domingo, 10 de dezembro de 2017

Direitos humanos para todos



Paulinho dos Santos é Acadêmico de Ciências Sociais pela UFRGS e Militante de Causas Sociais.


Direitos humanos para todos





Segundo o filósofo grego, Aristóteles, “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”. Esse princípio é importantíssimo na compreensão da importância da constituição dos direitos humanos.

O terror espalhado pelo mundo durante a Segunda Guerra Mundial, que matou milhares de pessoas, desses, cerca de 6 milhões de judeus, no extermínio étnico em massa durante o holocausto, promovido pela Alemanha Nazista; que apresentou ao mundo o horror das bombas atômicas norte-americanas, que fizeram por volta de 300 mil vítimas no Japão; que devastou a Europa; etc., fizeram com que o mundo, após o fim daquela que havia sido a pior batalha em escala mundial, buscasse controlar a força dos Estados Nacionais e criar condições de dignidade e proteção às pessoas.

Dessa forma, em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas aprovou e assinou a Declaração Universal dos Direitos Humanos que tem por fundamento garantir que as pessoas tenham direito à liberdade, à vida, à segurança, etc. Além disso, a carta prevê que ninguém será submetido à perseguição, à tortura, ou qualquer coisa do gênero, mas que terá tratamento justo de acordo com os tratados da lei.

Ou seja, a todas as pessoas será dado tratamento igual e digno.

No entanto, em sociedades cuja desigualdade socioeconômica impera, a desigualdade de posição dos indivíduos na sociedade faz com que estratos sociais sejam criados e, com isso, direitos sejam negados a uns, em detrimento de outros. O que passa a configurar, então, não mais um direito substantivo, mas a uma dádiva a alguns poucos.


Por isso, pessoalmente, gosto de utilizar a expressão “direitos humanos são para todos”, pois, partindo do princípio aristotélico de que “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”, significa que é preciso lutar por aquilo que parece ser o mais básico em um Estado Democrático de Direito, que é a garantia do direito a todas as pessoas sem discriminação, garantindo a equidade social, econômica e legal.

No meu entendimento, referir que os direitos humanos devem alcançar todas as pessoas, significa dizer que não pode ser aceito, nas sociedades atuais, que alguns poucos tenham mais condições de acessar os direitos fundamentais, do que a maioria da população, pois, sendo assim, o direito dos poucos deixa de ser direito e passa a ser benesse.

Além disso, afirmar que os direitos humanos devem ser para todas as pessoas, é fazer o contraponto urgente à ideologia que tem sido difundida de que “direitos humanos devem ser para humanos direitos”.

Ora, quem são os tais “humanos direitos”? Alguns dirão que são aqueles que não roubam, não traficam, não cometem nenhum tipo de crime, que trabalham e se sustentam a si e sua família mesmo com dificuldade. Poderia concordar facilmente com essa conceitualização dada por determinado grupo, difusor da ideologia dominante, que faz com que o senso comum abarque determinada ideia.

Entretanto, é inegável que, diante das condições históricas do povo brasileiro, esse conceito não se traduz tal qual o imaginário social. Ou seja, somos uma sociedade que escravizava os negros até 130 anos atrás. Somos uma sociedade que, ao “abolir a escravidão”, relegou o povo negro ao abandono e à miséria. Vivemos em um país que, ao “acabar com o trabalho escravo” (???), deixou o povo negro desempregado e abriu espaço aos imigrantes para comporem a mão de obra assalariada.

Essa postura do governo e da sociedade brasileira, fizeram com que bolsões de miséria fossem criados no Brasil. Com a miséria, o crime passou a ser uma saída contra a fome. E assim por diante.

Assim, chegamos no século XXI com a quarta maior população carcerária do mundo (atrás somente dos Estados Unidos, da China e da Rússia), alcançando um total de 622 mil presos. Desses, 61,6% são negros e negras.

Além disso, o povo que mais morre, no Brasil, é negro. E é jovem.

Ora, o grupo que defende que “direitos humanos devem ser para humanos direitos”, defende que o direito continue a ser propriedade daqueles à quem o direito sempre serviu: aos mais ricos e poderosos.


Por fim, reafirmar que os direitos humanos devem ser para todos, é reafirmar a necessidade de construirmos uma nova sociedade, mais humana, mais fraterna, mais igualitária e mais justa. 

domingo, 26 de novembro de 2017

Afinal, o que querem os estudos de gênero?




Cristine Severo é Mestra e Graduada em Letras pela UFRGS e Graduanda em Ciências Sociais pela UFRGS e Professora pela Rede Pública em Novo Hamburgo - RS



Afinal, o que querem os estudos de gênero?





