Direito à Educação: garantido e
obrigatório para os jovens entre 15 e 17 anos.
O ano letivo de 2016 já iniciou. Mas
nem tudo está certo. Não como deveria estar. Já vou explicar.
Bruno Saldanha - Acadêmico de Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
É dever do Poder Público, conforme
parágrafo 1 do artigo 5 da LDBEN, alterado pela Lei 12.796, de 4 de abril de
2013: recensear anualmente as crianças e adolescentes em idade escolar, bem
como os jovens e adultos que não concluíram a educação básica, fazer-lhes a
chamada pública e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à
escola. Outra alteração “recente” na legislação educacional, mais
especificamente na Constituição Federal, corresponde à Emenda Constitucional 59
de 11 de Novembro de 2009 (EC 59/09): educação básica obrigatória e gratuita
dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade. O ensino fundamental, antes
obrigatório dos 6 aos 14 anos, tinha uma taxa de quase 100% de universalização.
Porém, com estas alterações, se abrem duas lacunas: as crianças com 4 e 5 anos
e os jovens entre 15 e 17 anos. O Poder Público, representado pelas Secretarias
de Educação, precisa recensear as crianças e adolescentes nesta faixa etária
(em idade escolar) e chamá-los para a escola.
A alteração pela EC 59/09, reforçada
nas metas 1, 2 e 3 do Plano Nacional da Educação (PNE) de 2014, tem como data
limite para sua implementação o ano de 2016. Aí começam os problemas pelos
quais eu citei logo no começo do texto que nem tudo ainda está certo neste ano
letivo. Temos assistido a inúmeras notícias sobre o sufoco que os municípios têm
passado para construir escolas de educação infantil, reformar e aumentar o
número de salas ou negociar espaços e salas de aula com o estado, entre outras
formas para conseguir se adequar à nova legislação. É claro que isto não é
trabalho fácil. Mas quero lembrar que esta alteração tem 6 anos, mas somente em
2013 que a maioria dos municípios começou a pensar sobre isso, tendo em vista o
prazo. Claro, também após muita pressão das organizações e de pesquisadores da
educação infantil. O número de crianças nesta faixa etária é grande e, de
acordo com as estimativas e pesquisas atuais, em 2016 não vamos ter um saldo
muito positivo. Não bastasse isso, há o problema pelo qual eu me preocupo ainda
mais: a lacuna dos jovens de 15 a 17 anos. A mídia não tem debatido este outro
lado da história. Tampouco os próprios representantes das secretarias, quando
entrevistados, comentam a questão destes jovens.
Segundo os dados do IBGE/PNAD de 2013,
referentes à população de 15 a 17 anos, o Rio Grande do Sul (RS) tem
119.845 jovens que não frequentam a escola. A situação é ainda
pior quando o assunto é ensino médio: dos 545.799 jovens nesta faixa
etária, apenas 292.948 estão matriculados nesta etapa da educação básica. Ou
seja, mais de 130 mil jovens que estão frequentando a escola não
estão na etapa adequada. Outros dados importantes se referem aos jovens de
19 anos que conseguem concluir o ensino médio: dos 156.557, apenas 76.362
concluem.
Temos, então, um duplo problema: por
qual motivo estes mais de 100 mil jovens do RS estão fora das escolas e por
qual motivo não parece haver preocupação em se adequar às alterações previstas
na legislação, que incluem além das crianças os jovens de 15 a 17 anos?
Acontece que as crianças de 4 e 5 anos
têm um lugar certo: a pré escola. Isso não significa que seja tarefa fácil,
repito. No entanto, os jovens de 15 a 17 anos constituem uma problemática
maior: não há etapa exata para retornarem às escolas e ainda existem outros
fatores que podem ter contribuído para sua evasão (prefiro sempre o termo
exclusão; logo mais explico). Estes jovens podem ter uma realidade de vida que
lhes impõe a necessidade de trabalhar desde o primeiro momento em que a lei
permitir (em alguns casos, até mesmo antes). Há os que precisam cuidar dos
irmãos mais novos, enquanto os pais trabalham, não tendo tempo para estudar.
Pior ainda, sabemos que há muitas escolhas fora da escola para que os jovens as
prefiram ou vejam nelas maiores oportunidades, seja para tornarem-se “alguém”
ou para conseguirem dinheiro sem a necessidade de esperar o tão demorado – e ao
mesmo tempo tão incerto – momento em que haverá a formatura e os bons empregos.
