Sérgio Pires - Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bacharelando em Ciências Sociais com ênfase em Antropologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Farinha pouca, meu pirão primeiro...(Ou o individualismo da classe trabalhadora brasileira)
A terceirização das atividades-fim é
sem dúvida um dos assuntos mais discutidos em se tratando da
conjuntura da política nacional atual, contudo, já tramitava no
complexo sistema burocrático das casas legislativas federais. O
cenário que se formou a partir dessas reformas foi de intensa luta,
chamada por diversos sindicatos e entidades de classe profissional,
articulando junto aos seus representados para tentar barrar essa e
outras reformas trabalhistas que, sem dúvida, aliada a reforma da
previdência, atingirão toda a classe trabalhadora nos próximos
anos. Mas, e quando a terceirização somente era possível nas
atividades-meio? Por que determinadas classes de trabalhadores podem ser aviltados em seus direitos sem toda essa comoção nacional?
Sou servidor público estadual da
Secretaria de Educação, e na minha jornada de 13 anos, lotado em
escolas públicas, tive o desprazer de ouvir muitos professores e
professoras tecendo duras críticas aos colegas (sim, colegas
servidores públicos, mesmo que isso faça torcer o nariz de muitos
professores e professoras) do quadro de funcionários de escola,
especialmente aos que cumprem as funções de manutenção e merenda
escolar. Em um sem número de vezes ouvi coisas como: “...na época
da EBV – empresa terceirizada – eram bem melhor...”, “...se
fosse de empresa privada já estavam na rua...”, “...na época da
terceirizada a escola vivia brilhando...”, e muitos outros
comentários do tipo.
Pois bem, o que há por trás desse
discurso? Há quem possa dizer que se trata apenas de observações,
críticas referentes a execução destes serviços, mas quando se
pensa que, estes trabalhadores vivem sobre pressão do terror do
desemprego, de perder sua minguada renda, tão somente pela simples
queixa de uma diretora descontente, e que, em muitos casos, esses
trabalhadores, pais e mães, nem ao menos podem cuidar de seus filhos
doentes sem serem demitidos por faltarem ao trabalho, mesmo com
justificativa.
Essa é uma discussão que nunca foi
abordada, pois, como diria Bertold Brecht em seu poema:
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
Pois bem, enquanto somente limpeza,
portaria e cozinha eram terceirizados, tudo bem, afinal muitos dos
que faziam as reclamações e exaltavam as empresas terceirizadas não
faziam parte dessas classes de trabalhadores, mas...agora que as
atividades-fim podem também ser terceirizadas? Como explicar toda a
comoção e mobilização que se verifica sobre o tema então? Não
será essa uma maneira de tentar “não ser levado” sem as pessoas
se importarem? O que explica esse comportamento do trabalhador médio
brasileiro?
Muito pode ser explicado esse
comportamento se pensarmos em como somos incentivados a sermos
competitivos, a pensarmos somente em nosso sucesso pessoal, em
buscarmos cada vez mais conquistas que mostrem nossa capacidade
individual, e de como eu consigo “descer para o asfalto” através
dos meus próprios méritos. Nossa formação enquanto cidadãos é
fomentada em grande parte pelas premissas do capitalismo e do
“American Dream”. Em toda nossa formação, e neste sentido não
falamos apenas da escola mas também de todos os aparelhos
ideológicos como televisão e outras mídias, somos formatados a
pensarmos de modo único e exclusivamente individual, sem jamais
pensarmos no coletivo, no grande grupo.
E essa formação cria pensamentos
iguais a desses colegas, que antes de verem sua classe trabalhadora
ameaçada, não faziam nenhuma menção a exploração de outros
trabalhadores, ressaltando inclusive a “eficácia” de um sistema
de trabalho que se aproxima da a servidão dos feudos, da
escravidão, onde homens e mulheres trabalhadoras não tem sua mão
de obra negociada por terceiros que visam apenas o lucro em cima da
exploração dessa mão de obra.
Paulo Freire nos alertava que, quando
a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é tornar-se
opressor, e isso fica claramente evidenciado quando, em ataques a
determinadas classes trabalhadoras, outras classes não se articulam
em prol das classes atacadas, fica em suas zonas de conforto,
trabalhando cada vez mais sonhando em promoções ou salários mais
altos, ou, no caso dos servidores públicos, confortáveis em sua
estabilidade.
Pois bem, o que se vê agora é um
panorama de grandes lutas que se avizinham, direitos trabalhistas
conquistados com muito esforço estão prestes a serem desmantelados,
as oligarquias tradicionais, ruralistas e mega-empresários unidos
pela destruição da CLT, articulando dentro das esferas de poder com
representantes do executivo. Esse é um cenário que nos mostra o
quanto se faz necessário a união da classe trabalhadora, de TODA a
classe trabalhadora, para lutar unida contra todos esses ataques,
especialmente dos ataques que vem das grandes mídias comprometidas
com os poderosos, que valendo-se de seu alcance, classificam e
rotulam protestos legítimos como atos de vandalismo, o que faz com
que o trabalhador, que está no ônibus ou no seu carro, parado em um
congestionamento, não veja a si mesmo refletido naquele protesto,
não se identifica com a causa, e só pensa em chegar no seu trabalho
para não ser demitido ou ter outros problemas com seus patrões.
Deslegitimar a luta é um dos
principais instrumentos utilizados, tanto pela mídia quanto pela
classe conservadora, atrelando a esses atos notícias maliciosamente
elaboradas para que o cidadão comum construa em seu entendimento a
imagem de que todo o protesto é bagunça, alia-se isso a forte
repressão das forças de segurança, que na verdade não defendem a
população, mas sim o capital, e isto comprovamos, tanto nas
coberturas jornalísticas, que se apressam em mostrar o trânsito
interrompido ou algumas vidraças quebradas, quanto pela própria
opinião pública, que louva as ações repressoras do Estado contra
os protestos, e isso nos mostra o quando nos falta consciência de
classe, de coletivo, pois desvinculamos todas as lutas com a nossa
própria condição de trabalhadores, e essa questão ainda é mais
forte quando nos referimos aos micro-empresários, em geral ligados
ao terceiro setor, que também vendem sua força de trabalho, mesmo
empregando outros trabalhadores, mas que pensam pertencer ao
empresariado, sem levar em conta que, sem possuir os meios de
produção e pertencer a classes sociais abastadas jamais serão
considerados como iguais.
O que nos falta, enquanto
trabalhadores, é construirmos um espírito de corpo, uma consciência
de classe, e que tenhamos em mente que, se não possuímos os meios
de produção, somos proletários, trabalhadores, todos nós, e o
destino de uma classe de trabalhadores pode vir a influenciar a todos
as demais, logo a necessidade urgente de unificarmos todos em prol da
luta, da defesa dos direitos trabalhistas, para que dessa maneira
possamos fazer frente aos ataques que estão nos impondo e os que
ainda irão nos impor. Em tempos de farinha pouca...que o pouco seja
de todos!
Excelente visão dos momentos em que somos atacados pelo capitalismo e nem sob fogo cruzado somos capaz de nos enxergar para nos aliarmos graças ao individualismo e ao nosso egoísmo inrraosado desde os tempos mais remotos
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