     Nos últimos tempos, tem sido frequente uma enorme ojeriza em relação aos estudos de gênero, ao movimento feminista ou a qualquer pauta relacionada aos temas LGBTQ. Assisti a um vídeo na internet que mostrava crianças se posicionando contra a tal “ideologia de gênero” (eu realmente não sei o que é isso!), falando em Deus, dizendo que não nasceram erradas e que Deus não errou. O que vi no vídeo foi uma ignorância gigantesca sobre o que são os estudos de gênero. A internet e os brasileiros estão tomados pelo vírus da ignorância, cujos sintomas são: falar sobre qualquer assunto sem ler e sem pesquisar, não aceitar o diálogo, citar Deus quando não deveriam, não querer aprender sobre o assunto, entre outros ainda não descobertos (é possível que os sintomas se manifestem de forma diferente em cada pessoa dependendo do nível de intolerância de cada um).
     Felizmente esse vírus tem cura: se chama pesquisa e leitura. Se, mesmo depois de ler e pesquisar sobre os assuntos, as pessoas ainda forem contra, pelo menos o são com propriedade, e não baseados em Deus ou algo do tipo. Não que Deus não seja importante, mas não é um argumento científico válido, além de não ser real para todo mundo. Algumas pessoas acreditam em outros deuses, outras nem acreditam, então, sempre que Deus entrar na conversa, haverá um ponto de vista religioso não compartilhado por todos, o que deslegitima sua presença como argumento válido.
     Como algumas pessoas não se darão ao trabalho de ir atrás da cura para o mal que as assola, será necessário um tratamento intensivo de urgência. Nesse texto, pretendo esclarecer algumas questões óbvias para quem está dentro dos estudos de gênero, mas que ainda são desconhecidas para os portadores do vírus.
     Para esses enfermos, os estudos de gênero afirmam que as pessoas podem escolher ser homens ou mulheres. Não existe nada mais mentirosa que essa afirmação. Os estudos de gênero NÃO afirmam isso! Os estudos de gênero afirmam o seguinte (presta atenção que esta será a primeira dose da cura): o sexo biológico não determina o gênero social. Os estudos de gênero separam sexo biológico de papeis sociais. Assim, cada pessoa nasce com determinada genitália (vagina ou pênis), com determinados hormônios (progesterona/estrogênio ou testosterona) e com o DNA feminino ou masculino. Isso é biológico. O que não é biológico são os papeis sociais que cada gênero assume na sociedade. Assim, quando uma criança nasce, uma série de atribuições é feita aquele corpo, dependendo da genitália que veio com ele. Se for uma genitália feminina, as atribuições serão: doce, passiva, amorosa, mãe, princesa, rosa, bonecas, cuidado, cozinhar, lavar, limpar, casamento, restrição sexual, entre outras. Ou seja, todas as características SOCIAIS pertencentes às mulheres serão projetadas nesse corpo. Se for uma genitália masculina, as atribuições serão: forte, másculo, uma certa dose de agressividade, ativo, conquistador, competitivo, azul, provedor, estímulo da sexualidade, pegador, entre outros. Ou seja, todas as características SOCIAIS pertencentes aos homens serão projetadas nesse corpo.
     Onde entram os estudos de gênero nisso tudo? Eles afirmam que essas características sociais projetadas nos corpos não são biológicas, são construções culturais! E mais, essas construções podem ser diferentes em cada cultura. Assim, na cultura ocidental nós temos determinadas construções culturais femininas e masculinas, mas nas culturas indígenas ou aborígenes, por exemplo, as construções culturais de feminino e masculino podem ser diferentes.
     É isso que quer dizer a famosa frase de Simone de Beavouir: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.”
Com isso, ela quer dizer que nada de biológico define o Ser mulher na sociedade, ou seja, nenhum destino biológico molda as características atribuídas às mulheres. Ela quer dizer que Ser mulher é algo elaborado pela civilização na qual essa mulher vive, ou seja, pela cultura. Assim, aquelas características, ou papeis, atribuídos ao corpo com genitália feminina são culturais, e não biológicas. Primeira dose completa.
     Segunda dose: os estudos de gênero, e aqui entram também os estudos de Judith Butler, afirmam que essas atribuições sociais, ou seja, essas construções culturais são impostas às pessoas. Impostas no sentido de estarem cristalizadas e naturalizadas em nossa cultura. A maioria das pessoas se encaixa nesses papeis sociais, ou seja, a maioria das pessoas pode se chamar de cisgênero (pessoas que têm o sexo biológico e o gênero social em concordância). Essas pessoas são aceitas pela sociedade e não sofrem preconceito. No entanto, existem outras pessoas que não se encaixam nesses papeis sociais. Essas são as transgêneros. São pessoas cujo sexo biológico e o gênero social estão em discordância. Essas são as identidades de gênero de cada pessoa, que NÃO são uma escolha!! A pessoa nasce cisgênero ou trangênero, ou se sente assim! Até aqui, ninguém falou que as pessoas são obrigadas a ser transgêneros. Apenas foi dito que existem pessoas que são. Se você não é uma pessoa transgênero, ótimo! Ninguém acha que você deveria ser uma!
     Os estudos de gênero afirmam que as pessoas transgêneros sofrem estigma por o serem, sofrem preconceito e não são aceitas pela sociedade da mesma forma como as pessoas cisgêneros. São corpos abjetos, segundo termo de Judith Butler. E é aqui que entra Foucault, também, com o conceito de corpo normalizado, o corpo educado. O corpo é educado para ser normal. E o que é ser normal? É ser cisgênero, heterossexual e seguir as atribuições sociais que são designadas para esse corpo de acordo com a genitália presente nele. O problema não é ser cisgênero, heterossexual e seguir os papeis sociais atribuídos aos homens e mulheres. O problema é essa ser a única possibilidade de normalidade dentro da nossa sociedade. Ocorre que alguns corpos não são “normais”. São considerados corpos abjetos, corpos que não importam (Judith Butler).


