quinta-feira, 28 de abril de 2016

Do Brega ao Funk: dois casos de “perseguição cultural”.





Prof. Eduardo Schütz - Licenciado em História pela Universidade Luterana do Brasil, bacharelando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul


Do Brega ao Funk: dois casos de “perseguição cultural”
               

Nessas breves palavras, buscaremos, a partir de uma abordagem de história comparada, tecer alguns comentários sobre as duras críticas dirigidas a artistas de origem popular no cenário musical brasileiro.
                Nos anos 70, em meio a um intenso processo de urbanização, novos cantores ganhavam popularidade no país. Nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, João Gilberto, Milton Nascimento, entre outros, já haviam se consolidado como artistas de sucesso e qualidade no país. Mas apesar de todo reconhecimento que estes desfrutavam eram cantores de origem popular os responsáveis pelas maiores vendagens de discos.[1]Com tiragens de centenas de milhares e não raro acima de um milhão de cópias vendidas, Waldick Soriano, Nelson Ned, Agnaldo Timóteo e Odair José eram alvos de duras críticas da grande mídia e críticos do setor musical. Acusados de não terem talento, não saberem cantar, receberam a alcunha de cafonas e, mais tarde, nos anos 80 ficariam conhecidos como bregas. Alcunha recebida em virtude de suas canções serem muito populares em meretrícios, chamados de brega em algumas regiões do Nordeste.[2]
                Comparando o cenário atual da música brasileira, podemos observar certas certas permanências nos alvos e no conteúdo da crítica. Nos 70, aqueles artistas que retratavam sofrimentos amorosos e outras temáticas, muito populares entre a grande massa da população brasileira, o que se prova através das altas vendagens, eram acusados de não terem talento, como já foi acima citado. Atualmente, percebemos críticas com certa semelhança ao funk carioca, guardadas as diferenças no tempo histórico, pois o Brasil do período vivia sobre uma ditadura militar, perseguições políticas promovidas pelo Estado. Atualmente o cenário é outro, mas a perseguição à cultura popular segue.
            O funk carioca é um estilo largamente difundido em nossa sociedade, principalmente entre a juventude das periferias, não apenas do Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil. Essa expansão custou muito caro ao estilo, pois quanto mais ganhava novos adeptos, mais críticas recebia.[3] Dentre as principais críticas estão o conteúdo das letras, que longe de conter o romantismo tragicômico típico da sociedade burguesa falam de sexo abertamente, abordam o tráfico de drogas, nem sempre fazendo apologia, apenas abordando de forma direta a dura realidade da favela.
 Também há aqueles que desdenham em virtude de suas letras não seguirem a norma culta do português, ou seja, serem carregadas de gírias e de linguagem popular, mais uma clara forma de opressão. Por último, tem a forte herança cultural afrodescendente nos ritmos. O funk carioca foi construído a partir de influências da Black Music, ou seja, ritmos afrodescendentes estadunidenses, além de mesclar à cultura nacional criaram um estilo que acrescentaria ainda a música eletrônica.¹    
            Do Pancadão ao Ostentação
            Os funks que falavam sobre o tráfico de drogas e sobre sexo foram denominados de várias formas, proibidão, por exemplo. Sofrendo as maiores e mais enfáticas abordagens críticas por parte dos setores mais conservadores e elitistas de nossa sociedade o proibidão foi muito tocado nos bailes funks, festas largamente difundidas nas comunidades cariocas e perseguidas pelo poder público nos anos 90, mas que hoje possuem versões para entreter setores da elite. Como já ocorreu com outros estilos musicais no passado, atualmente existe o funk aceito pela mídia, o funk ostentação. Nomes como Mc Biel, Guimé e Anita são muito conhecidos do grande público, frequentemente presentes em programas de televisão detém as maiores atenções dos holofotes. Mas o que poderia ser o início de uma aceitação ao funk se apresenta mais como uma forma de apropriação, visto que artistas brancos recebem o maior espaço de divulgação midiática, contradição gritante para um estilo oriundo da cultura afrodescendente. Sendo o funk uma música negra, por que não temos representantes negros no centro das atenções? Por que o proibidão segue censurado na televisão e no rádio? Novamente vemos uma perseguição a cultura popular, uma tentativa de esconder determinadas manifestações legitimamente populares, manifestações que desconcertam as autoridades, as elites, a famigerada família brasileira. Manifestações que mostram uma parte do Brasil que segmentos mais conservadores e elitistas da sociedade brasileira querem esconder, esquecer.
            Ao que parece um dos grandes “pecados” do funk foi “ousar” abordar temáticas que pertenciam à musica burguesa, o nosso bom e velho rock in roll, sexo e drogas. Afinal de contas sexo e drogas são coisas inexistentes no cotidiano das classes médias e altas brasileiras? Não é preciso responder a tal questionamento. O que se faz necessário é refletirmos sobre os reais motivos que motivam as críticas ao funk carioca, preconceito, moralismo, incompreensão, discriminação? Este é um questionamento que merece nossa atenção.
Se nos anos 70 os cantores românticos eram alvos das críticas da imprensa e de segmentos mais elitistas da sociedade brasileira, pois abordavam temáticas que não estavam no cerne do interesse desses grupos, hoje temos o funk que desconcerta, que assim como os românticos de outrora, não pedem licença, apresentam sua proposta e conquistam grande parte da sociedade brasileira.

*Esse texto é um esforço reflexivo inicial. Todas as críticas e sugestões serão muito bem-vindas.





[1] Ver ARAÚJO, Paulo Cesar de . EU NÃO SOU CACHORRO, NÃO. 8° edição, Rio de Janeiro: Record, 2013.
[2] Idem.
[3] Ver FACINI, Adriana. NÃO BATE DOUTOR; funk e discriminação da pobreza. Disponível em

2 comentários:

  1. Boa Edu! :D
    Parabéns pelo blog pessoal!

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  2. Algo semelhante aconteceu nos EUA em relação ao Blues e Jazz: especialmente o blues, que também trazia a temática das drogas, apelo sexual e a famosa dor de corno, em muitas de suas letras. Depois, todos sabem, esses estilos musicais assumiram um status de sofisticação que permanece até hoje. O samba também sofreu marginalização antes de ser aceito e consumido pela população branca. Parabéns pelo texto!

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