quinta-feira, 28 de abril de 2016

Receita de bolo, em horário nobre.


Receita de bolo, em horário nobre.

Jefferson Meister Pires – bacharel em Ciências Sociais

É lógico que o processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff é uma luta por poder, praticamente todos os processos políticos envolvem disputa por poder e controle. Mas será que é sempre necessário explicar o óbvio?
Algo que assusta é que muitas pessoas estão enojadas da disputa política, como se não fizessem política todos os dias, talvez não saibam que quando emitem opiniões estão fazendo política, quando dão um like ou dislike estão fazendo política, as redes sociais são espaço cada vez mais de política. É muito provável que a leitura de Aristóteles e seu zoon politikon pudesse esclarecer questões como esta. O problema é que a leitura de Aristóteles, Platão, Sócrates e outros filósofos só ocorre no final do ensino médio, isso quando ocorre, fato que por si só torna preocupante a perspectiva de esclarecimento nas próximas gerações.
Mas o que está por trás desse “nojo” sobre a política é a famosa ideologia do saco de gatos, o reducionismo simplificador da realidade que tenta a todo momento igualar opiniões e ações, como se todo o pensamento fosse produto da mesma matriz e se todas as ações levassem ao mesmo resultado. Ditados populares proliferam sobre a atuação dos políticos, partidos já não importam mais, muito menos questões ideológicas, a única e dominante ideologia que passa a existir é “ganhar dinheiro”.
Trata-se de uma daquelas armadilhas que criam um círculo que chamamos de vicioso, pois ele não consegue sair do mesmo lugar nem criar soluções diferentes, temos situações que se assemelham em momentos decisivos da política e sociedade nacionais. Quando a maior parte da nossa classe dominante sente seus privilégios ameaçados, cria ou maximiza uma situação de crise, especialmente econômica, que envolve e amassa principalmente as classes médias e pobres. Estas mesmas classes dominantes monopolizam os meios de informação e comunicação e passam a sistematizar campanhas contra o governo que está ameaçando seus privilégios, dizendo diariamente que a crise é resultado da ação incompetente do governo, escondendo quaisquer outros fatores, internos e externos. Existe, porém, um elemento decisivo para que se insuflem os ânimos até chegar ao ápice da campanha de destruição de um governo e seus ocupantes, a temível corrupção.
Assim a corrupção adquire status de demônio, aliás, em um dos upgrades dessa forma de pensar, as igrejas neopentecostais se unem à campanha virtuosa de combate ao mal (corrupção do governo), pois na era de Vargas não houve um expressivo envolvimento religioso, já na época de Jango foi a Igreja católica que defendia as famílias contra a corrupção moral do comunismo, agora são os evangélicos que se unem através de uma das mais conservadoras bancadas de deputados da curta história de nossa democracia e do nosso congresso nacional, sempre em defesa da família (da família de quem?).
É quase como criar uma receita de bolo: Junte uma porção de problemas econômicos com um bocado de problemas sociais, misture tudo com um número sem fim de notícias dirigidas e manchetes fabricadas, adicione um ou dois pseudo-intelectuais para dar sustentação à massa. Para o recheio, junte o nível educacional extremamente baixo com um incessante desejo de consumir e adicione umas pitadas de saudosismo, conservadorismo, revanchismo e medo, não economize nos escândalos de corrupção. Adicione o recheio à massa e deixe assando por alguns anos. O retorno é garantido, saboreie golpe.
Vargas, Jango duas vezes e agora Dilma, em um período de sessenta e poucos anos estamos assistindo à quarta tentativa de golpe com a mesma cara, mesmo roteiro, embora atores diferentes. Uma luta pelo poder de impor ideologia, no caso, a ideologia daqueles que possuem privilégios e não querem compartilhá-los. Tentam mostrar à maioria que existe uma minoria que merece aproveitar as facilidades da vida, pior, tentam mostrar que é possível a qualquer um chegar ao patamar de aproveitar os benefícios do capital, basta o esforço.
Disputa por poder sim, mas disputa pelo direito de ser Presidente da República e de todo o poder que advém deveria ser apenas durante o período eleitoral, deveria estar restrito às regras democráticas e com projetos definidos de poder. Dizer que todos os políticos são iguais só faz reforçar a ideia de que não importa quem está no governo, a corrupção será a mesma, os problemas serão os mesmos e as soluções (ou a falta delas) também. É negar que mudanças existem, mesmo que lentas, é negar que existem pensamentos diferentes, é dizer que o Estado vai sempre ser o lugar da corrupção e dos corruptos, enquanto que as empresas e o mercado são o paraíso da competência e da virtude.
Estamos vivendo um momento perigoso, onde mais uma vez se torna imprescindível explicar o óbvio, mas com muito cuidado, pois em tempos de golpe basta uma palavra mal colocada para os ânimos explodirem, ou pior, basta uma palavra mal colocada para séculos de pesquisas e desenvolvimento do conhecimento acabar sendo desqualificados e tratados com ironia ou desprezo, com a simplória ideologia do saco de gatos.


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