     O que querem afinal os estudos de gênero? Os estudos de gênero não querem, em hipótese alguma, impor que as pessoas sejam transgêneras, ou homossexuais, ou que menino vire menina e vice versa. Quem diz isso é o vírus que está se propagando pelo Brasil. Os estudos de gênero querem que as pessoas que não se encaixam nesse conceito de “normal” também sejam aceitas. Existem pessoas trans, existem pessoas homossexuais, existem pessoas queer, existem pessoas que não se encaixam nos papeis sociais atribuídos a sua genitália. Existem mulheres que são agressivas, mandonas, competitivas, existem homens que são doces, passivos, amorosos. Essas pessoas não se encaixam nos papeis de gênero. O que os estudos de gênero querem é que todos sejam aceitos, que todos possam ser quem realmente são. Inclusive que as pessoas possam sim seguir os papeis de gênero e que as mulheres possam ser doces, maternais e amorosas e que os homens possam ser competitivos e ativos. Ninguém diz que não podem sê-lo. O que os estudos de gênero querem é acabar com o preconceito e com a ojeriza a quem não segue os padrões. Por isso os estudos de gênero falam tanto em diversidade, pois as pessoas são diversas e nós afirmamos que cada diversidade deve ser respeitada. E se é pra colocar Deus no meio da conversa, o próprio Jesus ajudou a prostituta, os leprosos e os famintos, ou seja, os párias sociais, ao invés de xingá-los, excluí-los e humilhá-los.       Quem mais fala em Deus é quem menos pratica sua palavra. Quem realmente segue Jesus ajuda a travesti, a transgênero, o homossexual, todos os párias sociais da modernidade. E para aqueles que acreditam que essas pessoas vivem sem preconceito, basta lembrar que o Brasil é o número um em assassinato de travestis.

     Creio que essas palavras sejam apenas o tratamento inicial, que é longo e doloroso, pois muitas mentiras terão que ser desfeitas. Mas ajuda as pessoas a saber do que estão falando. A partir de agora, quem for criticar os estudos de gênero, que o faça com propriedade e não citando Deus ou mentiras adquiridas com esse vírus maldito que impregnou as pessoas. 

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Cuidado! Não caia no conto do “bom moço”.



Paulinho dos Santos é Acadêmico de Ciências Sociais pela UFRGS e Militante de Causas Sociais






Cuidado! Não caia no conto do “bom moço”.

Exatamente. Não caia no conto do “bom moço”.

No primeiro domingo de novembro de 2017, Fernando Henrique Cardoso, o “príncipe da sociologia” no Brasil, escreveu um artigo, para O Globo, intitulado “Hora de decidir”.

Nesse artigo, o ex-presidente, e intelectual, disserta sobre a conjuntura política, faz algumas análises, se atreve a fazer raríssimas previsões e, por fim, mostra, ao PSDB, partido político ao qual é filiado, um rumo a seguir.

Ao fazer críticas ao governo Temer, embora defenda que o seu partido deva impulsionar as reformas apresentadas pelo atual governo, Fernando Henrique defende a saída imediata, a partir da convenção partidária em dezembro (algo nem tão imediato assim), do PSDB da base aliada de Temer, lugar em que esteve desde o golpe de 2016.

Além de mostrar certa preocupação com a crise política instaurada no país.

Tudo isso, firmado na sua velha mania de grandeza e autopromoção. Afinal, Fernando Henrique, faz questão de lembrar que venceu lula por “duas vezes quando ele já era um líder partidário de massas”, na tentativa de afirmar que é possível vencer Lula e o PT em uma disputa eleitoral (e também para lembrar que ele é o único tucano que venceu os petistas em uma eleição nacional).

Mas até aqui tudo bem. Todas as linhas escritas por Fernando Henrique Cardoso talvez fossem bem recebidas se não fosse um importante detalhe: Fernando Henrique deu aval para que Aécio Neves e o PSDB, em sua sanha tresloucada de tomar o poder, organizassem um golpe à democracia brasileira em pleno século XXI e, após a derrubada de uma presidenta democraticamente eleita, que não cometera crime algum que justificasse seu impeachment, ficasse mais do que ao lado de Temer (o Usurpador), mas ocupasse o governo com ministérios importantes.

Fernando Henrique silenciou quando João Dória, e as demais lideranças do PSDB, em reunião do Diretório Estadual do partido, em São Paulo, no mês de junho de 2017, mesmo depois dos vários escândalos de corrupção do governo divulgados, defenderam o apoio e a permanência do PSDB ao governo Temer, pois, segundo o prefeito da capital paulista, “nosso inimigo chama-se PT”.

Fernando Henrique calou completamente diante do acordo de salvamento mútuo realizado entre PSDB e PMDB, no mês de outubro, qual seja: o PMDB ajudava a salvar o mandato de Aécio Neves, afastado pelo Supremo Tribunal Federal por suspeita de cometer vários crimes, enquanto o PSDB, na Câmara, ajudaria a barrar a denúncia contra Michel Temer.

Ou seja, Fernando Henrique Cardoso tem calado e apoiado e os movimentos realizados pelo seu partido até aqui. Fernando Henrique tem defendido a necessidade de aprovação das reformas, que atacam diretamente os trabalhadores e as trabalhadoras, porque essas reformas fazem parte do projeto do PSDB e da sua forma de governar.

Agora, o ex-presidente vem a público defender a saída do PSDB do governo e execrar Michel Temer, como se ele, e o seu partido, não tivessem responsabilidade alguma por toda essa crise instaurada no Brasil desde a reeleição de Dilma Rousseff.

Nada mais eleitoreiro do que isso.

O PSDB, em conluio com o PMDB, fizeram de tudo para que Dilma Rousseff não conseguisse governar a partir da sua vitória eleitoral em 2016.

O PSDB se tornou a nova UDN. Mas Fernando Henrique Cardoso ainda quer posar de “bom moço”. Cuidado!