Estes jovens talvez sejam os maiores alvos daqueles que bradam pela redução da
maioridade penal. Enfim, as possibilidades são muitas, e talvez, por isso
mesmo, haja a necessidade ainda maior de o Poder Público pensar políticas e
mecanismos para que estes jovens possam retornar às escolas e não terem apenas
o acesso garantido, mas a permanência, a qualidade e a conclusão: efetivarem o
seu direito à educação.
Quanto a isto, aprovado em 2015, o
Plano Municipal de Educação em sua Meta 3 e Estratégia 3.9, diz o seguinte:promover
e assegurar, sob responsabilidade dos Gestores
Públicos, a busca ativa da população de 15 a 17 anos fora da escola, em
articulação com os serviços de assistência social, cultura, saúde e proteção à
adolescência e à juventude, com ações garantidas em Grupos
de Trabalho no Sistema de Colaboração dos Entes Federados.
E ainda, na Estratégia 3.10: Garantir políticas
de formação básica que relacione educação cultura– trabalho com
os conteúdos básicos para a população urbana de jovens na faixa etária de 15 a
17 anos, e de adultos sob responsabilidade do poder público, com vistas à qualificação
social e profissional para aqueles que estejam fora da escola e com defasagem
no fluxo escolar.
Aprovado também em 2015, o Plano
Estadual de Educação (PEE) em sua Meta 3 e Estratégia 3.12, diz o seguinte:desenvolver,
sob responsabilidade dos gestores dos sistemas de ensino –
administradores e normatizadores –,programas de educação e de cultura para
a população jovem da zona urbana e do campo, a partir dos 15 (quinze) anos, com
o foco na qualificação social e profissional para aqueles que estejam com
defasagem no fluxo escolar ou os que estão afastados da escola, estimulando
a participação dos adolescentes e jovens nos cursos das áreas tecnológicas,
científicas e artístico-culturais.
Na Estratégia 3.13, outro ponto
importante: criar, a partir da aprovação deste Plano,
políticas e programas que instituam mecanismos para a redução dos índices de
reprovação e de evasão, principalmente, noturnos, sob
responsabilidade da Seduc e Secretarias Municipais de Educação.
E por fim, ainda no PEE: aprimorar
e aprofundar, a partir da aprovação deste PEE, a reorganização do
ensino médio noturno, de forma a adequá-lo cada vez mais às características e
necessidades dos estudantes trabalhadores, sem prejuízo à qualidade
social de ensino, por meio das ações da Seduc e CEEd.
Enfatizei estas estratégias, pois as
demais se relacionam basicamente com o ensino médio e não acredito estarem
conectadas com a realidade dos alunos desta faixa etária que estão fora das
escolas. Como se pode ver, os Planos têm estratégias positivas para a questão
destes alunos. Não vou entrar no debate da escola anacrônica e impermeável, que
não consegue perceber que a sua perda de autoridade moral e pedagógica se deve,
em muito, ao fato de que hoje é impossível esconder o caráter de socialização
da escola, e que, portanto, ela não pode mais tentar controlar os alunos e as
diferenças culturais para manter sua característica autoritária, quase militar,
que limita e proíbe.
Não estamos debatendo o direito destes
jovens à educação. Não estamos pensando as possibilidades de construir o
reencontro entre eles e a escola. Continuamos excluindo-os. Não é possível que
tantas garantias legais sejam insuficientes para que o Poder Púbico se veja na
obrigação de pensar nestes jovens que há décadas estamos perdendo e excluindo
da escola. Digo excluindo por que evadir pressupõe uma vontade consciente e não
uma decisão com base em um contexto que não pensa as particularidades e as
desigualdades. O direito à educação – não somente o acesso – tem sido cada vez
mais debatido e reivindicado, mas para efetivá-lo é preciso que este debate se
expanda e seja promovido e incentivado com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho, conforme o artigo 205 da
Constituição Federal prevê. Vale lembrar que a não oferta do ensino obrigatório
é crime de responsabilidade por parte da autoridade competente, previsto no
parágrafo 4 do artigo 5, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
A dúvida que fica é: as Secretarias de
Educação estão se mobilizando, ainda que internamente, para cumprirem o que
consta nas legislações e nos Planos Educacionais, no que tange aos direitos dos
jovens de 15 a 17 anos?
Ou vamos manter a tese de que a solução
é a redução da maioridade e o trabalho cada vez mais precoce, entre outras
medidas que, no fim, acabam excluindo e punindo os nossos jovens?
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