Prof. Eduardo Schütz - Licenciado em História pela Universidade Luterana do Brasil, bacharelando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Do Brega ao Funk: dois casos de “perseguição cultural”
Nessas breves palavras, buscaremos, a partir de uma
abordagem de história comparada, tecer alguns comentários sobre as duras críticas
dirigidas a artistas de origem popular no cenário musical brasileiro.
Nos anos 70, em meio a um intenso processo de
urbanização, novos cantores ganhavam popularidade no país. Nomes como Chico
Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, João Gilberto, Milton Nascimento, entre
outros, já haviam se consolidado como artistas de sucesso e qualidade no país. Mas
apesar de todo reconhecimento que estes desfrutavam eram cantores de origem
popular os responsáveis pelas maiores vendagens de discos.[1]Com
tiragens de centenas de milhares e não raro acima de um milhão de cópias
vendidas, Waldick Soriano, Nelson Ned, Agnaldo Timóteo e Odair José eram alvos
de duras críticas da grande mídia e críticos do setor musical. Acusados de não terem
talento, não saberem cantar, receberam a alcunha de cafonas e, mais tarde, nos
anos 80 ficariam conhecidos como bregas. Alcunha recebida em virtude de suas
canções serem muito populares em meretrícios, chamados de brega em algumas
regiões do Nordeste.[2]
Comparando o cenário atual da música brasileira,
podemos observar certas certas permanências nos alvos e no conteúdo da crítica.
Nos 70, aqueles artistas que retratavam sofrimentos amorosos e outras temáticas,
muito populares entre a grande massa da população brasileira, o que se prova
através das altas vendagens, eram acusados de não terem talento, como já foi
acima citado. Atualmente, percebemos críticas com certa semelhança ao funk
carioca, guardadas as diferenças no tempo histórico, pois o Brasil do período
vivia sobre uma ditadura militar, perseguições políticas promovidas pelo
Estado. Atualmente o cenário é outro, mas a perseguição à cultura popular
segue.
O funk carioca é um estilo
largamente difundido em nossa sociedade, principalmente entre a juventude das
periferias, não apenas do Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil. Essa expansão custou
muito caro ao estilo, pois quanto mais ganhava novos adeptos, mais críticas
recebia.[3] Dentre
as principais críticas estão o conteúdo das letras, que longe de conter o
romantismo tragicômico típico da sociedade burguesa falam de sexo abertamente,
abordam o tráfico de drogas, nem sempre fazendo apologia, apenas abordando de
forma direta a dura realidade da favela.
Também há
aqueles que desdenham em virtude de suas letras não seguirem a norma culta do
português, ou seja, serem carregadas de gírias e de linguagem popular, mais uma
clara forma de opressão. Por último, tem a forte herança cultural
afrodescendente nos ritmos. O funk carioca foi construído a partir de
influências da Black Music, ou seja, ritmos afrodescendentes estadunidenses, além
de mesclar à cultura nacional criaram um estilo que acrescentaria ainda a
música eletrônica.¹
Do
Pancadão ao Ostentação
Os funks que falavam sobre o tráfico
de drogas e sobre sexo foram denominados de várias formas, proibidão, por
exemplo. Sofrendo as maiores e mais enfáticas abordagens críticas por parte dos
setores mais conservadores e elitistas de nossa sociedade o proibidão foi muito
tocado nos bailes funks, festas largamente difundidas nas comunidades cariocas
e perseguidas pelo poder público nos anos 90, mas que hoje possuem versões para
entreter setores da elite. Como já ocorreu com outros estilos musicais no
passado, atualmente existe o funk aceito pela mídia, o funk ostentação. Nomes
como Mc Biel, Guimé e Anita são muito conhecidos do grande público, frequentemente
presentes em programas de televisão detém as maiores atenções dos holofotes. Mas
o que poderia ser o início de uma aceitação ao funk se apresenta mais como uma
forma de apropriação, visto que artistas brancos recebem o maior espaço de
divulgação midiática, contradição gritante para um estilo oriundo da cultura
afrodescendente. Sendo o funk uma música negra, por que não temos
representantes negros no centro das atenções? Por que o proibidão segue
censurado na televisão e no rádio? Novamente vemos uma perseguição a cultura
popular, uma tentativa de esconder determinadas manifestações legitimamente
populares, manifestações que desconcertam as autoridades, as elites, a
famigerada família brasileira. Manifestações que mostram uma parte do Brasil
que segmentos mais conservadores e elitistas da sociedade brasileira querem
esconder, esquecer.
Ao que parece um dos grandes
“pecados” do funk foi “ousar” abordar temáticas que pertenciam à musica
burguesa, o nosso bom e velho rock in roll, sexo e drogas. Afinal de contas
sexo e drogas são coisas inexistentes no cotidiano das classes médias e altas
brasileiras? Não é preciso responder a tal questionamento. O que se faz
necessário é refletirmos sobre os reais motivos que motivam as críticas ao funk
carioca, preconceito, moralismo, incompreensão, discriminação? Este é um
questionamento que merece nossa atenção.
Se nos anos 70 os cantores românticos eram alvos das
críticas da imprensa e de segmentos mais elitistas da sociedade brasileira,
pois abordavam temáticas que não estavam no cerne do interesse desses grupos,
hoje temos o funk que desconcerta, que assim como os românticos de outrora, não
pedem licença, apresentam sua proposta e conquistam grande parte da sociedade
brasileira.
*Esse
texto é um esforço reflexivo inicial. Todas as críticas e sugestões serão muito
bem-vindas.
Boa Edu! :D
ResponderExcluirParabéns pelo blog pessoal!
Algo semelhante aconteceu nos EUA em relação ao Blues e Jazz: especialmente o blues, que também trazia a temática das drogas, apelo sexual e a famosa dor de corno, em muitas de suas letras. Depois, todos sabem, esses estilos musicais assumiram um status de sofisticação que permanece até hoje. O samba também sofreu marginalização antes de ser aceito e consumido pela população branca. Parabéns pelo texto!
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