REFERÊNCIAS:

CARDOSO. Fernando Henrique. Hora de Decidir. Disponível em <http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2017/11/hora-de-decidir-05-11-2017.html> último acesso em 07 de nov. de 2017.


R7. Em reunião do PSDB, João Dória defende Temer: “Nosso inimigo chama-se PT”. Disponível em <https://noticias.r7.com/brasil/em-reuniao-do-psdb-joao-doria-defende-temer-nosso-inimigo-chama-se-pt-06062017> último acesso em 07 de nov. de 2017.

sábado, 21 de outubro de 2017

Precisamos falar sobre bullying e sobre acesso a armas de fogo


Paulinho dos Santos é Acadêmico de Ciências Sociais pela UFRGS e Militante de Causas Sociais


Precisamos falar sobre bullying e sobre acesso a armas de fogo






Mais uma vez o Brasil chora por mortes em escola. Em menos de um mês, fomos surpreendidos por dois graves ataques. O primeiro, em uma escola de educação pública infantil de Minas Gerais, quando um vigia daquela instituição ateou fogo em algumas crianças e em si próprio. O segundo, em uma escola particular de Goiás, um adolescente atirou contra os próprios colegas dentro da sala de aula.

Não pretendo me ater ao primeiro caso, que, segundo investigações policiais, está ligado a transtornos mentais sofridos pelo criminoso. Também não quero escrever especificamente sobre o segundo, mas sobre as questões que o envolve. Ou seja, penso que precisamos falar sobre bullying e sobre acesso a armas de fogo.

Os adultos de hoje, entre os quais me incluo, são de uma geração em que era muito comum a propagação de piadas de cunho racista, machista, homofóbica, gordofóbica, xenófoba, etc., ou seja, costumávamos ouvir e promover piadas que atacavam determinados grupos. Não que agora isso tenha acabado, mas, entre os ouvintes, sempre tem, ao menos uma pessoa, que se sente desconfortável com piadas que possuem algumas dessas características.

Além disso, também somos de um tempo em que era muito comum rir de um colega em sala de aula por alguma característica que este apresentava. Era normal fazer chacota do “CDF”, rir do “espinhento”, brincar com o “BV”, tirar sarro do “nanico”, do “gordinho”, do “viado” e da “sapatona”. Os apelidos bizarros eram os que mais pegavam, principalmente se o apelidado se sentisse ofendido.

Não se falava em bullying. Aliás, esse conceito nem era conhecido, ao menos para as bandas de cá, do lado de baixo do equador, tendo em vista que o termo só passou a ser utilizado a partir de 1999, com o Massacre de Columbine1. Assim, quando fatos como os já relatados acima aconteciam, os conselhos dos pais, dos educadores e dos demais adultos eram sempre no sentido de não se vitimizar, de não se permitir ser atacado por aqueles que ofendiam, e, com isso, naturalizar os ataques sofridos gratuitamente.

Por isso, hoje, ainda é muito difícil falar sobre bullying. Ainda é muito difícil convencer os adultos sobre os males que o bullying pode ocasionar na vida de uma criança e de um adolescente. Ainda é difícil fazer com que as pessoas entendam o quanto o bullying fere a criança e o adolescente no seu psicológico.

O menino que atacou os seus colegas em sala de aula, levava consigo, em sua bagagem, muito mais do que o revolver dos pais. Ele levava, também, todo um sofrimento de morte por causa dos insultos que recebia. Seu apelido se referia ao fato de este não utilizar desodorante, ou talvez, quem sabe, por ter algum problema nas glândulas sudoríparas que acaba aumentando a produção de suor e, com isso, fortificando o cheiro de gente.

Aqueles que sofreram o ataque, sobretudo aqueles dois meninos que morreram, talvez até agora não saibam o porquê dos tiros. Afinal era apenas uma brincadeira. Levar um desodorante para a sala de aula para “presentear o colega” era nada além de uma brincadeira que não tinha intenção de magoar nem ferir ninguém.

Os que cometem bullying, muitas vezes, não sabem a dor que estão causando àqueles que sofrem as brincadeiras, as piadas, os ataques. Os que cometem bullying, o fazem por diversão. Os que sofrem bullying, sofrem na alma.

É necessário traduzirmos isso às pessoas. Um adolescente está em um grande processo de convulsão sentimental. O adolescente sofre muito mais do que um adulto. Um adolescente está um período da vida em que deixou de ser criança, mas ainda é tratado como criança quando se tratam de certos de assuntos, principalmente pelos pais, e não é adulto, mas, por vezes, é cobrado como um adulto sobre questões de responsabilidade.

Assim, é normal que o sentimento de frustração tome conta de um adolescente. E, como somos ensinados desde criança a escondermos os nossos sentimentos (“não chore na frente dos outros”, “não diga que não gosta de determinada coisa”, etc.), principalmente os de decepção e tristeza, o adolescente tende pensar que ele é o único que deu errado na vida. Que, em si, ele é uma decepção para os pais e para os amigos. Ou melhor, que é impossível ter amigos diante do tamanho do fracasso que é a sua vida.

Não me entendam mal. Não estou querendo dizer que os colegas do adolescente atirador, são culpados por terem despertado essa ira do menino. Todos são vítimas nessa situação. Ao mesmo tempo, talvez todos nós estejamos falhando, afinal, todos somos responsáveis por protegermos e promovermos situações dignas de vida às crianças e aos adolescentes, como preconiza a nossa Constituição Federal de 1988.

