Receita de bolo, em
horário nobre.
Jefferson
Meister Pires – bacharel em Ciências Sociais
É lógico que o processo
de impeachment da Presidente Dilma Rousseff é uma luta por poder, praticamente
todos os processos políticos envolvem disputa por poder e controle. Mas será
que é sempre necessário explicar o óbvio?
Algo que assusta é que
muitas pessoas estão enojadas da disputa política, como se não fizessem
política todos os dias, talvez não saibam que quando emitem opiniões estão
fazendo política, quando dão um like ou dislike estão fazendo política, as
redes sociais são espaço cada vez mais de política. É muito provável que a
leitura de Aristóteles e seu zoon politikon pudesse esclarecer questões como
esta. O problema é que a leitura de Aristóteles, Platão, Sócrates e outros
filósofos só ocorre no final do ensino médio, isso quando ocorre, fato que por
si só torna preocupante a perspectiva de esclarecimento nas próximas gerações.
Mas o que está por trás
desse “nojo” sobre a política é a famosa ideologia do saco de gatos, o
reducionismo simplificador da realidade que tenta a todo momento igualar
opiniões e ações, como se todo o pensamento fosse produto da mesma matriz e se
todas as ações levassem ao mesmo resultado. Ditados populares proliferam sobre
a atuação dos políticos, partidos já não importam mais, muito menos questões
ideológicas, a única e dominante ideologia que passa a existir é “ganhar
dinheiro”.
Trata-se de uma daquelas
armadilhas que criam um círculo que chamamos de vicioso, pois ele não consegue
sair do mesmo lugar nem criar soluções diferentes, temos situações que se
assemelham em momentos decisivos da política e sociedade nacionais. Quando a
maior parte da nossa classe dominante sente seus privilégios ameaçados, cria ou
maximiza uma situação de crise, especialmente econômica, que envolve e amassa
principalmente as classes médias e pobres. Estas mesmas classes dominantes
monopolizam os meios de informação e comunicação e passam a sistematizar
campanhas contra o governo que está ameaçando seus privilégios, dizendo
diariamente que a crise é resultado da ação incompetente do governo, escondendo
quaisquer outros fatores, internos e externos. Existe, porém, um elemento
decisivo para que se insuflem os ânimos até chegar ao ápice da campanha de
destruição de um governo e seus ocupantes, a temível corrupção.
Assim a corrupção
adquire status de demônio, aliás, em um dos upgrades
dessa forma de pensar, as igrejas neopentecostais se unem à campanha virtuosa
de combate ao mal (corrupção do governo), pois na era de Vargas não houve um
expressivo envolvimento religioso, já na época de Jango foi a Igreja católica
que defendia as famílias contra a corrupção moral do comunismo, agora são os
evangélicos que se unem através de uma das mais conservadoras bancadas de deputados
da curta história de nossa democracia e do nosso congresso nacional, sempre em
defesa da família (da família de quem?).
É quase como criar uma
receita de bolo: Junte uma porção de problemas econômicos com um bocado de
problemas sociais, misture tudo com um número sem fim de notícias dirigidas e
manchetes fabricadas, adicione um ou dois pseudo-intelectuais para dar
sustentação à massa. Para o recheio, junte o nível educacional extremamente
baixo com um incessante desejo de consumir e adicione umas pitadas de
saudosismo, conservadorismo, revanchismo e medo, não economize nos escândalos
de corrupção. Adicione o recheio à massa e deixe assando por alguns anos. O
retorno é garantido, saboreie golpe.
Vargas, Jango duas vezes
e agora Dilma, em um período de sessenta e poucos anos estamos assistindo à
quarta tentativa de golpe com a mesma cara, mesmo roteiro, embora atores
diferentes. Uma luta pelo poder de impor ideologia, no caso, a ideologia
daqueles que possuem privilégios e não querem compartilhá-los. Tentam mostrar à
maioria que existe uma minoria que merece aproveitar as facilidades da vida,
pior, tentam mostrar que é possível a qualquer um chegar ao patamar de
aproveitar os benefícios do capital, basta o esforço.
Disputa por poder sim,
mas disputa pelo direito de ser Presidente da República e de todo o poder que
advém deveria ser apenas durante o período eleitoral, deveria estar restrito às
regras democráticas e com projetos definidos de poder. Dizer que todos os
políticos são iguais só faz reforçar a ideia de que não importa quem está no
governo, a corrupção será a mesma, os problemas serão os mesmos e as soluções
(ou a falta delas) também. É negar que mudanças existem, mesmo que lentas, é
negar que existem pensamentos diferentes, é dizer que o Estado vai sempre ser o
lugar da corrupção e dos corruptos, enquanto que as empresas e o mercado são o
paraíso da competência e da virtude.
Estamos vivendo um
momento perigoso, onde mais uma vez se torna imprescindível explicar o óbvio,
mas com muito cuidado, pois em tempos de golpe basta uma palavra mal colocada
para os ânimos explodirem, ou pior, basta uma palavra mal colocada para séculos
de pesquisas e desenvolvimento do conhecimento acabar sendo desqualificados e
tratados com ironia ou desprezo, com a simplória ideologia do saco de gatos.
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