Cabelo Crespo, Signo de Resistência
Cultural Negra
Significação e (re)significação do cabelo negro.
Prof. Sérgio Pires - Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente bacharelando em Ciências Sociais, com ênfase em Antropologia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O cabelo, assim como o corpo, possui toda uma significação social, não de
maneira isolada, mas inserido em um contexto de construções de relações
inter-raciais presentes no dia a dia da nossa sociedade brasileira.
Muito mais que uma questão meramente estética, o cabelo está
intrinsicamente ligado ao modo como que o próprio negro se vê, e de como ele é
visto pelo outro, perpassando por processos de valorização e revalorização, e
um processo contínuo de construção indentitária. Esse processo, uma vez que
cabelo e corpo são pensados pela cultura, e que estamos em um país em que há
todo um mito de uma democracia racial, mas que na verdade o que existe é um
racismo ambíguo, apresenta uma série de tensões e contradições, evidenciadas na
relação com o olhar do outro. Nesse sentido, corpo e cabelo negro tornam-se
expressões e suportes simbólicos na construção da identidade negra no Brasil.
O padrão de beleza imposto hoje pela sociedade, que é notadamente branco,
dá-se pela dominação política, econômica e cultural do branco, e nesse sentido,
em virtude dessa imposição, construiu-se zonas de tensão, pois o negro não a
aceita de forma passiva, uma vez que o padrão real no Brasil é negro e mestiço.
Essas zonas de conflito se fazem necessárias, pois é parte integrante do processo de
construção da identidade do negro no Brasil, que se dá justamente pelo contato
com o outro, pela negociação, pela troca, pelos conflitos e pelo diálogo, uma
vez que nenhuma identidade é construída no isolamento, havendo a necessidade
desse contato, não somente com o outro, mas com o próprio grupo de atores
sociais envolvidos nesse processo.
Esse processo de construção identitária através da estética, ou
utilizando-se da estética e agregando outros valores, apresenta outra
característica, também de grande complexidade, citada tanto por Abdias do
Nascimento quanto pela autora que elegemos como nosso referencial, Nilma Lino
Gomes, que se refere a graduação da cor da pele e ao tipo de cabelo. A
complexidade se dá, uma vez que no Brasil, há uma classificação que se baseia
nessa questão, graduação de cor de pele e tipos de cabelo, para definir quem é
negro ou não. Para aqueles atores sociais que são afrodescendentes, mas que
possuem pele mais clara ou cabelo menos crespo, quando nesse processo de
autoafirmação identitária, da busca de uma estética que revele suas raízes,
ocorre um processo que a autora chama “tornar-se negro”.
Essa consciência de rebuscar suas origens ou mesmo de afirmação étnica e
cultural, vivido na estética do cabelo e do corpo negro, é de uma importância
fundamental, uma vez que marca a vida e as trajetórias dos atores sociais
envolvidos nesse processo, nos mostrando que o cabelo e todos os outros signos
envolvidos nessa construção de corpos, significação ou ressignificação, é bem
mais que uma questão estética ou de tratamento de beleza, mas sim uma questão
profundamente relacionada com a construção da identidade de um povo.
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