segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Tolkien e o Cenário Político Brasileiro: Ficção e Realidade em uma breve analogia entre a Terra Média e a Terra Brasílis.

Tolkien e o Cenário Político Brasileiro: Ficção e Realidade em uma breve analogia entre a Terra Média e a Terra Brasílis.

Sérgio Pires é Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Bacharelando em Ciências Sociais, com ênfase em Antropologia, pela UFRGS.

Para os amantes do cinema, assim como eu, apreciar bons filmes é uma prática que nos traz satisfação e prazer. Nada mais deleitoso para um cinéfilo que entrar nas grandes salas de cinema (que confesso, sou saudosista dos cinemas de bairro), e deparar-se com a tela grande, sentar-se confortavelmente em sua poltrona e esperar o início do filme; ou ainda, encontrar, em meio a dezenas de títulos, aquele filme, a muito tempo assistido, e que a muito tempo se buscava...é quase como encontrar um tesouro de grande valor.

Os filmes servem para nosso entretenimento, para nos transportar para outras dimensões e realidades não imaginadas, ou, de modo mais enfático, nos mostrar duras realidades vividas por personagens, reais ou fictícios, nos proporcionando as mais variadas reações: desde risadas descontroladas até lágrimas que nossos olhos deixam escapar...essa é a magia do cinema, que tem a capacidade de tocarmos profundamente e de mexer com nossas emoções.

Dentre as centenas de filmes que já assisti, uma trilogia me marcou muito, e que, seguramente, já devo ter assistido mais de 20 vezes, com a mesma empolgação da primeira: O Senhor dos Anéis (The Lord of the rings). Desde sua estreia no cinema até o lançamento do terceiro e último da trilogia, assisto admirado pela criatividade inventiva de Tolkien, criador da estória, que com sua obra descortinou em nossa frente um mundo repleto de personagens marcantes e uma estória fantástica...

Nestes últimos meses, enquanto realizava minhas “Jornadas Senhor dos Anéis” - quem é cinéfilo sabe do que estou falando - pude observar de modo mais atento o enredo, bem como o desenvolver da trama, e não pude deixar de traçar um paralelo entre a ficção de Tolkien e o cenário político de nosso país. Existem muitas semelhanças, como veremos a seguir:

1)    A Terra Média vivia tempos de paz, com sua diversidade de povos e culturas – homens, elfos, anões, hobbits, ents, etc. Nesse período foram forjados os “anéis de poder”, distribuídos a cada liderança dos povos. Até que uma grande ameaça surgiu: Sauron, o senhor da escuridão, havia forjado em segredo um anel mestre, e colocou nele toda a sua essência, um anel para todos dominar. Sentindo-se fortalecido e reunindo seus exércitos, planejava tomar a Terra Média e subjugar os povos. Em uma grande união para defender sua liberdade, os povos confrontaram as tropas de Sauron, saindo-se vitoriosos contra a escuridão de Mordor. Contudo, o “Um Anel”, não fora destruído, mantendo assim a ameaça do retorno de Sauron. E assim a vida seguiu, enquanto o anel esperava o tempo certo para voltar.

O Brasil vivia sua jovem democracia, com sua diversidade de ideologias políticas, contudo, as classes conservadoras, possuidoras de grande poder econômico e sentindo-se ameaçadas pelas políticas populistas do Governo Jango e desprovidas de cargos nas esferas de poder, uniram-se para derrubar esse governo, cooptando a grande mídia, comprometida e interesseira, criando e propagando o monstro da “invasão comunista no Brasil”, setores conservadores da sociedade brasileira, e junto com os militares (que em suas altas patentes tem membros oriundos dessas classes mais abastadas), foi dado o golpe civil-militar de 1964. Após o período de sombras da ditadura, com a abertura, voltamos a ter um governo democrático, com eleições diretas posteriormente, e a diversidade de ideologias políticas pode se fazer presente novamente, sem riscos a quem “pensar diferente”.

Analogia: Nesse primeiro momento, podemos comparar as fases do filme e de nossa história: A diversidade dos povos da Terra Média pode ser comparada com a pluralidade do pensamento político que existia no Brasil antes do Golpe de 64, que apesar de suas diferenças, se uniram em prol do bem comum, no caso, o fim do regime. A grande sombra de Mordor, que avançava sobre a Terra Média, é a onda conservadora no Brasil, que avançou muito no período pré-golpe. Os anéis de poder podemos comparar com as negociações internas de nossa política partidária, onde em troca de poder, determinados grupos ficam comprometidos com o grupo hegemônico, em um sistema de troca, mesmo que isso entre em conflito com os princípios ideológicos. Os exércitos de Orcs pode ser comparado com as grandes massas que, insufladas pela grande mídia, saíram as ruas por “Deus, Pátria e Família”.  E, por fim, quando o anel se perde nos riachos da Terra Média, trazendo um período de paz, podemos comparar com o período de abertura e o retorno das eleições diretas.