Todos falhamos quando não conseguimos nos comunicar com as crianças e com os adolescentes ao ponto de fazê-los compreender que todos somos imperfeitos. Todos falhamos quando não conseguimos abrir espaço para que esses meninos e meninas possam conversar sobre suas angústias, seus erros, suas desesperanças.

Esse menino que atirou nos seus colegas, o fez, provavelmente, porque seus sentimentos o sufocava. Mas fez, principalmente, porque tinha acesso a uma arma de fogo. Seus pais, por serem policiais militares, têm porte de arma e, por isso, podem tê-las em casa. E esse adolescente, ao se sentir sufocado, se utilizou dela para aquilo que é o objetivo da sua fabricação: atirar em pessoas e matar.

Quantos são os relatos de crianças que encontraram as armas de seus pais em casa e, sem perceberem o perigo, ao brincarem com elas, acabaram acertando a si ou a outrem. Além destes, também há relatos de adolescentes que se utilizaram de armas para ferir a si ou àqueles a que tinham por desafetos.

E, caso aqueles defensores da liberação das armas alcancem seus objetivos, quantas serão as crianças e adolescentes que estarão expostos ao perigo de se ter uma arma de fogo à mão?

A solução para o avanço da criminalidade não passa pela liberação do porte das armas de fogo. Mas por políticas públicas que sejam capazes de distribuir renda e criar justiça social no país.

Sobre o bullying e demais questões afetas às crianças e aos adolescentes, é preciso que tenhamos ações efetivas. Precisamos fortalecer ainda mais o Sistema de Garantia de Direitos das Crianças e Adolescentes. Precisamos fortificar a rede de proteção. Precisamos unificar os agentes públicos em uma política concreta.

Lembro, quando presidi o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente em Sapucaia do Sul, já aconteciam reuniões mensais do que chamávamos rede de enfrentamento à violência. Nessas reuniões, o Fórum das Entidades da Sociedade Civil, organizado pelo Conselho de Direitos, juntava os agentes envolvidos com a política de crianças e adolescentes da cidade para debater os grandes temas do momento e traçar linhas de atuação conjunta.

Precisamos, cada vez mais, de ações como essas. Precisamos nos aproximar dessa nossa juventude que ainda não se tornou adulta não para tirar-lhes a autonomia, mas para dizer que sempre têm com quem contar. As crianças e os adolescentes precisam saber que o afeto não acaba. E o afeto efetivo pode salvar vidas.

1 Massacre escolar ocorrido no dia 20 de abril de 1999 na Columbine High School, em Columbine, nos Estados Unidos, cometido por alunos seniores que mataram outros 12 alunos e um professor, além de ferirem outras 21 pessoas.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

A ração humana de Doria: o que tem a ver cultura e identidade com alimentação?


Renata Tomaz do Amaral RibeiroBacharela em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência nas áreas da antropologia da alimentação e antropologia urbana, da memória e da imagem, atuando principalmente nos seguintes temas: cultura e alimentação, memória, meio ambiente, saberes e práticas sobre PANCs.










A ração humana de Doria: o que tem a ver cultura e identidade com alimentação?
Renata Tomaz do Amaral Ribeiro



            João Doria diz: “Pobre não tem hábito alimentar, pobre tem fome.”

Doria e a sua politica liberal estão desumanizando as pessoas!

         Como assim pobre não tem hábito alimentar? Se fosse possível resolver o problema da fome com soluções meramente nutricionais (só que NÃO é), poderia existir mais divulgação e fortes campanhas incentivando o cultivo e o consumo de Plantas Alimentícias não Convencionais - PANC, por exemplo. Deveriam haver oficinas e campanhas nas periferias para o aproveitamento de caules e folhas que normalmente são descartadas. Isso para não falar, que no Brasil NÃO HÁ ESCASSEZ DE ALIMENTO; se produz muito, mas nem todo mundo tem acesso.

O fato é que o problema da fome não é uma questão restritamente biológica, mas especialmente política e cultural. No caso em questão, não existe preocupação alguma com segurança alimentar, há, porém o evidente interesse do governo Doria de repassar ou isentar um valor substancial a mais uma empresa mafiosa. 

         Não apenas isto, esta é uma politica de desumanização da população pobre. Pessoas em situação de vulnerabilidade social devem ter sua cidadania e direitos garantidos. E isso inclui fundamentalmente uma alimentação nutritiva e que faça parte do imaginário coletivo da nossa sociedade. Feijão com Arroz, polenta com ovo frito, aipim na panela de ferro, purê de batata inglesa, batata-doce no forno, são alguns dos tantos pratos comuns no cotidiano do brasileiro. A comida guarda e revela identidades, visões de mundo, tradições… E consequentemente, ela nutri o corpo e a alma. E por mais que muita gente não acredite pobre é ser humano, além de nutrientes também precisa se alimentar de simbologia.

Obviamente que eu, que estudo as PANC, acho lindo que existam mais e mais pesquisas, campanhas e oficinas que divulguem e incentivem o consumo destas plantas. Todavia, para tanto é necessário que as politicas públicas estabelecidas levem em consideração as representações simbólicas e sociais de cada grupo, para que estas plantas sejam inseridas nos pratos cotidianos e típicos, respeitando a cultura e a identidade destes indivíduos. Esta seria uma das tantas opções melhores do que a ração humana do Doria!

Referências:

DA MATTA, Roberto. Sobre o simbolismo da comida no Brasil. O Correio da Unesco, Rio de Janeiro, v. 15.
FISCHLER, Claude. Las funciones de lo culinario. In: El ( h )omnívoro: el gusto, la cocina y el cuerpo. Barcelona: Anagrama, 1995.
GARINE, Igor de. Alimentação, culturas e sociedades. O Correio da Unesco, Rio de Janeiro, v. 15, 1987.
MACIEL, Maria Eunice. Cultura e alimentação ou o que tem a ver os macaquinhos de Koshima com Brillat-Savarin? Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 7. 2001.

