Sérgio Pires - Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bacharelando em Ciências Sociais com ênfase em Antropologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O gato em frente ao espelho...
O dia 28 de abril deste ano ficará
marcado na história como um dia de luta, de mobilização da classe
trabalhadora, seja através de entidades sindicais ou por inciativa
própria, trabalhadores e trabalhadoras tomaram as ruas de diversas
cidades do país.
Toda essa mobilização gerou muita
simpatia entre a população, afinal tratava-se de uma luta pelo bem
do coletivo, porém também gerou descontentamento...o que ficou
muito evidenciado nas redes sociais, onde um grande número de
postagens eram de apoio as mobilizações, assim como um grande
número eram contrários, tecendo comentários e críticas. Mas o
que me chamou a atenção, e é o que quero abordar neste artigo, é
um tipo bem específico de ator social, que em nome da busca de uma
maior produtividade e uma busca por lucros maiores, desqualifica as
lutas de hoje, rotulando aqueles que estão participando dos
movimentos de protestos como “vagabundos”, “vândalos”, e
assim por diante. Me refiro a aqueles que possuem pequenos negócios,
em grande parte do setor de prestação de serviços, e que se julgam
pertencer a um outro estrato social, se auto-atribuindo o título de
“empresário”.
A imagem do gato olhando no espelho,
e no reflexo aparece um leão, onça, tigre ou outro felino maior, é
muito comum em mensagens de auto-ajuda ou em mensagens motivacionais.
Atribui-se um significado de superação de limites, exaltando a
imensa força interior que todos temos. Contudo, para o contexto que
estou abordando aqui, faremos uma outra interpretação desta
imagem...
Dentre tantas postagens que
circularam pela minha timeline no dia de hoje, uma delas me chamou a
atenção e me fez refletir muito sobre o que li. Um dos meus amigos
postou um texto atribuído ao dono de uma grande rede de
fast-food...neste texto o autor fez algo como um desabafo, falando
sobre as dificuldades de um empresário em manter suas empresas
lucrativas com tantos impostos a serem pagos, inclusive tecendo duras
críticas a CLT, e ao alto custo das ações trabalhistas, etc. No
fim do texto ainda havia um desafio para quem quisesse de fato
conhecer as dificuldades em ser empreendedor no Brasil.
Mas o que chamou muito a minha
atenção foi a frase que este meu amigo escreveu ao compartilhar:
“Esse falou por mim...”. Confesso que fiquei perplexo quando li,
sem compreender muito bem o que de fato estava em jogo, tanto com a
postagem quanto a frase utilizada por este amigo. Pois bem, depois de
muita reflexão, creio que pude desenvolver um diagnóstico desse
quadro.
Quando pensamos no sentido da frase:
“Esse fala por mim...”, pensamos em representatividade, em
representação...mas quem representa quem de fato? A quais grupos ou
estratos sociais pertencem, tanto o suposto autor quanto quem
simpatizou com a frase? Que imagem reflete no espelho?
Creio que devemos fazer algumas
considerações a respeito disso. Uma das questões que sempre
resultam em grandes discussões é justamente esse sentimento de
pertencimento a grupos, mas que não são os grupos que de fato
pertencem esses atores sociais, ou seja, quando vejo micros e
pequenos empresários, defendendo pontos de vista adotados por
grandes grupos empresariais, percebo o quanto isto é equivocado, uma
vez que há uma grande distância social entre esses mundos, que são
muito distintos, não apenas pensando em tamanho ou faturamento, mas
também pensando em outras distinções entre esses grupos, tais como
capital social e cultural.
A comparação entre aquele pequeno
empreendedor, para usar um termo mais moderno do capitalismo, e os
grandes empresários é muito injusta e inadequada se pensarmos
principalmente nas isenções fiscais que grandes grupos empresariais
recebem dos governos municipal, estadual e federal, ao passo que os
micros e pequenos tem uma pesada carga tributária a pagar, tornam-se
muito difícil manter essas empresas abertas em muitos casos.
E apenas possuir uma empresa não
eleva o ator social a outra classe, não garante o pertencimento a
outro estrato social, inclusive não sendo aceito nos mesmos espaços
sociais que os grande empresários, pertencentes as classes mais
abastadas do país frequentam, tanto pela seletividade destes lugares
quanto pelo alto custo.
Outro fator que cria a ilusão de
pertencer a uma classe social mais alta, são os bens de consumo.
Ora, se o aumento das receitas permite que esses pequenos empresários
possam comprar bens como carros, eletroeletrônicos, etc, ainda assim
existe um grande abismo entre aqueles que vendem sua força de
trabalho e os que possuem os meios de produção. Ou seja, uma vida
confortável mas que se baseia ainda em seu trabalho, uma vez que
muitos desses pequenos empresários tem uma rotina árdua na condução
de seus negócios, é uma vida de trabalhador, como tantos outros
que, seja no serviço público ou empresas privadas, com bons
salários, são trabalhadores de qualquer modo.
A escolha da imagem do gato em
frente ao espelho, aqui ganha contornos e significados diferentes,
uma vez que, assim como o gato que se olha no espelho e enxerga um
leão, muitos pequenos e micro-empresários veem a si mesmos como
pertencentes ao grupo dos grandes empresários, das grandes
corporações, e essa interpretação não deve jamais ser confundida
com uma crítica destrutiva, mas sim o contrário, uma vez que a
grande força desses pequenos e micros é verificada quando
analisamos que estas empregam um grande número de outros
trabalhadores, são geradores de emprego e renda, e justamente por
esse viés é que devem perceber que essa grande força reside na
união da classe trabalhadora para poder fazer frente contra os
objetivos das grandes corporações, que sempre visam o lucro do que
qualquer outra coisa, inclusive com a saúde física e mental dos
seus empregados, e com o desenvolvimento dos centros urbanos.
Apesar de gostar de gatos, faço uma
sugestão aos amigos micro e pequeno empresário: ao se olhar no
espelho, não veja os grandes empresários que não representam nada
e ninguém que não seja os seus interesses, mas veja quantos trabalhadores iguais a você estão
ao teu lado, pois é a força do trabalho deles que faz com que você tenha
sucesso.
Boa!
ResponderExcluirExcelente e necessária reflexão!
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