Rede Globo por sua forma de apresentar a matéria. Nós acabamos dando armas para que uma direita desonesta e preguiçosa, “nós” damos de bandeja “nossos” equívocos pra que eles caiam de pau em cima e nos coloquem todos no mesmo angu, todos como anti-povo.
Repito:
gostaria de saber se algum dia a esquerda brasileira voltará a ser
esquerda.
Referências:
5
POPPER, Karl Rai. A lógica da pesquisa científica. 15. ed São
Paulo: Cultrix, 2011.
7
MARX,
Karl. (1843). A contribution to the critique of Hegel's Philosophy of
Right: Introduction. In: Marx
& Engels Collected Works (vol.
3).
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