MENASCHE, Renata; ALVAREZ, Marcelo; COLLAÇO, Janine. Alimentação e cultura em suas múltiplas dimensões. In: ________ (Org.). Dimensões socioculturais da alimentação. Diálogos latino-americanos. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2012.


MINTZ, Sidney W. Comida e antropologia: uma breve revisão. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 16, 2001.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

QUALIDADE NA EDUCAÇÃO E A REALIDADE

Letícia Roxo é Licenciada em História pela FAPA, professora da Rede Pública Estadual













QUALIDADE NA EDUCAÇÃO E A REALIDADE 

            O artigo POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS: APONTAMENTOS SOBRE OS DIREITOS SOCIAIS NA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO de Cleia Simone Ferreira e
Everton Neves dos Santos aborda as políticas públicas como uma forma de garantir não somente o acesso, mas principalmente, a qualidade na educação, em especial, a pública no Brasil.

            Entre todas as leis voltadas a educação, e os autores se referem à educação escolar, eles se baseiam em três: LDB, ECA e a Constituição federal. Sendo que todas garantem a educação básica gratuita, a todos e com qualidade. Sendo conceituada como educação de qualidade “não trata somente dos métodos e processos educacionais, mas especialmente, o direito a educação cidadã que deve ser assegurada a todas as pessoas.” p. 147.

            Conforme o art. 37 da LDB, § 1 os sistemas de ensinos devem garantir “oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.” Não é bem isto que ocorre dentro das escolas públicas, sejam por falta de condições estruturais, recursos financeiros, interesse pedagógico e etc. O fato que todos os alunos não estão sendo atendidos e formados com qualidade.
           
            Já o parecer do CNE número 11 de 2000 deixa claro que ''A dívida social deve ser saudada como uma reparação corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação. '' Será que os alunos têm realmente essas oportunidades? São-lhes oferecidos oportunidades dentro do sistema educacional para que a inserção ocorra? Qual é o papel da educação nessa inserção?
“O mesmo parecer do CNE fala que a educação tem um caráter qualitativo ‘‘É um apelo para a educação permanente e criação de uma sociedade educada para o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversidade.” E acredito que só desta forma, a educação básica, deva educar e formar cidadãos. Pois poderemos falar em uma educação pública mais formativa, mesmo que os problemas estruturais e financeiros ainda perdurem. O ser humano pensará diferente, pois foi educado para um mundo mais inclusivo. Logo os interesses pedagógicos serão apenas ensino-aprendizagem.

            A preocupação dos autores se mostra em garantir que as leis sejam cumpridas e mais do que isso, que a escola proporcione uma educação inclusiva. Que forme cidadãos ativos e inclusos na sociedade, que construam o conhecimento e propaguem valores éticos e morais.

            Os autores analisam a importância das políticas públicas educacionais, da intervenção do Estado para o cumprimento de tais políticas para que os objetivos propostos, pelas mesmas, sejam alcançados.



Crianças de 5ª série que não sabem ler nem escrever, salários.
baixos para todos os profissionais da escola, equipes desestimuladas, famílias desinteressadas pelo que acontece com seus filhos nas salas de aula, qualidade que deixa a desejar, professores que fingem que ensinam e alunos que fingem que
aprendem. O quadro da Educação brasileira (sobretudo a pública) está cada vez mais desanimador. [...] (BENCINI, 2006).

A qualidade da educação, especialmente nas escolas públicas não podem ser construídas com base em políticas quantitativas e privatizadoras, em que a escola particular seja símbolo de eficiência, mas em programas que tenham no resgate da qualidade da escola pública a sua força para alcançar efetivamente um melhor nível educacional.

A QUALIDADE do ensino tem sido foco de discussão intensa, especialmente na educação pública. Educadores, dirigentes políticos, mídia e, nos últimos tempos, economistas, empresários, consultores empresariais e técnicos em planejamento têm ocupado boa parte do espaço dos educadores, emitindo receitas, soluções técnicas e, não raro, sugerindo a incompetência dos educadores para produzir soluções que empolguem a qualificação do ensino. Essa invasão de profissionais não identificados ou não envolvidos com as atividades do campo educacional merece uma reflexão. Não se trata aqui de preconizar o monopólio da discussão da educação aos educadores, mas de registrar a intensa penetração ideológica das análises, dos procedimentos e das receitas tecnocráticas à educação (AZEVEDO, 2007).

Mas como falar em qualidade em educação? Políticas públicas educacionais? Quando, hoje, lutamos por Xerox na escola para trabalhos e provas, papel higiênico nos banheiros, salas de aula com menos alunos, com piso no chão ou lâmpadas. Aguardamos profissionais de orientação e supervisão que são raros atualmente, funcionários da secretária, limpeza ou cozinha, ou seja, recursos humanos especializados. Privamos-nos de planejar uma aula mais moderna e que utilize recursos pedagógicos específicos, pois a maioria das escolas não dispõe de sala de informática, data show,  uma simples sala de vídeo às vezes. Mas pior é quando temos esses recursos e não podemos usá-los, pois a rede elétrica da escola não suporta. Não podemos esquecer a merenda que não permite saciar a fome de muitos alunos, porque com R$ 0,30 por aluno não é possível fazer milagres.