2)    O Anel de Poder é descoberto por Smeagoll, do Povo do Rio, sua cobiça pelo anel o faz matar, e por isso banido para as montanhas. O anel tem vontade própria, e se esforça para ser encontrado, e isso acontece através da mais improvável das criaturas, um hobbit chamado Bilbo. Ele o leva para o Condado. Nesse tempo, as forças de Sauron se reagruparam, e aumentaram seu número com novas alianças, almejando um novo confronto com os povos da Terra Média, que foi pouco a pouco tomada pela escuridão de Mordor, e auxiliado pelos Nazgul, os exércitos de Sauron foram tomando cidade por cidade, com o objetivo de subjugar a todos.

A reconstrução da democracia no Brasil foi um processo longo, ainda em curso eu diria, por ser uma jovem democracia em comparação com outros países. Contudo, muito do que se via na política, refletia o quanto a sociedade brasileira era desigual, apresentando abismos gigantescos entre os que tinham muito, e os que nada tinham. Questões como o acesso a saúde de qualidade e educação eram verdadeiros empecilhos para se desenvolver uma cidadania de fato para a grande maioria da população do país. Esse cenário sofreu alterações com a eleição de um governo de esquerda, popular, ainda que distanciado de sua essência, mas que, no decorrer de seus mandatos, pode criar políticas de distribuição de renda, de acesso a saúde, assim como de acesso ao ensino superior aos mais pobres, trazendo assim uma certa equidade, ainda que em um grau muito pequeno, nas relações sociais.

Analogia: Nessa segunda parte, podemos ver que, assim como Sauron, a classe conservadora do Brasil ficou recuada, se reestruturando, cooptando novos seguidores e simpatizantes de sua ideologia. Os grandes Caciques da política brasileira, que aqui podemos compará-los aos Nazgul, arregimentaram seus exércitos de eleitores, novas alianças foram construídas.

Podemos fazer uma comparação de Saruman com as classes médias, que, tendo um crescimento no poder econômico, pensou que pertenciam a classe alta, e se rebelaram contra o governo que os beneficiou, assim como Saruman ao se aliar a Sauron e esquecer as alianças com os povos da Terra Média.

Bilbo, em nossa interpretação, representa as alianças erradas em uma política de coalisão, os erros estratégicos na política, que fazem com que o poder corra o risco de cair em mãos erradas. Smeagol pode ser comparado com aqueles políticos que articularam o novo golpe, que almejam o poder a qualquer custo, pois sempre o perseguiram.

Quando a arte imita a vida...

            Do mesmo modo como na trilogia “Senhor dos Anéis”, a política brasileira atravessa por um período de grandes e sérios conflitos. A grande sombra que emana de Mordor está se espalhando pelo nosso país, conquistando cidade por cidade...

            A grande “Onda Conservadora”, representada por aqueles grupos sociais que detém a hegemonia do poder econômico, teve, desde a abertura democrática, tempo para recuar, se fortalecer e se reestruturar, e agora, assim como as sombras de Mordor, essa onda está avançando pelo país inteiro. Esse movimento teve início quando, em um erro imperdoável de estratégia, um partido que representa essa onda, teve acesso aos círculos decisórios do país, e assim como o “Um Anel” traiu Isildor, este partido promoveu um golpe político para tomar o poder, e o conseguiu. Essa foi a primeira batalha perdida para a escuridão. A segunda batalha foi perdida nas eleições municipais, onde os caciques políticos (nazgul), conseguiram eleger seus comandados, espalhando ainda mais a escuridão da onda conservadora, que assim como na trilogia, essa onda não tem como objetivo apenas dominar, mas sim transformar a seu bel prazer o mundo a sua volta, e o está fazendo.

             Na ficção ainda podemos contar com heróis como Aragorn, Legolas, Gimli, Frodo, Sam e Gandalf, mas, e na vida real? Com quem podemos contar? Cada um de nós terá que ser um pouco como eles nesta grande luta que já se iniciou. E quanto aos nossos povos (partidos de oposição)? Estarão unidos? Marcharão novamente contra os exércitos de Sauron? Esse é sem dúvida o principal questionamento acerca da resistência aos ataques que não param. O quanto estamos coesos e unidos para lutarmos juntos contra a escuridão que encobre o céu de nosso país, estado e município? Que possamos fazer essa reflexão fundamental para os próximos capítulos de nosso filme da vida real.



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