Pergunto-me como analisar teoricamente qualidade na educação quando na realidade temos uma parcela representativa de alunos ligados ao tráfico de drogas e a prostituição, com passagens pelo Deca, com famílias desorganizadas, onde pais e mães estão privados de liberdade ou sofrem violências de várias naturezas. São alunos carentes financeiramente e podemos observar que alguns buscam na escola uma alimentação diária. Além da carência econômica são carentes emocionalmente, se mostrando revoltados, agressivos. A cada dia perdemos nossas crianças e adolescentes para a violência das ruas, tráfico de drogas, para a prostituição, gravidez precoce, para o trabalho infantil, o desinteresse quando nossa ação educativa deveria ser mais transformadora e atraí-los para boas ações e aprendizados.

A escola estadual esta sucateada necessitando de melhorias, reformas e investimentos públicos. O que podemos analisar é o total descaso do poder público com os alunos e com a educação publica. Onde não há infraestrutura, recursos humanos e a realidade social dos alunos são agravantes para dificuldade de aprendizagem e a evasão escolar que se apresenta. Dados do IDEP para o ensino médio sintetiza bem a estagnação dessa etapa no país. Pouco atraídos pelo aprendizado, um em cada dez estudantes do ensino médio abandonam as salas de aula antes do término do ano letivo. E dados do MEC trazem um cenário assustador, pois nossos adolescentes e jovens adultos estão mais propensos a trocar os estudos pelo trabalho. Para FUKUI (in BRANDÃO et al, 1983) relata a responsabilidade da escola afirmando que “o fenômeno da evasão e repetência esta longe de ser fruto de características individuais dos alunos e suas famílias. Ao contrário refletem a forma como a escola recebe e exerce ação sobre os membros destes diferentes segmentos da sociedade”.

Para finalizarmos temos os professores que não conseguem se manter estudando e se atualizando, pois estes cursos são onerosos e esperar pelo Estado é garantia de decepção e ilusão. Temos uma escola, ainda conteudista, rígida no que se refere a currículo, antiquada tecnologicamente e com algumas resistências a modernização. Embora tenhamos muitos professores buscando inovar, se qualificar, trabalhar utilizando novos recursos e modernizar suas metodologias, ainda encontramos uma grande resistência docente.

Além de termos que a todo o momento nos defender de um Estado que atribui os péssimos índices da educação pública a nós, professores, ultimamente, precisamos nos defender da sociedade que nos culpa pelo baixo rendimento dos alunos, pelo péssimo comportamento, nos culpa inclusive pelas agressões físicas e verbais que sofremos de alunos e suas famílias.

Depois deste pequeno panorama da escola pública como posso falar em qualidade da educação? A muito não tem qualidade. Onde o Estado se omite de suas responsabilidades aumenta os problemas sociais e reflete diretamente dentro da escola. As políticas públicas educacionais, se cumpridas, deveriam amenizar essa realidade, oportunizando educação com as mínimas condições pedagógicas, administrativas e de infraestrutura para alunos mais necessitados.

E como pensar em qualidade frente a tudo que foi elencado até agora? Pra complicar vamos adicionar a política dos governos em vigor: Políticas que precarizam ainda mais a educação, saúde, segurança. Politicas que retiram direitos dos trabalhadores e que dão ao patrão total controle da situação (desigual). Que a maior intenção é privatizar, ou seja, entregar nas mãos da iniciativa privada o que é responsabilidade do Estado para com a sociedade.

Não podemos deixar que eles concretizem seus planos políticos. É necessário que a sociedade acorde deste transe lunático no qual está e defenda seus direitos, que defenda o patrimônio publico que demonstre e ensine cidadania a todos. Somos uma parte importante do processo democrático, que tenhamos consciência e usemos do poder que temos juntos para garantir cumprimento da lei e a não concretização dos planos políticos desses governos.


domingo, 1 de outubro de 2017

O moralismo na agenda pública e a necessidade de um discurso de esperança


Paulinho dos Santos é Acadêmico de Ciências Sociais pela UFRGS e Militante de causas sociais


O moralismo na agenda pública e a necessidade de um discurso de esperança



A insatisfação do eleitor com a política e com os políticos tem aumentado a cada dia. Constantes investigações encampadas pelo Ministério Público têm desnudado certos crimes de alguns (não poucos) políticos que se utilizaram e, ainda, se utilizam da vida pública para autopromoção e enriquecimento ilícito.
Agregado a isso, a forte cobertura da imprensa, sobretudo em difundir vazamentos seletivos dessas investigações, tem feito com que o eleitor receba uma carga de constantes notícias negativas da classe política, incorporando, então, um discurso que considera a política como a geradora dos grandes males em uma sociedade que atravessa determinado período de crise.
De acordo com o site “Manchetômetro”1, entre os meses de janeiro e setembro de 2017, os jornais Estadão, Folha de São Paulo, Jornal Nacional e O Globo, apresentaram cerca de 7 mil matérias jornalísticas “contrárias” à política. No entanto, somente 800 matérias “favoráveis” foram veiculadas por esses mesmos jornais. Nesses cálculos, não estamos nos referindo nem às matérias que apresentam certa “ambivalência”, nem àquelas consideradas “neutras” pelos pesquisadores.
Quando nos atemos aos “partidos políticos”, somente no mês de maio de 2017, os já referidos jornais apresentaram pouco mais de 200 matérias contrárias ao PT (mês em que o PT teve mais notícias negativas). Já as notícias favoráveis, somando os nove meses em questão, não chega a um número de 30 notícias.
Quando o partido político pesquisado é o PSDB, o mês de junho é o de maior número de notícias negativas, em que o partido quase alcança 80 notícias contrárias veiculadas na imprensa. No mesmo mês, o PSDB quase alcançou 20 notícias favoráveis, praticamente superando PT em notícias positivas somente em um único mês. Além disso, paradoxalmente, junho também foi o mês em que o partido teve o maior número de notícias positivas veiculadas.
Ao compararmos as notícias sobre Lula e Aécio Neves, o petista superou a marca de 225 notícias negativas somente no mês de maio, enquanto Aécio, no mês de junho, mês em que teve o maior número de notícias contrárias a si, alcançou cerca de 70 notícias. Quanto as positivas, Aécio Neves superou Lula em todos os meses.
Como é possível verificar, notícias negativas relacionadas à política e aos políticos são amplamente difundidas para o eleitor. No entanto, nem todos os partidos e nem todos os políticos recebem o mesmo tratamento. Lula e o PT são alvos de constantes notícias contrárias que são levadas diariamente à casa do eleitorado brasileiro. O tucano Aécio Neves e o seu partido, o PSDB, estão bem menos na mídia do que os petistas. E, quando as notícias são negativas, as positivas também aparecem no sentido de minimizar os ataques.
Ou seja, por mais que Lula e o seu partido sofram diariamente com uma grande quantidade de notícias negativas, nenhum partido e nenhum político passam incólumes.
Nesse sentido, é importante trazer ao debate o que fora escrito pelo juíz federal Sergio Moro (2004, p. 57), juiz responsável pela Operação Lava Jato no âmbito da Justiça Federal de Curitiba, no texto “Considerações sobre a operação Mani Pulite”, que ocorrera na Itália:
A independência judiciária interna e externa, a progressiva deslegitimação de um sistema político corrupto e a maior legitimação da magistratura em relação aos políticos profissionais foram, portanto, as condições que tornaram possível o círculo virtuoso gerado pela operação mani pulite. (Grifo meu).
Ora, como é possível perceber, há uma estratégia traçada nas constantes investigações que estão sendo conduzidas no Brasil, que é a estratégia da deslegitimação da política e dos políticos profissionais. Para tanto, tende a ser extramente frutífero o trabalho realizado conjuntamente pelos agentes do sistema de justiça e a imprensa.
Assim como a operação Mani Pulite, na Itália, buscou a deslegitimação da classe política, no Brasil, para que quaisquer operações contra corruptos e corruptores fossem bem sucedidas, supõe-se a necessidade de incorporar tal estratégia, pois “enquanto ela (a ação judicial) contar com o apoio da opinião pública, tem condições de avançar e apresentar bons resultados” (MORO, 2004, p. 61).
Nessa lógica, todos os políticos e todos os partidos políticos passam a ser alvos da imprensa, pois a descontituição da política é a legitimação da justiça. Ou seja, desconstituir é também legitimar.
Seguindo nessa linha de desconstituição e trabalho conjunto, o Ministério Público começa a promover campanhas contra a corrupção e pela moralização do setor público, se transformando em uma espécie de “bastião da moralidade”. O Projeto Lei que cria as 10 medidas contra a corrupção é apresentado e defendido a tal ponto que a instituição cria um website para elucidar o texto e acompanhar, de forma pública, a tramitação do projeto no Congresso Nacional.
O projeto que prevê a utilização de provas em processos colhidos de forma ilegal, desde que tenha sido realizada de boa fé, e, também, limita a utilização do habeas corpus não é nenhuma unanimidade inclusive entre os agentes do sistema de justiça. Segundo alguns juristas e membros do Supremo Tribunal Federal, como o Ministro Gilmar Mendes, por exemplo, o Projeto de Lei encampado pelo Ministério Público dificulta a defesa dos investigados e restringe direitos.
Como defesa, o Ministério Público cita a necessidade de limpar a política da corrupção. Nesse sentido, o ambiente criado é de que todos aqueles que se colocam de forma contrária ao projeto parecem estar favoráveis a corrupção.
Ora, quanto mais se debate sobre corrupção, mais há necessidade de se apresentar um caminho de esperança. As investidas de alguns agentes do sistema de justiça em conjunto com a imprensa têm levado o debate, nas ruas, a centralizar naquele que eles elegeram como o grande problema: a corrupção.
Não que a corrupção não deva ser combatida. Longe disso! Só que, enquanto passamos horas e horas falando da corrupção e elegendo os políticos para atacar, políticas de redução do Estado e de precarização do serviço público vem sendo implementadas.
No governo federal, o orçamento para políticas sociais tem sido cada vez menor. A educação, a saúde e a assistência social tem tido cada vez menos investimento público.
No Rio Grande do Sul, parcelamento de salários e a extinção de fundações e autarquias estatais são a tônica do processo político.
Por isso, é preciso apresentar um novo caminho às pessoas. Um caminho de esperança!
É preciso relembrar que o Brasil já havia se livrado da fome. É preciso relembrar que é possível aumentar os salários dos servidores públicos estaduais e utilizar essa forma de governar para aquecer a economia.
E é preciso mais. É preciso construir saídas para toda essa crise com a participação das pessoas. É preciso fazer com que as pessoas voltem a acreditar na política, por mais difícil que isso pareça ser nesse momento.
A esperança é capaz de vencer o ódio!

1 “Manchetômetro” é um website sobre temas de economia e política, criado pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que tem por objetivo acompanhar a cobertura jornalística dos principais jornais do país em relação aos temas já citados.